Garoto de Programa: uma opção, não uma necessidade

A vida na prostituição sob uma perspectiva que você não imaginaria.

Por Francielle Ramos, Rodrigo Sena, Samara Araújo e William Vieira

Vemos por aí diversas pessoas que entraram para a vida da prostituição por necessidade, para que, de alguma forma, pudessem melhorar sua vida financeira. Atraídos pelo dinheiro fácil e pela oportunidade de sair das dívidas, homens, mulheres e até adolescentes oferecem sexo em troca de retorno financeiro. Ter um corpo bonito, bem cuidado e saudável é garantia de muitos olhares. O que fazer com toda essa beleza e juventude? Se a vida não dá boas oportunidades de melhorias e de trabalho, a pessoa poderá entrar para uma vida mais “fácil”. No entanto, a falta de oportunidades e o desespero para mudar de vida, não são os únicos motivos para se trilhar o caminho da prostituição. Você considera a prostituição como uma profissão? Há pessoas que dizem ser uma profissão como outra qualquer. E os “trabalhadores” têm, ainda, o prazer em fazer algo de que gostam e que rende dinheiro.

Caike Fayder / Foto: Arquivo pessoal

Entrevistamos três garotos de programa, com idades entre 20 e 30 anos, para poder entender essa visão diferente da prostituição. São eles: Caike Fayder, natural de Belo Horizonte (MG), Yuri, também da capital mineira, e Harry Lins, de São Paulo. Os entrevistados concordaram com o fato de a prostituição ser uma profissão. Para eles, é uma forma de ganhar a vida. Yuri (pseudônimo), 30, e garoto de programa há oito anos, diz que escolheu esse caminho porque era uma oportunidade de dinheiro fácil e uma forma de unir o útil ao agradável. “Lógico que a prostituição é uma profissão. Normal como qualquer outra. Não estou roubando ninguém, são trocas, dou prazer e recebo dinheiro, porém, a sociedade brasileira é falsa e moralista. Falam [as pessoas] mal dos garotos de programa e, na calada da noite, estão lá, à procura de uma boa sacanagem, principalmente os homens casados”, diz.

Yuri / Foto: Arquivo pessoal

Para os rapazes, a prostituição possui suas vantagens e desvantagens. A preocupação em manter um bom físico e ainda pensar no futuro, afinal, a juventude estética não é para sempre, é algo que os três levam em consideração. Eles possuem em comum em sua rotina a ida à academia. Harry, garoto de programa há oito anos, também é modelo fotográfico e bailarino. A rotina do rapaz é bastante intensa. “Acordo às 7 horas da manhã todo dia, vou à faculdade, depois academia, almoço e nesses intervalos eu faço trabalhos de modelo para algumas lojas masculinas de São Paulo e atendo clientes, claro, dentre outras coisas. Moro sozinho e morar sozinho em São Paulo, com a vida muito corrida que tenho, me cansa de qualquer forma. Não é fácil porque procuro ter tudo sob controle, na palma das minhas mãos”, diz. Para ele, as vantagens são exatamente a vida fácil, poder construir e ter tudo que sempre quis, além de ser conceituado no ramo. Ainda segundo Harry, a principal desvantagem é ficar muito visível e haver aproximação das pessoas apenas pelo interesse do sexo. “As vantagens são grandes porque sei muito bem separar minha vida social da profissional. As grandes vantagens que tenho são de conhecer o mundo, pessoas, de me sentir homem de cada homem, em cada situação”, afirma.

Harry Lins / Foto: Arquivo pessoal

Caike Fayder, 20, garoto de programa há quatro anos, conta que tudo começou quando se assumiu, aos 16 anos, e teve interesse em fazer sexo com homem e gostou. Atualmente, ele está de férias, fazendo novos clientes na Europa. Em breve, ele lançará um ensaio sensual feito em Milão. O rapaz pretende voltar ao Brasil e fazer uma curta temporada em cidades que ainda não teve oportunidade de conhecer. “Estou apenas começando, em breve gravarei filmes pornôs também”, diz.

Dois dos três entrevistados dizem atender a todo o tipo de público, seja homem, mulher ou casal. E quanto ao valor, depende do tempo e distância. Caike cobra 150 euros por 30 minutos e 200 euros por uma hora. Já Harry cobra, em média, dois mil reais o pernoite, 250 reais a hora em seu apartamento, 300 reais a hora fora de seu apartamento, mais os gastos de deslocamento. Harry diz, ainda, que o valor pode variar se for fora da cidade ou estado. Yuri cobra de acordo com o perfil do cliente. Conforme o bairro em que a pessoa mora, dá para saber se ela possui condições ou não, mas, geralmente, o valor varia entre 180 a 300 reais uma hora e meia.

