Barroco: tão famoso quanto Aleijadinho

Entre coxinhas e doses de pinga, conheça a história do bar mais famoso de Ouro Preto

Por: Agliene Melquíades, Caroline Hardt, Débora Mendes, Flávio Ribeiro e Priscila Ferreira

Ideias e expressões anônimas se unem e constroem a originalidade do bar

Foto: Flávio Ribeiro

Entre os paralelepípedos da Rua Direita ecoam sons de longe percebidos. Uma massa diversificada, que no aglomerado se funde em um mosaico de cultura e variedade. As risadas e as prosas lá começam ou se findam.

O  Bar Barroco, também conhecido como Bar das Coxinhas, devido à fama do petisco, é um lugar de aparência rústica e aconchegante. Recanto de ideias e memórias,  o local é feito a partir das histórias de todos aqueles que lá frequentam, seja por um dia ou por vários anos. Nas paredes do boteco têm-se  nomes, frases, origens, destinos e sonhos a construírem o ambiente. Os que por lá passaram continuam a discussão com frases que deixaram cravadas, enquanto os que lá estão bebem, brincam, riem, filosofam e observam. Passado e presente dividem o mesmo cenário: desde as paredes às mesas do bar, a essência das pessoas jamais é esquecida.

Enquanto o proprietário do Barroco conta a trajetória do local, os feitios diversos que circulam pelo bar continuam a tecer a memória do lugar. As lembranças estão expressas em todos os cantos que se possa avistar. No presente, a peculiaridade de cada  turista, morador  ou  estudante, constrói histórias que mais tarde serão recontadas. É tudo simultâneo.

Antônio Marciel se tornou dono do boteco em 1982. Sua intenção era permanecer com o bar por cinco anos, mas desde a aquisição já se passaram 32. Na época, o estabelecimento se  chamava Lanchonete Ideal, mas já era muito conhecido como Barroco. “Sempre escutava as pessoas referirem ao bar como Barroco, então decidi colocar o nome oficialmente.” Ele não sabe ao certo como o local ganhou essa fama, mas acredita que seja pela região onde está inserido: igrejas, museus e esculturas do mestre Aleijadinho permeiam as proximidades. Algo é certo: a história do bar está fortemente atrelada a da região e de seu povo.

A decoração coletiva, composta de palavras, nomes e sentimentos deixa os frequentadores mais à vontade e é um dos grandes diferenciais do local. Antônio conta que a prática começou com um antigo cliente, o Pregão, que participa dos momentos descontraídos o bar até os dias de hoje. “Ele sempre escrevia nas paredes, e isso me irritava muito”. O dono recorda quando

havia pintado o bar recentemente, e viu o “cliente teimoso” a escrever no banheiro. “Está escrevendo aqui? Pintei o bar dia desses!”

Com o tempo, a tradição das marcas nas paredes se fortaleceu. Todos que ali frequentavam começaram a pedir permissão para deixar seus registros espalhados pelos cantos. O proprietário, então, cedeu. “Aprendi a gostar dele assim”, disse.

Os vínculos criados no boteco transcendem os limites do lugar mesmo na sobriedade. A partir de uma mesa de bar, pessoas criam memórias inesquecíveis. O dono se lembra de uma vez em que houve um pedido de casamento simbólico lá dentro. E através das amizades que fez, Antônio teve a oportunidade de viajar, e frequentar repúblicas e formaturas de ex-alunos da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O carinho e a interação entre ele e os frequentadores é muito grande. “ Os clientes são ótimos! Um olhar meu e eles já sabem o que quero dizer. Já sofri muitos aborrecimentos aqui também. Mas os bons momentos, envoltos de alegria e muita amizade sobressaem”, afirma com uma expressão de satisfação.

A coxinha do Barroco já foi eleita pela revista Seleções como a melhor do Brasil. O salgado, que se tornou um dos ícones do estabelecimento, era produzido no bar antes mesmo de ele estar sob a direção atual. A receita original veio de Dona Geralda, que embora hoje esteja aposentada, foi uma das responsáveis pela fama e carinho atribuídos ao Bar das Coxinhas

. “ A minha maior sorte foi o salgado da Dona Geralda. Se estou tranquilo hoje, é pelas coxinhas! Já me pediram a receita, queriam até comprar. Mas eu não vendo!”, diz Antônio entusiasmado. Em tom de brincadeira, afirma que “o segredo é não colocar peito de frango, mas sim coxa e sobrecoxa. E tirar a pele.” Em dias de movimento normal, o bar chega a vender 300 unidades do petisco. Além dessa especialidade, a casa também é famosa pela pinga com mel que vende há cerca de 25 anos.

