Passado, presente e futuro de uma escolha

Em tempos em que o mercado de trabalho sofre contantes mudanças, descobrir sua vocação torna-se cada vez mais difícil

Por Alexandro Galeno, Alicia Milhorance, Flávio Ribeiro, Pedro Guimarães e Priscila Ferreira

Vocação é um caminho com inúmeras possibilidades, vistas pela maioria como algo natural. As escolhas que norteiam este caminho nem sempre são fáceis, podem gerar conflitos, indecisões, angústia e ansiedade. Entretanto, a simplicidade, a alegria e a expectativa presentes na infância são características relembradas tanto por aqueles realizados em suas profissões, como por aqueles confusos sobre suas escolhas.

E.H, 7 anos, estudante do Colégio Providência, fala de seu sonho em ser estilista, com um olhar que transmite entusiasmo. “É  legal fazer roupa e vou para Paris”. Já D.S, 6 anos, pretende ser médico e sonha em cuidar das pessoas.

A vontade das crianças de exercerem as mais diversas profissões advém de fatores sociais e familiares nos quais estão inseridas, como P.H, 9 anos, que deseja ser motoqueiro assim como seu pai. O provérbio “filho de peixe, peixinho é” tem grande significado nesse período, além do imaginário alimentado pelas diversas historias e filmes infantis.

Talvez o adulto ao ouvir as pequenas mentes falarem sobre o futuro sinta nostalgia de quando tudo parecia mais fácil. As crianças, ainda alimentadas por um desejo beirando à inocência, onde apenas observam os trabalhos que desejam exercer, as crianças, felizmente, possuem tempo para decidir com mais convicção qual profissão pretendem exercer.

Decisões que transformam vidas

O mesmo não pode ser dito dos estudantes do ensino médio, pois a cada ano ficam mais ansiosos em relação ao futuro profissional. Perto do vestibular são impulsionados a decidir rapidamente para se inserirem no mercado de trabalho. Assim, dúvidas relacionadas a fatores financeiros, vocacionais e ao mercado de trabalho se tornam constantes em suas vidas.

Quanto maior a convicção e conhecimento sobre o curso, mais chance possuem de acertar em sua escolha. É o caso de Júlia Castro, 17, estudante do ensino médio que desde criança aspirava em realizar a faculdade de jornalismo.

Luísa Campos, 18, estudante de jornalismo na UFOP, possui certeza da sua escolha, mesmo estando no primeiro período está satisfeita com o curso, e não se vê fazendo outra coisa que não a profissão dos seus sonhos.

Ainda que muitos acreditem que a busca pela vocação acabe ao ingressar numa faculdade, ou ao encontrar uma boa profissão, isso não é uma regra geral. Muitas pessoas ainda ficam em dúvida se estão mesmo no caminho certo logo no começo da graduação, como é o caso da estudante de Farmácia, Paula Perdigão, 24, que no inicio do curso não teve certeza sobre a sua escolha: “nos primeiros períodos eu fiquei muito em dúvida. Porque o ciclo básico é bem superficial, não aprofunda os conhecimentos farmacêuticos. Só depois de um tempo que eu fui ter noção do uso dos medicamentos para a cura de doenças para o bem das pessoas, o que fez eu me apaixonar pelo curso”. Estudantes que procuram um estágio nos períodos iniciais da graduação, ou trazem alguma bagagem do ensino técnico, conseguem enxergar rapidamente a parte prática das profissões e ter uma sensação de segurança em relação a sua satisfação com a profissão.

Descoberta permanente

Muitas vezes também as expectativas do início do curso podem não corresponder a realidade do mercado de trabalho, como é o exemplo da engenheira recém-formada Paula de Souza, 29. Segundo ela, a dificuldade surgiu pelo fato das empresas hoje não estarem abertas a capacitar profissionais recém-graduados. Quando aceitam, procuram técnicos em áreas muito específicas. Com isso os recém-formados procuram caminhos alternativos para exercer a profissão, seguindo carreira acadêmica ou se tornando “concurseiros”.

Há aqueles que aprenderam a gostar da profissão através da prática. Nem sempre sonharam com a carreira, mas, olhando com mais profundidade, acabaram se apaixonando pela área. Geralmente, essa mudança de trajeto acontece na universidade, onde o aluno possui a oportunidade de conhecer e se identificar com a futura profissão. Um exemplo é Gilson Costa, graduando de Engenharia de Minas, que escolheu o curso pelo vasto número de vagas no mercado de trabalho, mas ao longo do tempo foi se identificando com a área.

Quando a decisão da profissão torna-se mais difícil, os jovens recorrem a vários recursos que podem ajudar a escolher. A psicóloga e professora do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Margareth Diniz, 48, conta que os adolescentes procuram os testes vocacionais, principalmente, pela dúvida na escolha da profissão certa e pela pressão causada pelos pais e mercado de trabalho. Ela vê o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como um novo complicador: “Porque com a possibilidade de optar por dois cursos e pela responsabilidade de você talvez ter que tomar aquela vaga, é como se você estivesse deixando aquilo que gostaria de fazer para cursar algo que está disponível”.

O teste vocacional foca nas aptidões e personalidade da pessoa, analisando também o mercado de trabalho e o contexto sociocultural em que ela vive. Para Margareth, quando o jovem está muito perdido, o teste por si só não ajuda, apenas organiza suas áreas de conhecimento e, desse modo, o adolescente começa a pensar nas suas opções, possuindo um direcionamento melhor.

Passado o momento da escolha profissional e a época da faculdade, surge a chance de exercer a profissão almejada, como no caso do fisioterapeuta Francisco Telles, 33. O desejo de ajudar o próximo foi decisivo para a escolha de um curso na área da saúde. Mas Francisco se deparou com um dos primeiros percalços no ambiente de trabalho em sua área, a precariedade do sistema de saúde no Brasil. Mesmo com os obstáculos, no entanto, ele se diz disposto a continuar na carreira. Sobre o crescimento profissional, para ele, “quando se trata de reabilitação, não existe auge, porque não se trata só de status financeiro, mas de uma busca pelo conhecimento e aprimoramento que nunca tem fim”.

O sucesso muitas vezes depende não só da aptidão para cumprir as demandas do mercado, mas, também da forma como será percorrido o caminho para a realização dentro da profissão. Ao dar dicas para os futuros profissionais, Telles ressalta que não se deve ser apenas um “reprodutor de técnicas, mas alguém que procure por embasamento científico; o importante é que tudo seja realizado com dedicação”.

No caminho da vocação, desafios e dificuldades surgem, mas para quem como Francisco escolheu se doar, buscar o aprimoramento contínuo e nunca desistir levará a concretizar um sonho no qual os problemas só impulsam a continuar nesse trajeto.

Edição final: Alexandro Galeno

Reportagem: Alicia Milhorance, Flávio Ribeiro, Pedro Guimarães e Priscila Ferreira

Imagens: Flávio Ribeiro