Futebol: esporte ou filosofia de vida?

A influência de uma ideologia no comportamento dos indivíduos

Por Francielle Ramos, Laurence Henrique, Rodrigo Sena, Samara Araújo e William Vieira

Se você ouvisse a palavra “Tospericagerja”, certamente ela não lhe remeteria a nada. Além disso, você deve estranhar ao ver uma reportagem começar desse modo. Tospericagerja foi o nome dado a uma criança nascida em 29 de julho 1971, data em que o Brasil celebrava o primeiro aniversário da conquista da Copa do Mundo de 1970. O nome era uma junção das sílabas iniciais dos nomes dos jogadores Tostão, Pelé, Rivelino, Carlos Alberto, Gerson e Jairzinho, e foi dado a uma criança no estado do Pará, cujo órgão responsável pela certidão não impugnou o registro. O caso já virou matéria de telejornal e livro.

Sueli Paiva, professora aposentada de Língua Portuguesa, não precisou de tantos jogadores para fazer sua homenagem. A torcedora do Corinthians conta que ouvia um jogo do time no rádio e o locutor pronunciava inúmeras vezes o nome do goleiro, Wendell, porém, Sueli ouvia “Uendi”. “Quando eu tiver um filho, vou dar a ele esse nome, Uendi. Pareceu-me meio indígena, meio abrasileirado. Achei sonoro e original”, diz. O gosto pelo futebol veio por influência de uma amiga daquele tempo. “Na época, anos 1970, eu tinha uma amiga que adorava futebol e, juntas, discutíamos, íamos a estádios (no caso, o Morumbi) e eu ouvia jogo no rádio. Hoje, meu filho tem 36 anos e, em princípio, não gostava muito do nome, mas agora ele curte e acha original”, afirma a professora. Sueli não se considera uma torcedora fervorosa, mas diz que faria uma loucura qualquer para assistir a um jogo da Copa do Mundo nos estádios, porque, segundo ela, “a energia é muito boa”, apesar de acreditar que existem diferenças entre o futebol atual e o de anos atrás. “O futebol está muito comercial. Havia, em outros tempos, mais garra, menos técnica e mais coração. Nos dias de hoje, tudo é dinheiro, mas, mesmo assim, ainda gosto de ver grandes decisões, como Copa da Mundo e Libertadores”, completa.

Iara Neme, 19, aproveita a Copa do Mundo para trabalhar em uma ação publicitária para uma cervejaria. Segundo ela, a influência do futebol no comportamento das pessoas ficou bastante visível durante os dias em que trabalhou. Além disso, para ela, os jogos da seleção são diferentes de jogos menores, como campeonatos estaduais. “A seleção é sempre especial por ser a representação do nosso país em escala mundial. É evidente a força que essa paixão nacional (o futebol) tem de deixar todos unidos, pois em um jogo de clássico estadual, por exemplo, há muita rivalidade, isso acaba gerando brigas para defender o time, provocações, mas quando a torcida é única, a vibração é bem diferente. Essa paixão pela seleção cria um vínculo maior entre as pessoas, mesmo quem não tem interesse por futebol acaba se deixando levar pelo entusiasmo, assistindo aos jogos apenas pela companhia”, diz. A estudante acredita, ainda, que torcer pela seleção brasileira durante a Copa é diferente de torcer pela seleção em um campeonato de qualquer outro esporte. “Por ser o futebol o esporte mais famoso e mais praticado no Brasil, há uma grande diferença, tanto que não vemos muita ênfase da mídia nos outros esportes. A preferência nacional é o futebol mesmo”, afirma.

