Geração Bitch, individualismo e café com leite

Por Edmar Borges

Henri Conrad tem 17 anos, cursa o 3º Ano do Ensino Médio e é dotado de um tom ácido, divertido e surpreendentemente esclarecedor. Ao mesmo tempo em que deixa a juventude de uma época gritar através das suas declarações, se mostra a frente do seu tempo com compreensões de amor e liberdade únicas e, do seu modo, completas. Ele é irrefutavelmente um personagem (e tanto) do cenário urbano em que Barbacena tem estado envolvida, e enuncia, mesmo sem saber, a paisagem da cultura jovem que ele e muitos outros na cidade consomem, entre as ruas escuras, sob a trilha das festas particulares e pelos anseios de satisfação da sua geração.

Nossa conversa aconteceu ao som de uma forte tempestade, no centro da cidade, no dia 12 de janeiro de 2013.

Edmar Borges: Quero começar de um jeito diferente. E aí, você prefere o dia ou a noite?

Henri Conrad: A noite. O dia é chato e quente, tem muita gente na rua. A noite é muito melhor.

EB: Eu imagino que você saia durante a noite, então. Com seus amigos. A que grupo social você diria que pertence, e quais suas atividades?

HC: Somos o grupo das “Vadias” (rindo). Entre nós, bebemos e conversamos, porque é prazeroso. Nos definimos como vadias porque fazemos sexo, mas não uns com os outros, claro, com as pessoas. Fazemos muito sexo com as pessoas, é por isso.

 EB: Então, vocês têm uma definição própria para o termo “vadias”?

HCi: Claro. Nós não somos vadias mesmo. Vadias de verdade têm tatuagem e vão para a cadeia. A gente age com vulgaridade entre a gente, apenas. É uma brincadeira, não um estilo de vida que praticamos o dia todo. (Pensando) Não, nós somos vadias o dia todo. Mas não em todos os aspectos do cotidiano. É que existe uma diferença entre as “bitches” (plural da expressão bitch, que no inglês significa “cadela”, “vagabunda”) e as “vadias”. Na verdade, vadias são vadias, aquelas com tatuagem e AIDS. Nós somos bitches, agimos com classe.

EB: Henri, qual sua opção sexual?

HC: Polissexual (rindo). Gosto das pessoas, o sexo que elas fazem é só um adereço. E não quero me apegar a uma definição, posso perder o amor da minha vida por causa de uma taxação boba, porque ele pode ser de qualquer sexo, pode ser até um cachorro.

EB: Cachorro, é claro, não vamos descartar os cachorros… E sua família? Conhece sua condição sexual?

HC: Sim, todo mundo, todo mundo mesmo.

EB: E qual sua relação com isso?

HC: Com a minha família mais próxima, pai, mãe e avó, tenho uma relação maravilhosa, mas com o resto é horrível. É tão ruim que não faço questão de saber da existência deles. Já com a sociedade… Eu não estou nem aí. Aliás, ela já me recriminou de várias formas, e continuo não me importando com isso.

 EB: De que maneiras a sociedade já recriminou você? Houve algum caso mais grave que queira contar?

HC: Eu estudava, há dois anos, em outro colégio. Uma vez, uma amiga se aproveitou de conversas pessoais entre nós e levou à direção da escola o conhecimento da minha sexualidade. Eles chamaram minha mãe e, de uma forma ridícula, me convidaram a deixar o corpo de alunos no final do semestre. Precisei sair da escola porque gostava de homens e eles não tiveram a decência de falar na minha cara que era por isso, que eu não me encaixava mais nos requisitos da instituição. Mas isso não me abalou. Eu sou louco mesmo, faço cada coisa que às vezes as loucuras até perdem a graça. Acho que a última coisa que eu fiz e realmente considerei extraordinária foi tomar café com leite. Isso não é engraçado? (risos)

EB: Isso é ser estranho, na verdade. Mentira, isso é engraçado, sim. E combina com o modo como você aprn ta ser. Falando nisso, qual seu estilo de vida, o que você curte, que tipo de cultura?

HC: Cultura? Eu conheço muitas culturas. Tem o hipster, por exemplo, o que eu definitivamente não sou, mas considero um tipo de cultura. Isso é muito amplo.

