Semana Santa de Mariana reúne tradições e movimenta turismo

Por Débora Mendes, Felipe Nogueira, Flávio Ribeiro, Pedro Guimarães e Thamiris Prado.

A histórica cidade de Mariana, primeira capital mineira, é herdeira de belos patrimônios do cenário produtor de ouro do século XVII. Ao longo de seus 317 anos, diversos costumes são preservados. A Semana Santa é uma das tradições que a cidade mantém, reunindo anualmente centenas de fiéis para a celebração cristã. Em entrevista, Sandra Carla Gomes, 45, secretária administrativa da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, explica o significado dessa data para o catolicismo e sobre a organização da semana.

#tecer – Qual a importância da Semana Santa para o catolicismo?

Sandra Carla Gomes – Eu acredito que na Semana Santa vivemos nosso maior ato de fé. Revivemos os caminhos de Cristo, revivemos o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Então isso é importante pra nós, de modo que reconhecemos a nossa pequenez diante do nosso Deus que é maior. A importância está em fazer essa memória da paixão de Cristo.

#tecer – Como é a preparação da diocese de Mariana para esse evento tão tradicional e importante para a cidade?

Sandra – A gente começa dois ou três meses antes. Nos reunimos com vários grupos porque a Semana Santa demanda muitas equipes, são diversas celebrações. Cada uma tem a sua função específica, pastorais, irmandades, todos os movimentos da paróquia. Sempre fazemos essa preparação, promovendo alguns encontros e retiros para falar da importância da semana para depois colocarmos em prática.

#tecer – Como é a preparação dos fiéis durante a quaresma?

Sandra – Nos preparamos para viver o momento da paixão, morte e ressurreição de Cristo. A cada domingo a liturgia nos leva a refletir. Antes da Semana Santa a gente tem aquela preparação das confissões dos fiéis, para não ficar só para a semana, já preparamos o nosso povo. Aqueles que desejam viver de fato a Páscoa de Cristo, temos os mutirões de confissões, vários padres vêm atendê-los. Esse ano acredito que os nossos padres já atenderam mais de 300 pessoas, só aqui na cidade de Mariana, nos três momentos que tivemos de mutirão.

Durante a Semana Santa, as missas e procissões de Mariana continuam sendo realizadas da mesma maneira que rege a história, a cidade mobiliza-se por inteira, para a mais tradicional festa cristã, recebendo muitos turistas. Hélio Petrus Viena, 70, artista plástico, em entrevista concedida em seu ateliê, relata como a festa é preparada e seu ofício é utilizado durante as festividades.

#tecer – Qual o sentimento dos moradores na Semana Santa?

Hélio Petrus Viena – As cidades históricas mantém essa tradição, os quadros vivos representando o drama da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Com pequenas variações as cidades apresentam essas comemorações. No sentido geral as cerimônias são mais ou menos idênticas, variando nos dias, em algumas cidades eles antecipam a procissão do encontro. A cidade toda está envolvida nesse clima religioso, é a maior festa da nossa cristandade.

#tecer – Na cidade de Mariana observamos algumas casas com estações que vão de 1 a 15, o que é necessário fazer para ter uma estação em casa?

Hélio – Durante todo o tempo da quaresma temos a via sacra, que são as 15 estações e isso é decidido na paróquia. Os moradores que receberão uma estação em sua casa são avisados previamente e só devem se comprometer com a ornamentação, que basicamente é enfeitar as janelas com toalhas e velas, para que a procissão passe.

#tecer – Quem é responsável pela confecção dos tapetes para a Procissão da Sexta da Paixão?

Hélio – Desde o ano passado a prefeitura conta com artistas plásticos para coordenar a criação dos tapetes que trazem imagens alusivas à Eucaristia com cálices, hóstias, pombas brancas, ramos, entre outros. O contato com os artistas foi feito por meio da AMAP (Associação Marianense dos Artistas Plásticos).

Na preparação das celebrações, todos os detalhes são pensados para que a Semana Santa represente de forma realista os últimos passos de Jesus Cristo. O que emociona os fiés e atrai um público de diferentes faixas etárias. A catequista e artesã Maria Alice, 55, participa da semana há dez anos e se alegra ao ver o interesse das crianças pelo evento.

#tecer – Qual o momento mais comovente durante a Semana Santa?