Antônio Marciel, proprietário do Bar Barroco Foto: Flávio Ribeiro

O encontro de diversos públicos nem sempre foi um cenário comum no lugar. Antigamente frequentado só por homens,  foi a amizade entre repúblicas masculinas e femininas que fez do Barroco um ambiente de união e descontração sem qualquer distinção.

Para o advogado Luís Fernando Silva Teixeira, 28, nascido em Ouro Preto, o bar já se tornou parte da tradição ouropretana. Cliente do local há mais de 10 anos, acredita que o que torna o Barroco único é o aspecto rústico e autêntico que possibilista um sentimento espontâneo de comunhão geral. Para ele, a mistura de classes que acontece no buteco é o que faz dele diferente.

Luís, que aos 12 anos conheceu a coxinha barroca e aos 16, com o irmão mais velho, a pinga com mel, não passa um final de semana sem visitar o bar. Entre cervejas e amigos, o advogado conta como sua história de juventude é atrelada ao estabelecimento. “O Barroco fez parte da minha adolescência. Minhas primeiras saídas com os amigos foram pra cá beber pinga com mel e escrever nas paredes. Toda vez que bebia um pouco a mais escrevia. Tem meu nome mais de 10 vezes aqui”, ri ao relembrar.

Embora a alegria e descontração sejam marcas do ambiente, os boatos recentes sobre uma possível mudança de endereço ou até mesmo o fim estabelecimento mudam o cenário. Teixeira lamenta a possibilidade do bar deixar a Rua Direita, e acredita que será uma nova fase de adaptação. Para o jovem, o Barroco já se tornou uma parada obrigatória de todos que passam pela cidade. “O boteco faz parte da tradição de Ouro Preto, acho que todo mundo, seja turista ou nativo, já parou aqui. Espero que mesmo em outro lugar o Barroco continue o mesmo. E as coxinhas também”, finalizou.

Não importa há quanto tempo frequente, o bar agrada tantos os moradores, como Luís, quanto os turistas. O peruano Javier Avris Chavez conheceu em um dos entardeceres da cidade o tão famoso boteco, e já esbanjava elogios, com destaque para o ambiente interativo e as coxinhas.

Mais adiante foi a vez do goiano Gil Santiago, estudante de Artes Visuais , conhecer o bar. A primeira impressão foi como esperado, positiva. O jovem, que recebeu indicação de um amigo para visitar o bar e comer a especialidade, disse que achou o lugar muito bonito com sua estética undergroud. “ Um amigo disse que eu comeria a melhor coxinha do Brasil. Ainda não comi todas do nosso país, mas ouso dizer que é a melhor que já experimentei”, diz em tom descontraído.

O elo entre o Barroco e a Rua Direita é muito forte, interdependente. Nessa influência mútua, um atribui parte da identidade ao outro. O estudante de Artes Cênicas na UFOP, Giovany De Oliveira, chegou a frequentar o bar diariamente no passado, e ainda hoje o tem como um dos principais pontos de referência para novas amizades e interações espontâneas. Para ele, a vida do bar e da rua estão interligadas, traçadas por laços muito sólidos.

 

“Fico pensando o que seria da Rua Direita sem o Barroco. A alma da Direita passa por aqui. Tudo o que eu admiro nesse lugar vai se perder. Isso aqui é o barroco.Somente tudo isso!”        Giovany de Oliveira

Moradores, visitantes e estudantes percebem os legados do bar. Aliás, é possível reconhecer lá uma família, onde a união e a alegria permanecem. Estar no Barroco, como o próprio dono diz, “é estar de férias o tempo todo”.

A provável mudança do estabelecimento remete a um clima confuso, uma fusão de nostalgia e ao mesmo tempo a expectativa de que o novo conserve toda a identidade e energia do velho. Antônio diz que “é a energia que sinto nesse lugar que me faz continuar, sem ela eu não estaria por aqui.  Vou tentar levar o máximo dela para o novo local”.

Espera-se que no “futuro Barroco” o espaço das sensações e sentimentos das pessoas, dos encontros e reencontros,  não se percam no tempo e continuem a ser produzidos.

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Foto: Flávio Ribeiro