As diversas cores das obras históricas

A importância da policromia e da restauração em Mariana – MG

Foto: Marina Geiger

Foto: Marina Geiger

Por: Emanuel Luiz Brandão – @emanuellbrandao e Marina Geiger dos Santos – @nananina__

     Mariana é o berço de Minas Gerais. Foi a primeira vila. Escolhida para ser bispado, foi elevada à cidade e preparou a segunda maior festa do estado no período colonial. Como a primeira cidade planejada, o projeto urbanístico foi feito pelo engenheiro militar Brigadeiro José Fernandes Pinto de Alpoim. Tornou-se capital do estado após ganhar a disputa de arrecadação de ouro. A emergente importância que a cidade adquiria podia ser vista nos prédios públicos, igrejas e mansões que surgiam com auxílio da disputa entre irmandades religiosas, como a Ordem Terceira, políticas e econômicas locais, que desejam exibir todo o luxo e riqueza dos quais desfrutavam. Assim foram construídas edificações cada vez mais belas e ornamentadas por grandes talentos da arte barroca, como o pintor Manoel da Costa Athayde e Aleijadinho.

Foto: Marina Geiger

Foto: Marina Geiger

     A Ordem Terceira do Carmo, uma das mais ricas do Brasil, chega a Mariana em meados do século XVIII. Reunindo a devoção em torno de seu santo padroeiro, a Igreja do Carmo começou a ser construída em 1762 e foi concluída em 1835. É uma obra de pedra e cal. Seu desenho arquitetônico revela parentescos com o barroco e o rococó. Do mesmo período data a construção da Câmara de Mariana. O prédio já foi sede dos três poderes, representou importante papel na fundição do ouro extraído da região e foi também um cenário mais sombrio, funcionando como senzala e, posteriormente, prisão.

     Essas e outras obras podem ser vistas em Mariana, atraindo milhares de turistas todos os anos. Por seu acervo arquitetônico e paisagístico, a cidade foi tombada pelo IPHAN (Instituto de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1938. Em 1945, a cidade foi elevada à condição de Monumento Nacional.

     As obras de policromia de Manoel da Costa Athayde, Xavier Carneiro, Antônio Martins e vários outros que criaram tetos, altares, oratórios, encarnações e adamascados nas imagens continuam presentes nas obras arquitetônicas marianenses e inspiram obras de artistas contemporâneas, como Olga Tukoff.

Foto: arquivo pessoal

Foto: arquivo pessoal

POLICROMIA E RESTAURAÇÃO

     Os dois termos podem, inicialmente, parecer ter o mesmo significado. Mas são bem distintos. Os policromistas fazem obras de arte utilizando várias cores. Por isso o nome: poli (várias), cromia (cores). A diferença fundamental para a restauração é que não consertam obras mas sim aplicam os conceitos da restauração em novas obras. Tem de saber sobre restauração, além de entalhe, desenho e pintura. Já a restauração repõe as partes que estejam faltando, imitando o original pelo uso de materiais adequados.

     A policromista Olga Tukoff tem um atelier na cidade de Mariana. Ela é responsável pela direção geral, pesquisa, design e pintura. Há um funcionário responsável pelo douramento, outro para auxílio de policromia e pintura, um terceiro para acabamentos e outros dois ficam responsáveis por entalhe, escultura e marcenaria. “Fazemos Policromia seguindo uma tradição milenar”, conta ela.

foto: divulgação Olga Tukoff

foto: divulgação Olga Tukoff

     Olga iniciou as pesquisas sobre levantamento das regras e normas da Policromia tradicional em 1962. Atualmente conta com mais de 20 trabalhos realizados. Sua experiência vai de cenografia a figurinos de shows, onde ajuda na composição das peças. Entre os destaques está seu trabalho para a Ópera A Flauta Mágica de Mozart, ganhadora do prêmio de Melhor Cenário Nacional de Teatro de 1992. “Em Mariana, posso citar a Policromia e pintura de dois tetos para a entrada da Pousada Passo do Carmo, três tetos para a residência de João da Cruz Pimenta e seis tetos para a capela de Nossa Senhora Rainha. Em Ouro Preto, destaco dois tetos para o Hotel da Estrada Real, móveis e painéis para o Hotel Pousada Solar da Ópera e a imagem de Nossa Senhora do Rosário para o Hotel do Rosário”, diz.

     Em 2009, o então prefeito de Mariana Roque Camêllo, deu ao presidente Lula uma obra de Olga. “Foi ofertada ao ex-presidente uma peça de madeira policromada em formato de oratório que reproduz a imagem de um dos cartões postais de Mariana, a Praça Minas Gerais com suas belas igrejas”, lembra. O presente foi dado durante o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para cidades históricas representando a arte de Mariana, contando com uma das marcas de Athayde no detalhe, a azulejaria portuguesa.

RESTAURAÇÃO

Quando a restauração dá errado

ecce homo

Foto: reprodução El País

É impossível falar em restauração atualmente sem mencionar Cecília Gimenez. O que começou com um incômodo de ver uma obra de arte em mau estado que decorava um dos muros do Santuário da Misericórdia, uma pequena igreja situada em uma hospedaria do século 17, propriedade do Hospital Sancti Spiritus, na localidade espanhola de Borja, terminou em um autêntico desastre. O estopim foi uma vizinha de 80 anos que atuou de forma espontânea e sem pedir autorização a ninguém, ainda que o tenha feito com boa intenção.

 Incomodada com o desgaste Cecília Gimenez, armada com seus próprios pincéis, resolveu restaurar a pintura eccehomo. A autoria do afresco é atribuída a Elías García Martínez, um artista do século XIX. Dias depois, a “restauração” ganhou notoriedade em escala mundial pela maneira peculiar com a qual foi conduzida. A “restauração” rendeu piadas na internet e um aumento de turistas ao local.

Apesar de ser uma obra sem grande importância, Juan María de Ojeda, conselheiro de cultura da cidade, lamenta a “restauração” da peça, que tinha valor sentimental. “A família do pintor só vinha aqui para passar férias. Durante um verão o artista realizou a pintura e o deu ao povo”, explica ao jornal El Pais. Agora, restauradores profissionais analisam a possibilidade de recuperar a obra.

     Cidades históricas precisam conservar as obras intactas para trazer ao turista a mesma sensação que um morador local do século XVIII tinha. Contudo, as intempéries e a ação do tempo são impiedosas com as construções.

     A Câmara de Mariana se encontra em mau estado de conservação e apresenta problemas como a perda parcial de peças de madeira do forro e teto, infiltrações, instalações elétricas aparentes, trincas, entre outros problemas. Há também a necessidade de adequação do espaço físico.

   Os principais problemas são o pequeno espaço do plenário, que dificulta a participação popular, a deficiência na segurança, com riscos de arrombamentos e incêndios e o espaço interno limitado do prédio, insuficiente para a instalação dos gabinetes dos dez vereadores que hoje atendem em diversos locais de Mariana, o que gera gastos para a Câmara com aluguel.

     Um projeto de restauração e ampliação está sendo realizado por uma equipe de professores e estudantes de vários cursos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com a coordenação do professor Leonardo Barci Castriota, professor da Escola de Arquitetura.