Maria Alice – Gosto da celebração de lava-pés, do beijo da cruz na Sexta-feira da Paixão e da missa no Sábado de Aleluia.

#tecer – Como classifica a preparação da cidade e da paróquia?

Maria – Nossa, tudo é feito com muito carinho. Muito bem organizado.

#tecer – Há muita movimentação de turistas durante a Semana Santa?

Maria – Muita, muita gente. E com certeza indico vim passar a Semana Santa na cidade. É tudo muito emocionante. Amo e recomendo.

A Semana Santa marianense também é marcada por costumes locais, onde uma lenda se transforma em realidade quando a Procissão das Almas começa seu percurso partindo do cemitério. Pessoas caracterizadas como almas boas e a morte vão percorrendo diversos caminhos do centro histórico da cidade em forma de um cortejo fúnebre. A encenação segue os registros do livro “Lendas Urbanas de Mariana”, de Waldemar de Moura Santos, jornalista já falecido.

A professora aposentada e historiadora Hebe Rôla, 82, caminha junto aos demais participantes, joga penas e ajuda a organizar o evento. Apesar  de tantos anos de tradição, ela enfatiza que a única mudança ocorrida na Procissão das Almas, desde o surgimento da lenda, é a inclusão de uma banda convidada.

#tecer – Por que a procissão leva esse nome e por que acontece durante a Semana Santa?

Hebe Rôla – A procissão das almas é uma procissão laica, leiga, não pertence à Igreja Católica. É uma forma de conservarmos a nossa tradição e o nosso folclore, então ela só se realiza aos cinco minutos do sábado de aleluia. Fazemos uma homenagem aos mortos, uma encomendação aos mortos.

#tecer – Qual a diferença entre falar Miserere e Procissão das Almas?

Hebe – Miserere significa misericórdia em latim, porque pede à Deus pra ajudar as almas. Com a evolução do tempo as expressões latinas caem em desuso.

#tecer – Nos dias atuais, como aconteceu na lenda, os moradores de Mariana ainda têm medo da Procissão das Almas?

Hebe – Tem, é muito engraçado. Teve um dia que vi dois engenheiros que eu havia conhecido, e quando a procissão chegou, eles voltaram pro hotel correndo. Assustaram! E eu falei: “Oh, fulano, sou eu, Hebe. Isso aqui é uma brincadeira”. E ele falou assim: “Uai, Hebe, que dia que cê desencarnou?”. Ele achou que eu tinha morrido também. Eu sou a pessoa que joga penas, e as pessoas correm delas.

Nos bastidores do evento religioso, os guias turísticos, responsáveis por conduzir a grande leva de turistas aos principais pontos da cidade, contam com uma preparação bem maior para receber um público curioso pela cultura marianense e encantado pela arte. Eduardo Rodrigues é guia turístico há 22 anos, e conta que há diferentes perfis para cada visitante. Ele diz que muitos turistas, quando participam de excursões, possuem tempos curtos para apreciar os pontos turísticos de Mariana.

#tecer – Qual o feriado com o maior fluxo de turistas em Mariana?

Eduardo Rodrigues – Qualquer feriado prolongado é bom, mas Semana Santa e Corpus Christi são dois feriados que vêm uma quantidade e qualidade boas de turistas, porque é um feriado religioso. Vêm mais turistas religiosos, um pessoal que gosta de pintura, escultura.

#tecer – E qual é o foco deles quando vêm pra cá? Procurar mais igrejas, participar de eventos?

Eduardo – Não só participantes das procissão e das missas, mas juntar o útil ao agradável. Principalmente conhecer as igrejas, já que fala do barroco, de arte sacra. Corpus Christi e Semana Santa são um prato cheio: as ruas e as casas enfeitadas. Uma tradição religiosa que dificilmente se perde.

#tecer – E os guias turísticos? Devem ter uma preparação maior para esse evento?

Eduardo – A gente trabalha mais! Porque tem muitos turistas, então os guias se preparam mais. Você tem hora pra chegar, mas não tem hora pra sair. Mariana tem poucos guias, e num feriado desses o turista às vezes fica aguardando na praça porque faltam guias. Essa Semana Santa então, eu já estou sabendo. não tem vaga nos principais hotéis e pousadas de Ouro Preto, por exemplo.

Repórteres: Débora Mendes, Felipe Nogueira, Flávio Ribeiro, Pedro Guimarães e Thamiris Prado.

Editora: Carol Rooke