Os gritos ganharam os muros

Desenho, pintura e expressão: conheça Thiago Alvim e Dinho Bento, construtores da arte urbana

Por Agliene Melquíades, Caroline Hardt, Débora Mendes, Flávio Ribeiro e Priscila Ferreira

 

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O caminho para a casa da avó, na cidade de Belo Horizonte, era repleto de grafites e muros pichados. As cores vivas e as formas lúdicas encantavam o pequeno Thiago Alvim Ferreira. Apaixonado por desenhos desde então, o ouropretano cresceu cultivando o sonho de reproduzir sua própria arte em meio urbano. Com a publicação da primeira edição da revista Graffiti o meninNo pode “levar os muros para dentro de casa e colocá-los no papel”. A prática em muros reais veio em sequência, diz o jovem, que conta ter ralado muito com o pai para poder comprar tintas, e sofrido mais ainda para aprender a prática de grafitar. Hoje, aos 25 anos, se tornou um artista plástico que deixa suas marcas pelas ruas e encanta aos que passam.

“Na época que comecei não tinham essas tintas que tem hoje, especializadas em grafite, eram as nacionais de pintar carros, automotivas, tinha bastante pressão e  a tinta era muito rala, demandava prática.”

O gosto por desenhos veio, realmente, desde pequeno. Thiago conta que adorava copiar imagens e gravuras de livros. “Eu era alucinado por animações, e ainda curto muito”. A cultura urbana, ou “de rua”, veio junto com a prática do skate, então, a ligação com a cidade aumentou e as pinturas também. Entre um pedido e outro que recebia, o jovem foi praticando e adquirindo a técnica que antes não tinha. Com isso, “não precisava mais ficar mostrando o caderno de desenhos. A arte estava ali na rua, para quem quisesse ver e como quisesse ver”, afirma.

Após esse início de aprendizagem, o talento de Thiago só aflorou. Hoje é responsável por dezenas de pinturas, como prefere chamar, espalhadas por cidades como Ouro Preto, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.O menino que sonhava em grafitar, atualmente reside em Belo Horizonte e possui reconhecimento internacional pelas suas obras.

A revista ROOMS Art Uncovered, de Londres, e o livro Nuevo Mundo, do autor latino Maximiliano Ruiz, foram algumas das mídias que já estamparam pinturas feitas por Thiago. E o reconhecimento não para por aí, o desenhista também apresenta seus trabalhos em exposições, como a última feita em parceria com o colega Binho Barreto, intitulada “Desenhos”, realizada na Aliança Francesa da capital mineira, entre os dias 12 de maio a 11 de junho. A próxima exposição de Thiago será individual e acontecerá em setembro, no Grêmio Literário Tristão de Ataíde (GLTA) de Ouro Preto.

O reconhecimento chegou mais rápido que a aprovação. A família do artista achava péssima a ideia de grafitar. “Coisa de marginal, moleque de rua”. Entretanto, a arte fazia Thiago vibrar e isso o motivou a continuar. Com as exposições e o aparecimento de algumas publicações do jovem em livros e revistas,  o pai começou a acreditar mais no filho, embora peça até hoje para que ele tome “outro rumo”.

Constantemente, o grafite é confundido com a pichação, considerada crime no Brasil. Segundo o Art. 65 da Lei Crimes Ambientais, as penas para a prática são constituídas de detenção, de um a três anos, além de multa. Já o grafite é classificado, no segundo parágrafo do artigo, como forma de expressão. Por isso torna-se legal, desde que o proprietário ou orgãos responsáveis pelo local tenham permitido a arte. Entretanto, para Thiago, as duas formas de expressão são válidas e devem ser respeitadas.

“Acho que pichação é a manifestação artÍstica mais contemporânea de todas, e a mais autentica. O artista real, no meu olhar, é aquele que tem atitude. Os pichadores não querem algo bonitinho, querem agredir mesmo, mas é uma agressão tipográfica, uma guerra de tintas, marcar lugares e mostrar que existem, na linguagem deles. Acho foda! Eu já pichei também, mas não mais.”

