Olhar ampliado sobre a Ditadura Brasileira

Por Alexandro Galeno, Andressa Goulart, Caroline Hardt, Fernando Cássio, Tainara Ferreira

Recém completados os 50 anos do Golpe Militar brasileiro, buscamos relatos de algumas pessoas sobre as suas vivências durante o período. Com opiniões bem diversas, percebemos como o fato marcou de maneira peculiar a vida de cada um delas. O Golpe Militar brasileiro marca uma fase na qual a liberdade de expressão era completamente reprimida.

Durante o período ditatorial, a professora aposentada Tânia Maria Ferreira Soares, 58, conta que aos 17 anos foi taxada como comunista. Ao tentar dar aulas na escola em que já tinha estudado, bateu de frente com a diretora por não concordar com algumas regras, levando a mesma a se sentir no direito de julgá-la como uma brasileira que seria a favor do socialismo, mesmo sem saber da sua opinião politica. Naquela época, qualquer um que ousasse não concordar com as leis ditadas, era visto como mau elemento pelo governo.

 #tecer – Como era a ditadura no Brasil e por que você acha importante o debate sobre os 50 anos do Golpe?

Tânia Maria Ferreira Soares – Principalmente pela geração de hoje, para que saiba a importância da liberdade conquistada. Os militares se sentiam deuses, mandavam e desmandavam. O brasileiro não tinha como expressar-se, não tinha como opinar no rumo que o país estava tomando.

 #tecer – Quais as principais consequências deixadas pela ditadura? Elas perduram até hoje?

 TS – A impunidade, que já não é só filhote da ditadura, mas cresceu com ela. E bastava não gostar da cara de uma pessoa que ela podia ser condenada e chamada de comunista, parar nas garras dos militares, de quem representava o poder, porque não eram só os militares e isso a gente tem que prestar muita atenção, porque nós colocamos toda a responsabilidade da ditadura em cima dos militares e muita gente continuou no poder sem ser militar. Aquele poder de bastidor que todos abusaram. Temos muitos políticos aí com a cabeça ainda na ditadura. Ainda acham que podem mandar e desmandar. Eles têm o quê? Impunidade parlamentar, eles têm as leis que os protegem! Podem tudo e o povo só tem que pagar imposto.

#tecer – Você concorda que há uma longa tradição brasileira do autoritarismo que permanece até os dias atuais?

 TS – Com certeza. Nós, brasileiros, e quando falo brasileiro eu to me incluindo, somos analfabetos políticos. Não temos a preocupação de conhecer, de entender, de saber que político é funcionário público do povo. Colocamos representantes para mandar em nós. É como se viesse no DNA do brasileiro ser mandado, ser governado. E não temos governantes, temos pessoas que ditam as leis pra que o povo obedeça. Nós vimos o povo ir pra rua protestar e as leis não mudaram, vimos o povo se revoltar e a cachorrada continua a mesma. Ah! Então vamos punir os culpados do mensalão! Ora, eu queria ser punida daquele jeito! Uai, dormir em uma cadeia daquela, ter direito a emprego… eu fui professora por séculos e o que eu ganho de aposentadoria hoje não é uma diária deles. Então que democracia é essa?

 A dona de casa Ephigênia dos Santos Barreto, 76, ex-telefonista e costureira, nasceu em Mariana/MG, é casada e mãe de três filhos. Ela ressalta que não era favorável ao regime ditatorial e conta as influências que esse período teve em sua vida.

 #tecer – Como era o país na época da ditadura? E a vida da população?

Ephigênia dos Santos – Na época da ditadura o Brasil era um lugar onde não se tinha liberdade de expressão e nem de escolha. Meu pai mantinha seus filhos muito restritos e éramos privados de quase tudo, inclusive de sair de casa em tempos de comícios e demais movimentos, sobretudo de cunho político.

 #tecer – Você participou de algum movimento de protesto contra o governo?

ES – Não, até porque não se tinha liberdade o suficiente para expor ideias e sentimentos. Por mais que eu quisesse ou tivesse vontade de exprimir qualquer pensamento acerca do que acontecia, isso não era visto com bons olhos.

 #tecer – O que mudou na sua vida e, em geral, na vida da população brasileira após o fim da ditadura?

ES – Houve uma mudança considerável. Com o término do regime, as pessoas passaram a ter, de fato, direito de exercer as suas liberdades democráticas. A vida melhorou bastante. No entanto ainda há muito mais coisas e fatores que podem ser melhorados.

 O vereador de Mariana/MG, Cristiano Silva Vilas Boas, 24, apresentou um pouco da sua visão como presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Municipal e destacou aspectos legais que variaram com o decorrer dos anos, além de salientar os direitos humanos atuais existentes na legislação brasileira e como são exercidos.

 #tecer – Em que época o Brasil conquistou sua democracia? Ela se exerce de maneira plena?

 Cristiano Silva Vilas Boas – O Brasil viveu poucos períodos de democracia plena. Tivemos quase quatro séculos de escravatura brutal, um século de império, o Estado Novo, que foi também um período ditatorial e terminou em 1945. Em seguida, os breves anos JK foram de democracia, mas sem consolidação. Logo após o governo Jango, que apontava para uma nova democracia, foi abortado em 1964 pelo golpe militar que subjugou o país a uma ditadura cruel, excludente e totalitarista. Na ponta do lápis, vemos que em seus mais de 500 anos de história, o país viveu mais dentro de regimes autoritários do que de liberdades democráticas. Ao todo, não tivemos mais do que uns 30 anos, se muito, de democracia. Somente agora vemos que o país vive mais livremente, mas nossas estruturas institucionais ainda precisam ser aprimoradas, pois muita coisa na herança autoritária ainda repete o passado. Precisamos de reformas amplas, reforma política, agrária, tributária e jurídica para chegarmos numa democracia plena.