EB: Pense no que você conhece de cultura. O que é massa, o que parece, ao seu ver, pertencer a todos? E elite, o que é?

HC: Eu tento fugir da massa, mas acho que todo mundo tenta, então todos acabam se encontrando no mesmo lugar uma hora, e o que era de elite vira de massa. Essa é a cultura da maioria das pessoas.

EB: Conte para mim mais sobre a sua cultura, Henri, como ela é? Do que você gosta e por quê?

HC: Minha cultura é o que eu consumo. Meu filme preferido é 500 Dias com Ela e meu livro é LA Candy, da Lauren Conrad. Essas preferências definem minha cultura e um pouco de como eu sou. O filme me agrada porque mostra o ponto de vista de um bundão sobre uma mulher que está apenas querendo viver algo diferente, e isso faz parecer que ela é uma vadia. Sim, daquele tipo, com tatuagem (risos). Mas ela não é. Acho interessante o jogo com os pontos de vistas, porque na vida também acontece isso. Já o livro parece mais uma biografia, o que gosto muito. Gosto da autora e gosto da vida dela, de como duas amigas vão para Los Angeles e acabam vivendo um Reality Show só delas, e de como isso aconteceu de verdade.

EB: Do que você gosta de ouvir, Henri? Conte-me sobre sua cultura musical e como você se manifesta através dela. É cultura pop?

HC: Pop, de popular, não sei. Mas gosto de pop (risos). Gosto do estilo musical Indie, de Marina And The Diamonds, Ellie Goulding, mas não me importo de gostar da “massa”, Rihanna, Lady Gaga, essas coisas, não me importo mesmo, eu gosto disso também. Sou bipolar com músicas, e isso define muito meu jeito de ser. Posso estar ouvindo Nirvana agora e Hilary Duff daqui dez minutos. Sou louco e paranóico (risos).

EB: Seus gostos são interessantes, e seus pensamentos. Você tem uma filosofia de vida?

HC: Eu não, acho que não. Eu quero só estar em movimento, não me prender a nada, porque o mundo tem muita coisa legal pra me ensinar. Se isso for filosofia de vida, eu quero chegar aos 34 anos de idade sossegado, trabalhando com algo que eu goste, num lugar diferente, com um cachorro, uma xícara de café e lendo um bom livro. Não quero apressar a vida, quem quer? Meus amigos e eu queremos viver o momento.

EB: Mudando um pouco de assunto, você já fez algum trabalho social? Digo, uma atividade voluntária, por exemplo, ou algo que você pratique no dia-a-dia que se assemelhe a isso.

HC: Sim! Ajudei em uma creche por dois meses, no ano passado.

 EB: E como isso mudou sua rotina?

HC: Eu deixei de ser vadia nessa época. Parei de beber, de consumir produtos ilícitos e de fazer sexo. Não era necessário, mas eu quis, foi algo que meu corpo pediu. Eu queria equilibrar, sabe, compensar as coisas ruins que eu já fiz com isso, uma atitude nobre e voluntária.

 EB: E não era legal? Digo, durou apenas dois meses. Você não gostava?

HC: Não, era um ótimo exercício. Fazia bem para mim, mas eu estava fazendo pelos motivos errados. Já por outro ponto de vista, era um trabalho chato, não combinava comigo. Então eu percebi que nada que eu faça vai mudar as coisas que eu já fiz, não adianta ficar tentando compensá-las, e desisti.

 EB: Entendi. Bom, você há de concordar comigo que muitas pessoas chamariam de superficial o seu tom e o teor da sua declaração. É algo que confesso ter reparado, mas quero saber: você acha que poderia ser isso? Você se considera superficial, Henri?

HC: Eu sou muito superficial. Reconheço isso.

EB: E porque você se acha superficial?

HC: Eu ligo muito para detalhes bobos da vida, mesmo sabendo que são bobos.

EB: Você sabe que o fato de saber que eles são bobos faz de você menos superficial, não sabe?

HC: Sério? Obrigado!

EB: Mas me conte mais sobre as coisas bobas com as quais você se importa, Henri. Aposto que existe um motivo para isso. O que há de tão atraente nas coisas bobas do mundo?

