De uma sala para uma instituição

Em oito anos o CRIA transformou-se em um grande centro recreativo em Mariana – MG.

Espaço CRIA. / Imagem: Hariane Alves

Por Ana Carolina Vieira, Daniela Faria, Gabriela Santos, Hariane Alves e Paloma Demartini

O Centro de Referência à Criança e ao Adolescente (CRIA) de Mariana é um espaço recreativo que desenvolve oficinas culturais, esportivas e de formação profissional, como natação, reforço escolar e dança para crianças e adolescentes entre 12 a 18 anos. Hoje a instituição atende cerca de 475 jovens.

A equipe #tecer entrevistou alguns de seus colaboradores, como a coordenadora do CRIA Luciana Aparecida de Castro Baeta; o professor de natação Ben-Hur Amâncio de Castro; a professora de reforço escolar Helenice Dutra e a professora de fotografia Christineide Ferreira.

#tecer – Como o CRIA surgiu em Mariana?

Luciana Baeta – O CRIA começou como Grupo Ação no ICSA (Instituto de Ciências Sociais Aplicadas) há cerca de oito anos. Era formado por alguns educadores que desenvolviam atividades de percussão e teatro em apenas uma sala. O projeto cresceu e ganhou um lote por meio de uma parceria entre a prefeitura e a (empresa) VALE, com isso foi criada a Padaria Escola, uma capacitação profissional para maiores de 16 anos.

Por quem é feita a manutenção?

Somente pela Prefeitura. Antes a (secretaria de) Educação cedia alguns professores, tinha professor de artes, de inglês, de espanhol. Ano passado foi a primeira vez que aconteceu o concurso de processo simplificado para contratação dos monitores, hoje todos têm graduação ou estão cursando. Temos agora o taekwondo, capoeira, ballet, hip-hop, natação, futsal, handebol, vôlei, informática, entre outros. Ao todo contamos com 15 oficinas.

Quantos jovens o CRIA atende?

Temos 475 inscritos, mas frequentes são 200. O CRIA não exige frequência, embora haja monitoramento. Se o menino estiver faltando muito a gente liga para a família e pergunta “Que que tá acontecendo que ele não tá vindo?”. Ele (aluno) vem e é bom que ele queira voltar, esse é o nosso objetivo. Tanto que o espaço não tem muro, mas sim alambrado. Não te prende ali, dá a ideia de que você vai e volta a hora que você quiser.

A Organização, por meio da arte-educação, provoca atitudes transformadoras na sociedade e em si, de forma coletiva e comunitária.

#tecer- Qual é o perfil desses jovens?

Luciana Baeta – Atendemos a todas as classes. Porém, a gente tem um carinho maior com os meninos que estão em situação de risco. O Conselho Tutelar, juntamente com o Programa Rede Pela Vida, encaminha os meninos pra gente.

Existe alguma atividade de integração com as famílias?

Sim, fortalecimento de vínculo é o principal. Inclusive ano passado promovemos a Festa da Família e contamos com a presença de 600 pessoas.

Vocês atendem crianças usuárias de droga?

Desde que elas venham encaminhadas pelo Conselho Tutelar, Rede Pela Vida ou pela justiça. O Conselho só conduz ao CRIA depois que já visitou e conheceu a família. De nada adianta nós fazermos um serviço isolado no qual o aluno irá voltar para casa e sofrer do mesmo jeito.

O professor Ben-Hur de Castro conta sobre a trajetória esportiva do CRIA, que, já rendeu medalhas em modalidades como taekwondo, em Itabira (MG), e em Conselheiro Lafaiete (MG) no open de natação.

#tecer – Por que você decidiu trabalhar aqui?

Ben-Hur de Castro – Acho que é porque, além de estar trabalhando aqui na área que eu escolhi e estou estudando, também acho que esse espaço dá oportunidade para as crianças que ainda não tem.

Como você ministra as suas aulas?

Tento ministrar minhas aulas dando conselhos, falando para os meninos seguirem o caminho certo. É claro que todos a gente não consegue salvar, mas eu tento.

Gosta do trabalho, como é a relação com os alunos?

Gosto muito de trabalhar aqui e os alunos são ótimos, têm alguns que a gente tem problemas, todo lugar tem, mas eles vêm e trazem presentes para mim, chocolate, me abraçam e ficam brincando comigo. Então eu vejo que além de alunos também estou ganhando muitos amigos.

A professora Helenice Dutra é da Secretaria de Educação e trabalha no CRIA há um ano e dois meses ministrando aulas de reforço escolar em português e redação. Em entrevista, ela fala sobre a relação de amizade e confiança que construiu com os alunos e sobre a diferença entre uma escola convencional e o CRIA.

#tecer – Quais os resultados de um relacionamento próximo com os alunos?

Helenice Dutra – Eu trabalho de manhã em uma escola “convencional” com os mesmos alunos que eu tenho aqui no CRIA. Lá eles dão trabalho, mas quando eles chegam aqui, eles são comportados. Lá eles me veem como professora, mas aqui (no CRIA) tem uma coisa diferente. O que eles me contam aqui, eles nunca me contariam lá. Então eu vejo um mundo lá e um mundo aqui.

E como é esse mundo do CRIA?

Na verdade, eu queria que a escola na qual eu trabalho e as outras escolas fossem iguais aqui. Aqui é diferente, tanto é que eu queria trazer minha menina para cá, não precisa impor nada.

Você vê nos alunos a vontade de seguir os estudos?

Infelizmente não. Em uma família na qual os pais não olham o caderno dos filhos, por exemplo, fica difícil que eles sigam. Tive alunos excelentes, mas são poucos que fizeram faculdade. Queria que fossem mais.

O objetivo do CRIA é desenvolver um projeto que promova a aprendizagem e a construção da identidade das crianças e adolescentes com que trabalham. Esse desafio foi aceito pela professora Christineide Ferreira, que em oficinas realizadas no ano passado, encontrou na fotografia uma forma de unir histórias, de ensinar e encantar esses jovens.

#tecer – Como eram as oficinas de fotografia?

Christineide Ferreira – A oficina funcionava duas vezes na semana, na segunda e na quarta-feira, tanto de manhã quanto de tarde. O meu público era o interessado em fotografia, não só como máquina, não só como processamento de imagem, mas fotografia como pessoa. Meu objetivo não era só o de ensinar as técnicas fotográficas, mas de trabalhar principalmente a pessoa que tira a foto, trabalhar o olhar.

Como os alunos recebiam essa proposta?

A forma como eu abordo é diferenciada. Eu trabalho com um público muito diferente, cada aula é uma aula diferente. Eles trazem para mim o que são. Hoje a gente tem essa câmera que nos permite tirar fotos e arquivá-las como imagem, mas antes desse instrumento, tem o olhar. E essa relação é muito bacana. As pessoas têm histórias diferentes, mas existem pontos que se tocam, a construção do cidadão começa a partir daí.

Quais as principais dificuldades em manter esse trabalho?

As máquinas digitais não são do CRIA, são emprestados pela Prefeitura nos dias da aula. Essa parceria ainda precisa de alguns ajustes a nível material (máquinas, cartões de memória) e de impressão das fotos. Além disso, não podemos sair desse espaço com os equipamentos. Até hoje, por falta de parcerias, não conseguimos revelar as fotografias dos alunos e nem montar uma mostra fotográfica em espaços públicos.

Repórteres: Ana Carolina Vieira, Daniela Faria, Gabriella Santos, Hariane Alves, Paloma Demartini

Editora: Roberta Heluey