Thiago nega ter predileção por alguma obra. “Cada trabalho carrega uma história diferente, umas muito marcantes, outras nem tanto. Mas cada uma é ela, com o diria Fernando Pessoa.”. Marcantes ou não, toda pintura expressa alguma coisa. Os assuntos, para o autor, dependem do lugar onde serão expostos, mas o gosto pela fantasia e por desenhos mais lúdicos, que instigam a imaginação das pessoas, são assumidos.

De maneira descontraída e disposto a novas questões, Thiago afirma.“Geralmente eu pinto para me sentir bem, funciona como uma meditação. Eu me desligo e me ligo em outro fluxo, de ideias para pintar.”

 

Grafite feito pelos artistas Thiago Alvim, Dinho Bento e Binho Barreto. Créditos: Thiago Alvim / Arquivo pessoal

 

O papel social do grafite

Passagem é um dos distritos pertencentes à cidade mineira Mariana. Considerada por muitos como pólo artístico, ela possui projetos de incentivo à cultura, como o CircoVolante e a Associação Clube Osquindô. Essa possui a Osquindoteca, uma biblioteca comunitária que funciona na casa do Goldofredo,  espaço destinado a promover cultura e arte para os jovens e crianças. Com o objetivo de atingir o público alvo, o projeto convidou o artista urbano Thiago Alvim, para através do grafite transformar a casa em uma obra de arte.

O resultado não podia ser melhor. A casa do Goldofredo localiza-se entre duas escolas, uma municipal e outra estadual. O alunos de ambas paravam para observar o trabalho do grafiteiro. Depois de terminada, o interesse pelo grafite surgiu entre os que acompanharam a transformação e então duas oficinas foram realizadas para o público infanto-juvenil, por Thiago e Dinho Bento, também artista plástico de Mariana.

Dinho acredita que o grafite, por ser uma arte contemporânea popular, é acessível a todos, participa do cotidiano dos cidadãos. ” Para quem faz grafite é uma responsabilidade grande, já que a partir dele é transmitido uma idéia, uma forma de ver o mundo. ”

 

Grafite feita na Casa Goldofredo pelo aritsta Thiago Alvim. Créditos: Débora Mendes

 

Curiosidades

    Em muitas cidades o grafite não só é considerado arte, como também patrimônio cultural.Na Inglaterra, o grafite possui um festival anual no município de Bristol. O grafiteiro Banksy, conhecido mundialmente pelos seus trabalhos é natural do país.

A África do Sul, desde 1980 com a explosão do Hip Hop, e o Chile incentivam seus jovens a deixarem sua marca através do grafite em um muro, construído na cidade de Valparaíso.

O grafite é a manifestação da liberdade, de pensamentos e opiniões. Isso é o que se vê em Varsóvia na Polônia, onde os problemas sociais são expostos nas paredes. Já nos Estados Unidos, em Nova York ainda é proibida a prática, mesmo o país possuindo artistas que contribuíram muito com a percussão do grafite.

A legalização da artei em Taipei – Taiwam e Melbourne na Austrália levaram não só a repercussão imediata dos desenhos, como criação de pontos turísticos reconhecidos como patrimônios da cidade.

No Brasil, São Paulo é a cidade que mais se destaca. Ir à metrópole, na Avenida Paulista ou nos lugares mais desconhecidos, é a certeza de encontrar esse cenário colorido como um dos encantos da cidade. Os irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo, conhecidos como Os Gêmeos, são grafiteiros brasileiros considerados os melhores do mundo, por sites como o Cultura Mix e o El Hombre.

O site Color+City é um espaço onde pessoas interessadas em ter seu muro ou fachada grafitado anunciam seu espaço livre para artistas grafitarem. Dessa maneira, o site propõe uma cidade mais viva e colorida.

Edição Geral: Caroline Hardt e Débora Mendes

Reportagem:  Agliene Melquiades, Caroline Hardt, Flávio Ribeiro e Priscila Ferreira

Imagens: Débora Mendes, Flávio Ribeiro e arquivos pessoais