HC: Eu me importo com as coisas materiais, elas são muito importantes para mim. Se alguém me perguntasse o que eu prefiro, sucesso ou amor, diria sucesso com certeza. Os romances e os sentimentos são passageiros, eu não me vejo em um relacionamento sério. As pessoas são muito difíceis de lidar, não posso depender delas, elas amam um dia e no outro não amam mais. Pessoas mentem e mudam. Objetos não, eles são sólidos, do início ao fim.

 

 EB: Mas os seres humanos proporcionam muitos prazeres que objetos não proporcionam!

HC: Discordo (risos).

 EB: Então, é isso o que interessa? Você já decretou que não há espaço para as pessoas na sua vida?

HC: Não é isso, eu gosto das pessoas. Só não sei se posso confiar na intimidade. E gosto de ajudar. É que hoje em dia não tem muito o quê eu possa fazer, mas eu quero ajudar as pessoas, sim, quero mesmo. Se um dia eu for famoso, por exemplo, vou usar minha influência para ajudar todas as pessoas que eu puder.

 

EB: Você se imagina famoso?

HC: Sim, acho que todo mundo. Sei lá, a vida é louca (risos).

EB: Isso tem algo a ver com você ser “louco e paranóico”, como disse anteriormente?

HC: Não.

EB: Então me fale mais sobre sua loucura e sua paranóia…

HC: Pra começar, eu demoro uma hora pra me arrumar para sair de casa e mais meia hora para ter certeza de que eu já posso ir. Eu fico pensando se posso sair porque quero sair perfeito, mas é impossível, e eu acabo saindo de casa insatisfeito. Sou muito paranoico.

EB: Mas porque você acha que não está perfeito para sair?

HC: Porque eu estou gordo (risos). Hoje meu amigo me chamou de gordo, fiquei desolado.

EB: Por ter sido ele ou por você acreditar mesmo que está gordo (mesmo não estando)?

HC: Porque foi ele que disse. Um amigo não diz esse tipo de coisa para o outro. É a pior ofensa que alguém pode fazer contra mim, acaba com o meu dia quando me chamam de gordo, por qualquer motivo que seja. E ele ainda se diz meu melhor amigo.

EB: Isso é parte da superficialidade que você diz possuir?

HC: Sim.

 

EB: Entendi. E o que você gostaria de cursar depois do Ensino Médio?

HC: Relações Internacionais, Publicidade ou Engenharia Civil. O que eu mais quero é Relações Internacionais, porque vou viajar bastante e ainda ganhar para isso.

EB: Mas você vai ter que trabalhar…

HC: Mas eu AMO trabalhar! Se eu pudesse, eu trabalhava todo dia, toda hora, sério! Não posso porque eu estudo, mas se pudesse, eu trabalharia.

 EB: Agora me diz: como as pessoas enxergam Henri Conrad e como Henri Conrad enxerga a si mesmo?

HC: Todo mundo diz que sou arrogante. Mas eu amo as pessoas, não sou arrogante.

Então, uma pessoa passa na calçada. Eu aponto para ela e pergunto:

EB: E aquele homem? Você gosta dele?

HC: Não, eu não! (risos) Tudo bem, eu não gosto de todas as pessoas. Na verdade, talvez eu seja mesmo um pouco arrogante. Mas o que eu quero dizer é que eu gosto de conhecer pessoas novas, mas não pessoas estranhas, pessoas NOVAS. Não quero que ninguém fique achando que sou arrogante, parece que sou fútil, mas eu sou uma pessoa agradável. Eu sou uma pessoa legal. Eu sou fofo. E por isso eu não me vejo como uma pessoa ruim. Você me acha uma pessoa boa?

“Sim”, eu respondi, rindo. “Bem no fundo, sim”. E desse modo concluímos a entrevista, ainda sob uma forte tempestade. Henri estava para sair com alguns amigos, então eu me despedi e agradeci pela conversa, e ele seguiu caminho pela calçada, rumo a mais um episódio da sua vida. Sua noite de sábado, assim como a de muitos outros jovens da cidade, merecia ser vivida sem tempo a perder.