Devaneios de um coveiro

Por Andressa Goulart, Anna Gonçalves, Agliene Martins, Felipe Nogueria, Jéssica Corona

Cemitério Santana, Mariana – MG. / Imagem: Agliene Melquiades.

“O que você quer ser quando crescer?”. Esta é uma das perguntas mais frequentes que os pais e professores despejam sobre as crianças. Na maioria das vezes, as respostas giram em torno das “super profissões”, como médico, bombeiro, engenheiro, dentista, astronauta. Alguns até ousam dizer jornalista e tudo aquilo que engrandece e auxilia para a melhor qualidade de vida da população. Mas diversos serviços, também essenciais, ficam completamente esquecidos devido a pouca valorização, como é o caso de uma das mais antigas profissões da história: o coveiro.

Ganhar o sustento à custa do último adeus parece mórbido, mas a sociedade precisa de alguém que realize o trabalho de sepultador. Além de realizar enterros e exumações, o coveiro mantém jazigos e covas limpas e organizadas, também zela pela segurança do cemitério.

Elisson do Carmo Costa Fonseca, 23, carrega a grande responsabilidade de um trabalho que muitos “marmanjos” não teriam coragem de enfrentar. Ele é coveiro. Há menos de um ano passou no concurso público da cidade de Mariana. O jovem recebe melhor que a família inteira e consegue pagar a prestação de seu carro e mais duas faculdades.

Para ele não é nada agradável a fama que os mais antigos ditam sobre os sepultureiros da cidade. Muitos dizem que eles morrem antes do defunto. Por isso são sempre substituídos, o que causa certo receio. Elisson deseja abandonar o ofício de gaveteiro antes que a morte bata à sua porta. É por essa razão que está cursando o primeiro ano de Direito na Universidade Presidente Antonio Carlos (UNIPAC) e também cursa o quarto período na Faculdade de Administracao de Mariana – FAMA.

Elisson em seu ofício./ Imagem: Felipe Nogueira.

Ao acompanhar o trabalho do jovem coveiro, presenciamos o sepultamento de um senhor. Elisson mostra o sangue frio que o trabalho lhe trouxe, afirmando que isso é somente uma obrigação: “É só mais um corpo, daqui uns anos tenho que abrir a gaveta novamente para retirar os ossos”. Apesar de estar acostumado e parecer demonstrar frieza quanto a prática de seu trabalho, sua religião evangélica o faz respeitar cada sepultamento que realiza.

Durante o enterro, Elisson se mostrou uma pessoa mais descontraída, pedindo para a família do morto se afastar para que pudéssemos fotografar o seu trabalho, nos deixando constrangidos com o fato de atrapalhar a cerimônia para simplesmente tirar fotos. O coveiro conta com a ajuda de duas pessoas. Um dorme no cemitério, em um colchão atrás de uma pequena cozinha; o outro é aposentado e mora próximo ao local. Ambos o auxiliam no ofício por hobby.

O “caseiro do cemitério” afirma que em um dia de inverno, uma loira de olhos verdes com um vestido vermelho dormiu com ele. Ao acordar, se deparou com uma marca de batom no pescoço. Ele fala que nunca mais a viu. A nota tira gargalhadas de seus amigos e Elisson diz para não darmos bola para o que ele fala.

Elisson já sem nenhuma trava com o gravador e se sentindo muito à vontade, diz que seu emprego é motivo de chacota para a família, mas não liga para isso. Ele é um personagem muito carismático e por ser novo no emprego, relata que nunca viu nem ouviu nada de estranho nos cemitérios marianenses: “Somente o que o povo fala”, afirma, “e isso tudo não passa de balela”. Acha a criatividade da população incrível, por conseguir inventar tanta coisa.

Imagem: Agliene Melquiades.

Vicente dos Santos, 70 anos, além de ser mestre de obras, leva em seu currículo o serviço de coveiro. Ele diz que o trabalho compensa, uma vez que a cada sepultura construída recebe, em média, R$ 500,00. Vale tanto que seu filho já aprendeu o ofício e segue seus passos.

Seu Vicente, pelo tempo de trabalho, conhece alguns casos misteriosos que ocorreram dentro e fora do cemitério. Ele relembra que há 30 anos vivenciou sua primeira experiência inusitada na cidade de Mariana. Juntamente com seu irmão foi capinar um lote para o plantio, ao chegar em casa, os dois se depararam com um bicho enorme e estranho. Ambos tentaram expulsar a criatura com gritos, mas não obtiveram sucesso. Os irmãos relataram o acontecido para a mãe, Dona Maria que, acompanhada de dois cachorros, tentou espantar a fera. Os cães, no entanto, voltaram para casa chorando. Maria viu o bicho, que na verdade era um senhor de joelhos com um grande chapéu de palha. A família, com medo, se trancou em casa por alguns dias após esse episódio bizarro.

Outra história famosa na cidade, contada por Vicente, é a do “Casamento Fúnebre”. De acordo com ele, o noivo estava entrando na igreja, acompanhado de seus pais, mas os mesmos já haviam falecido há alguns anos. O noivo, achando que era sua imaginação, continuou a caminhar, mas logo sua tia que estava no altar desmaiou. Todos pensaram que ela tinha desmaiado pela emoção de ver seu sobrinho se casar, e prosseguiram com a cerimônia. Logo depois que o casamento foi consumado com o beijo, os pais dos noivos desapareceram subitamente. O noivo, sem saber se tudo aquilo era imaginação ou realidade, resolveu perguntar a sua tia o porquê do desmaio. A resposta veio conforme o esperado: ela desmaiou por ter visto a irmã e cunhado já falecidos na igreja.

Esse mesmo noivo era todas as noites assombrado por uma alma, enquanto tentava dormir. O espírito gritava desesperadamente e repetidas vezes: “Foi meu sobrinho quem me matou!!!”. O rapaz, incomodado com a situação, resolveu conversar com o delegado, que não desacreditou de sua história, mas alegou que não seriam consideradas provas de um crime. Mesmo assim, o delegado colocou um detetive para investigar o sobrinho da vítima. Os gritos estridentes continuaram a perturbar o homem, mas logo a investigação obteve resultados. Descobriu-se que o criminoso era realmente o sobrinho da vítima. Com a resolucao do caso, o recém-casado recuperou suas noites calmas de sono.

Essas são somente algumas das histórias que Seu Vicente conhece. Devido a seu trabalho, já ouviu falar de muita coisa. Todos que quiserem bater um papo muito descontraído e cheio de mistérios, podem procurar Seu Vicente no Cemitério do Santana. Ele sempre está por ali fazendo novas sepulturas.

Cemitério Santana, Mariana – MG. / Imagem: Agliene Melquiades.

Edição geral: Andressa Goulart

Reportagem: Agliene Melquiades, Anna Gves, Andressa Goulart, Felipe Nogueira, Jéssica Corona

Imagens: Anna Gves