 #tecer – A Comissão da Verdade pretende investigar os abusos cometidos contra os direitos humanos durante o período em questão. O que será ou poderá ser feito depois disso?

 CB – Quando foi decretada a Lei Geral da Anistia, logo após o fim da ditadura, vimos que seu período de abrangência não começava em 1964, mas antes disso. Com isso, os militares anistiaram aos presos políticos e a si mesmos, tentando, assim, colocar uma pedra sobre seus próprios crimes. A Comissão da Verdade não tem o poder, nem a intenção, de rever a Lei Geral da Anistia, mas apurar os crimes, abusos e violências cometidos contra aqueles que se opuseram ao golpe militar. A Comissão da Verdade tem o propósito de resgatar a verdadeira história das atrocidades e injustiças cometidas pelos militares a partir de 1964.

 #tecer – Os direitos humanos brasileiros são cumpridos?

 CB – O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU (Organização das Nações Unidas). Embora isso seja importante como paradigma, muitas vezes não passa de uma formalidade diplomática que não se aplica na prática. Mesmo tendo superado e transposto o período de perseguições, torturas, limitações a livre expressão do pensamento, entendo que, enquanto houver um brasileiro desempregado, que não come, que não recebe educação adequada, que não mora dignamente, não podemos dizer que os seus direitos humanos estão garantidos. Se não há mais torturas em quartéis por delitos de opinião, não podemos dizer o mesmo sobre o dia-a-dia das delegacias de polícia e aos maus tratos a que são submetidos apenas os mais pobres. Somente podemos dizer que vivemos um período digno de exercício dos direitos humanos quando esta realidade estiver mudada.

 Voltando um pouco em seu passado o professor de Historia, Celso Taveira, 67, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), traz sua visão a respeito do Golpe de 1964. Ele ver a celebração de uma “Missa Negra” pela bancada militarista do Congresso Nacional. Taveira participou de alguns movimentos estudantis durante sua graduação em História Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressalta a importância do trabalho da Comissão Nacional da Verdade, mesmo achando que o poder legislativo atue de forma irresponsável em não permitir a culpabilidade de quem praticou a tortura.

 #tecer – Poderia fazer um paralelo entre a quebra dos direitos humanos pelo Departamento de Ordem Politica e Social, o DOPS, durante a ditadura?

 Celso Taveira – Só o próprio militar mesmo que pode ver diferente da gente. Durante a década de 70 fiz minha graduação na UFMG, lá eu tinha colegas de sala que eram “dedo duro” e amedrontavam a todos, precisei me adaptar a aquela realidade. Vivi coisas muito traumáticas, por exemplo, tive um colega que o irmão continua desaparecido até hoje.

 #tecer – Destacaria algum traço positivo desse período para o Brasil?

 CT- Não vejo nenhuma contribuição positiva. A Transamazônica tá aí, caindo aos pedaços. Essa história de “Brasil ame-o ou deixe-o” não faz sentido. É um episodio de triste memória, mas a história do pais é repleta de episódios desse tipo. Sou suspeito pra falar, pois tenho uma visão muito negativa; somos muito dependente dos outros, quando a dominação mundial é da Inglaterra a gente é braço direito dela, como foi na Guerra do Paraguai. Claro, temos episódios maravilhosos como a Guerra de Canudos, mas os desfechos são sempre os piores possíveis. Sempre uma “direitona” reaça que toma conta da politica brasileira, não teremos uma solução enquanto a população não resolver que é preciso dar um basta nessa classe politica, com todos anulando os votos para criar o impasse pra ver se sai alguma coisa.

#tecer – Qual sua visão a respeito do apoio dado ao Golpe pelas grandes empresas da época?

 CT – Mesmo participando de movimentos estudantis na época eu discordava muito da orientação deles, pois tinha muita confusão na direção geral do movimento. Mas, em relação as empresas, é obvio que elas estão sempre sustentando o que há de pior na vida politica brasileira.

 Júlia Mendes e Débora Freitas, estudantes da UFOP, participaram do debate promovido pelo “Conexão Historia” que abordou o Golpe Militar de 1964. O evento realizado no Instituto de Ciências Sociais (ICHS) buscou tornar mais acessível um assunto tão delicado da historia brasileira.

 #tecer – O evento da Conexão História atendeu à sua expectativa?

Júlia Mendes – A iniciativa foi muito boa, serviu, de alguma forma, até como interação entre os estudantes de diversos cursos, mas percebi uma carência nas falas, os assuntos foram apresentados em tópicos divididos, perdendo a conexão entre eles. De fato esperei algo a mais, que abordasse mais sobre a repercussão no Brasil e sobre o contexto de uma maneira geral.

 #tecer – Ideia do Golpe militar como evento à ser lembrado, o que acha da afirmação?

Débora Freitas – Como os palestrantes mesmo disseram, o golpe deve sim ser lembrado, mas não devemos ficar presos à ele. Temos que tomar cuidado para que não aconteça novamente, afinal, foi um marco na história do país.

 #tecer – O debate do Conexão História trouxe, na sua opinião, novos conhecimentos sobre o Golpe Militar brasileiro?

DF – Sim. A ideia de relembrar a Comissão da Verdade e memória justa foram aspectos os quais eu tinha um conhecimento limitado. Com os debates pude saber mais sobre o assunto e esclarecer algumas dúvidas pessoais.

 Repórteres: Alexandro Galeno, Andressa Goulart, Caroline Hardt, Fernando Cássio, Tainara Ferreira

Editora: Brena Queiroz