Relacionamentos full time

Dividir o local de trabalho pode favorecer a compreensão entre profissão e vida familiar

Por Alícia Milhorance, Alexandro Galeno, Ana Laura Comassetto, Fernando Cássio e Thamiris Prado

 

Foi no local de trabalho que Keilla e Saulo se viram pela primeira vez, enquanto ele era apenas o técnico responsável pelo aparo dos computadores da empresa, ela exercia sua função de analista. Entre encontros e desencontros pelos corredores, os dois começaram a conversar, e depois de um tempo já eram amigos inseparáveis. Não demorou muito para que a amizade se tornasse algo muito maior, após três anos eles assumiram o namoro, que resultou em um casamento que já dura quatorze anos. A partir de então, passaram a dividir não só as responsabilidades da empresa, como também as de casa.

Assim como Keilla e Saulo, muitos casais aproveitam a confiança e admiração que adquirem no espaço de trabalho para levar à própria vida pessoal. A recente pesquisa realizada em agosto de 2013 e produzida pelo International Stress Management do Brasil (Isma- BR) revelou que o relacionamento entre casais que trabalham juntos tende a ser mais compreensivo, além de elevar o percentual de produtividade dentro e fora da empresa.

Tal qual a convivência cotidiana no ambiente de trabalho, que gera amizades, outro tipo de relacionamento evidenciado nesse meio é o amoroso. Muitas corporações, estabelecem através de políticas internas a proibição de relacionamentos entre seus funcionários de maneira explícita. Já outras, como por exemplo, a Hindalco Brasil, não acredita que o fato de pessoas que mantêm um relacionamento afetivo fora da empresa, afetará na produtividade dessas, de modo que elas fiquem abaixo do que a de pessoas que trabalham longe de seus parceiros.

É o que afirma o Analista de Comunicação, da empresa Hindalco Brasil, Marcelo Nahime: “Dentro da organização, independentemente de relacionamentos para além dela, todos são profissionais. Em um ambiente corporativo, as relações afetivas não devem impactar no resultado dos processos a serem desenvolvidos. Na visão de Recursos Humanos, não há diferenças entre pessoas que trabalham juntas ou separadas, principalmente por que no caso da nossa empresa esse aspecto não se aplica”.

Para a psicóloga Margareth Diniz, quando as políticas são tomadas de maneira distinta à citada por Nahime, elas acabam favorecendo o surgimento de enlaces, pois “o que é proibido é mais gostoso”, ou seja, instiga os casais. Embora, a situação precisa ser cautelosamente analisada, afinal ter um relacionamento “duplo” nem sempre traz benefícios ao casal.

Da mesma forma que se deve impor limites ao que se deve ou não ser levado para dentro de casa, os assuntos do ambiente de trabalho são, na maior parte das vezes, os culpados pelas famosas discussões de relação. De acordo com Margareth, “a maioria das frustrações ocorrem a partir da falta de delimitação entre o institucional e o familiar”. Para ela a terapia de casal, nestes casos, seria conselhável para “colocar a casa em ordem”.

Porém este não é o problema para Keilla e Saulo. Ela acredita que a convivência ajudou, e muito, na relação dos dois, principalmente quando o assunto é ciúme: “Nós compreendemos as amizades, as viagens, a correria, o estresse, porque vivemos isso juntos. Nunca brigamos por conta de um ficar trabalhando até mais tarde, ou por uma viagem de última hora, ou até mesmo por uma esticadinha depois do serviço com os amigos. E também porque nos apoiamos muito, já que estamos no mesmo ‘barco’.”

É preciso entender também que as regras relacionadas ao ambiente de trabalho são diferentes das da relação amorosa. Portanto, é preciso que antes de se envolver os dois tenham consciência do que está por vir, e que possíveis brigas podem surgir. Para Saulo os problemas ainda não afetaram a relação do casal, por mais que ocorram desentendimentos eles têm sabido administrar os problemas. Evidentemente que para os casais que se dão bem em casa, trabalhar juntos se torna mais fácil, fato este que pode explicar uma relação tão duradoura.

Outro fator importante para que a relação continue em plena harmonia é saber se portar no ambiente de trabalho. Este não depende apenas dos limites impostos por cada parte da relação, mas também de saber lidar com o comportamento dos colegas. Keilla explica que na empresa onde trabalham todos sabem que são casados, e que por estarem juntos há tanto tempo, a reação dos colegas passou a ser normal. Já Saulo afirma que trabalhar em áreas diferentes, por mais que seja no mesmo local, ameniza a opinião dos que convivem com eles. “Temos amizades diferentes, almoçamos em horários diferentes e deixamos nosso relacionamento ser bem profissional, nunca discutimos problemas pessoais em horário de trabalho.” afirma Keilla.

Para quem consegue manter o equilíbrio entre trabalho e casamento, muitas vezes a recompensa é dupla. A filha do casal é fruto da relação que surgiu em meio a computadores, reuniões e muito trabalho, tamanha alegria que ameniza o estresse gerado pelo emprego. Saulo conclui: “Na empresa que trabalhamos, por ser uma empresa composta majoritariamente por jovens com ‘idade pra casar’, os casais são bem comuns, costumamos brincar que a empresa é casamenteira, pois várias famílias nasceram ali”.

 

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Saulo e Keilla, na foto com a filha Maria Eduarda, acreditam que a rotina dupla de convivência favorece a compreensão entre eles. “Nós podemos compartilhar o nosso dia-a-dia, desafios, atividades e sempre entendemos a rotina um do outro.” | Imagem cedida pelo casal.

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Para a psicóloga Margareth Diniz, “a maioria das frustrações ocorrem, a partir da falta de delimitação entre o institucional e o familiar.”. Para isso, o mais importante é saber separar a vida profissional da conjugal e vice versa.| Foto: Alexandro Galeno