Para Yuri, Caike e Harry, não há o incômodo em serem chamados de “prostitutos” ou “garotos de programa”. Eles não se ofendem e estão cientes de que é isso que escolheram para suas vidas. “Levo em consideração que existem muitas pessoas preconceituosas, mas isso não me ofende, bato no peito e assumo o que faço, sem vergonha. Tenho a discrição, que me ajuda, e respeito para ter esse status”, diz Harry. Yuri e Harry confirmaram o fato de já terem sofrido algum tipo de preconceito, no entanto, Caike afirma que não sofreu. Yuri diz já ter sido alvo de preconceito até dos próprios clientes, que dizem que estão pagando e por ele ser garoto de programa, deve fazer tudo, até o que não quer. Harry afirma que os preconceitos são diversos. “Muitos homens acham que, só por terem o corpo definido, e por se acharem bonitos de alguma forma, podem se aproximar de mim. Esses são os piores. Pensam que, por ser o que eles acham que são, podem ter o homem que quiserem na cama. E quando ajo com naturalidade e respondo que não curto sair dessa forma, começam a baixar o nível”, relata.

Parece fácil enxergar o prazer e o que desperta o interesse do garoto de programa em sua profissão. Para muitos, esses profissionais não têm nada além do sexo para oferecer, mas, para Harry, isso tudo fica para trás, pois ele tem tudo que quer e quando quer, sem ter de passar por cima de ninguém. Segundo Yuri, ganhar dinheiro fazendo o que gosta é o que lhe desperta prazer na profissão. Caíke também ressalta essa questão. “Ver o dinheiro entrar rápido, sem ter que fazer muito esforço, só com sexo [risos]”, pondera. E onde fica a família nessa história? Ficar longe dos parentes dá muitas saudades, é o que diz Caike. A família de Yuri sabe de sua profissão e faz “vista grossa”, mas não toca no assunto, apenas pergunta sobre a faculdade. Já a família de Harry parece mais tranquila. “Minha mãe tem revistas onde saíram as entrevistas que fiz no passado. Agiram com naturalidade, fui homem em assumir para o mundo. E com meus pais me apoiando, a opinião de todos em volta não me importa”, conta o rapaz.

Como manda o figurino

Para que a prostituição seja reconhecida pela Constituição Brasileira como profissão, é necessário que um Projeto de Lei seja aprovado. No entanto, já foi dada a largada e o autor do Projeto, deputado Jean Wyllys (PSOL – RJ), já está na corrida para a discussão e votação do texto, que regulamenta as atividades dos profissionais do sexo. A Lei Gabriela Leite (homenagem à líder histórica das prostitutas) propõe, também, proibição à exploração sexual, sobretudo em menores de idade.

De acordo com nota publicada no site da Câmara dos Deputados, os principais objetivos da proposta são garantir os direitos humanos, trabalhistas e previdenciários dos profissionais do sexo, que poderão se aposentar após 25 anos de trabalho. Wyllys garantiu que a intenção não é incentivar a prostituição, mas reduzir os riscos danosos da atividade, como tirar a profissão da marginalidade. O deputado vê muitas vantagens no Projeto apresentado para tramitação em julho em 2012. Ainda segundo o parlamentar, se for aprovada, a proposição possibilitará a fiscalização em casas de prostituição e facilitará o controle do Estado sobre o serviço.

Na trilha da Copa

No pré, durante e pós-Copa do Mundo, a discussão sobre a imagem do Brasil de paraíso para turismo sexual ou local de sexo fácil não morreu. E o debate foi desde a preocupação com camisetas recheadas de conotações machistas e sexuais à preocupação com tráfico de pessoas e exploração sexual no país, sobretudo a infantil. Nada que cause espanto, entretanto. O jornal inglês The Guardian já publicava, em dezembro de 2013, uma matéria que apontava Fortaleza (CE) como capital da prostituição infantil e “ímã” para o turismo sexual.

A prostituição, como todos esperavam, aumentou durante a Copa. Uma pesquisa realizada no início do evento esportivo, pelo Observatório da Prostituição, órgão que reúne pesquisadores do Brasil, Canadá, EUA e da Itália, mostrou que muitas profissionais do Rio de Janeiro deixaram os locais onde trabalhavam nos subúrbios, deslocando-se para 20 pontos, a maioria deles em Copacabana e Ipanema, onde houve maior presença de estrangeiros durante o Mundial. O jornal Folha de S. Paulo revelou em uma reportagem que o mercado da prostituição deveria crescer cerca de 60% durante os jogos.

Edição: Francielle Ramos

Reportagem: Rodrigo Sena, Samara Araújo e William Vieira.

Fotos: Arquivo pessoal.

Imagem: Rodrigo Sena.