Já a aluna do curso de Engenharia de Controle e Automação, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Carina Carla, 19, também considera o fato de o futebol exercer influência nos indivíduos, mas, segundo ela, no caso do Mundial, a relação entre os países é muito importante e também cumpre o papel de unir as pessoas. “No Brasil, o futebol faz parte da cultura e influencia a vida das pessoas. É muito comum ver um garotinho dizendo: ‘meu sonho é ser um grande jogador de futebol’. Em um evento como a Copa do Mundo, o destaque é a mistura entre as nações: aquelas torcidas bem agitadas e coloridas, todo mundo diferente que se junta para compartilhar o mesmo grito”, diz. Carina valoriza o sentimento de partilha das emoções entre as diferentes nacionalidades e ressalta essa qualidade. “É bonito ver pessoas de outros países juntas conosco e usarmos a Copa como ‘desculpa’ para unir todo mundo e torcer, comemorar e dar boas risadas. Uma disputa sadia entre países pode influenciar aquele garotinho que sonha em ser jogador quando crescer e que tanto se espelha nos atuais profissionais. O importante é que aconteçam disputas sadias entre os países”, pondera.

Sem abandonar o trabalho, esses amigos ficam no posto de combustíveis assistindo aos jogos da Copa. / Imagem: Laurence Henrique.

Muitas pessoas assistem aos jogos da Copa do Mundo, por exemplo, não por gostarem de futebol, mas por verem uma oportunidade de reunir a família, os amigos, festejar, ou por gostarem de ver competição entre países, como é o caso de Carina. A socióloga Alessandra Tostes, professora do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (UFV), avalia o futebol como mecanismo de promoção da interação social. “As situações são únicas e somente possíveis a partir da participação de indivíduos, sob motivos comuns, em lugares e circunstâncias específicas. Dessa maneira, as relações sociais são a concretude das subjetividades e objetividades nesta unidade entre os indivíduos e a sociedade”, esclarece. Para ela, os meios de comunicação de massa têm um papel fundamental no estímulo e imposição de sentimentos como alegria, competição, nacionalismo, esperança, decepção e expectativa, em alguns casos incorporados por grupos guiados por estes meios de comunicação e suas redes sociais virtuais. “A importância do evento é relativa à participação, proximidade e envolvimento das pessoas com o futebol”, ressalta a socióloga.

Sobre o caso “Uendi”, “Tospericagerja” e tantos outros parecidos, Alessandra afirma que os esportes podem interferir no comportamento dos indivíduos e, até mesmo, na construção da identidade dos sujeitos, em diferentes locais, seja conforme a força que a prática esportiva tenha nos grupos sociais e/ou conforme o poder das mídias locais na construção de ídolos. “No caso do Brasil, temos a especificidade frente a outros países de termos o futebol compondo nossa identidade nacional, do ponto de vista hegemônico, de maneira significativamente forte. Este fenômeno – influência do esporte, seja do futebol, seja do basquete, do hóquei, do tênis, do automobilismo, do beisebol –, ocorre em outros países também e influencia gerações inteiras, inclusive em seus comportamentos e práticas sociais”, diz. Além disso, a socióloga aponta exemplos de influências das práticas esportivas. “Vá ao Paraguai e verá inúmeros meninos com o mesmo corte de cabelo do ídolo do futebol local. Vá aos Estados Unidos e conhecerá alguns Michael Jordan’s, ou vá a Tóquio ou a Havana e teremos alguns colecionadores de cromos de beisebol”, completa. A professora alerta, no entanto, para mudanças na relação entre o futebol e os indivíduos da sociedade brasileira. Segundo a socióloga, esta relação já foi mais estreita, menos mediada pelos meios de comunicação, principalmente a televisão. “Tínhamos mais campos de futebol nos bairros, ir aos estádios compunha um programa de domingo, ou seja, a relação mudou com os tempos. O que não mudou muito foi a utilização da visibilidade dada pelo futebol para instrumentalizar candidaturas a cargos eletivos, a programas de governos e estímulo ao eufemismo em tempos de globalização. Outro ponto importante é o grau de comercialização alcançado pelo ‘negócio futebol’, internacionalizado ao mesmo tempo que concentrado em alguns grupos econômicos, aumentando as discrepâncias entre os profissionais do futebol (desde jogadores aos técnicos)”, encerra.

Edição: William Vieira

Reportagem: Francielle Ramos, Rodrigo Sena e Samara Araújo

Imagem: Laurence Henrique