A Bipolarização da Universidade

Como um programa de pesquisa e extensão dentro de uma universidade pública dá espaço para diferentes interpretações

Por: Rodrigo Almeida, Thiago Dias, Gustavo Ferreira, Felipe Guadalupe, Rafael Peres e Amanda Santos

Há seis meses o Centro de Difusão do Comunismo da Universidade Federal de Ouro Preto (CDC-UFOP) foi suspenso por decisão da Justiça Federal do Maranhão. A ação, arbitrada pelo juiz José Carlos do Vale Madeira, concedeu uma liminar ao advogado Pedro Leonel Pinto Carvalho, alegando que se tratava de um programa ilegal por usar recursos públicos para divulgar uma ideologia política. Ainda na peça, o juiz alega que o símbolo utilizado pelo CDC era o mesmo dos Partidos Comunista Brasileiro(PCB) e Comunista do Brasil(PCdoB).

O projeto foi idealizado e coordenado pelo professor André Mayer do Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social da UFOP. Segundo ele e a direção da universidade, a ação fere o princípio da autonomia universitária incorporada à Constituição brasileira de 1988. A Carta Magna prevê que esse princípio só seria tolhido caso contrariasse o próprio código de leis. Até o fechamento dessa matéria, as atividades do programa continuavam suspensas, pois foram proibidas a utilização de recursos públicos para pagamento de bolsistas, a aquisição de materiais e a utilização do espaço físico da UFOP para os encontros do grupo.

Charge fazendo alusão à fabula “A Lebre e a Tartaruga” – Ilustração: Felipe Guadalupe

Ambiguidade

Visão capitalista

A universidade estatizada, como é no Brasil, dá margem a esse tipo de ambiguidade. O programa da UFOP é visto por uma parcela da sociedade como uma forma de doutrinar estudantes em formação. O jornalista José Luiz Alves Neto, 25, vê tudo isso como uma grande contradição. Ele discorda que um programa como o CDC use recursos oriundos de impostos pagos pelo setor privado. Para ele, o curso deveria existir, porém de forma que fosse isento de recursos públicos.

A resolução nº 22.121 de 1º de dezembro de 2005, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em seu artigo primeiro diz que “os entes criados pelos partidos políticos para pesquisa, doutrinação e educação política devem ter a forma de fundações de direito privado”. O grupo, que concorda com a decisão do juiz Vale Madeira, destaca que embora o CDC não tenha sido criado por nenhum partido político, sua vinculação com a ideologia comunista parece se relacionar com partidos específicos.

Para o jornalista José Luiz, o caso toma contornos mais preocupantes, já que no primeiro item do estatuto do Partido dos Trabalhadores (PT) lê-se como objetivo, “implantar o sistema socialista no Brasil”. Ele acredita que a informação é relevante porque o partido já completa doze anos na presidência e as universidades federais estariam seguindo suas diretrizes de governo.

A advogada Berenice Domingues, 50, acha que a universidade deve ter ligados ao seu corpo estudantil grupos que reivindiquem os direitos dos alunos. Para ela, programas como o CDC têm uma conotação política disseminada através das atividades de extensão. “O termo militância anticapitalista, nos leva a crer que o que se está sendo pregado no projeto é uma educação política vinculada a partidos de esquerda”, argumenta ela.

Visão socialista

O Centro de Difusão do Comunismo ou CDC, tinha a ideia principal de tensionar a ordem do capital e colocar um debate para uma nova ordem societária como responde o idealizador do projeto. “Nossa proposta tem uma vinculação muito grande com a demanda dos trabalhadores e isso é uma questão que incomoda muito a um conjunto de pessoas”.

O professor de jornalismo e Chefe do Departamento José Benedito Donadon disse que o colunista da Veja mostrou desconhecer o trabalho do CDC-UFOP, assim como o advogado que entrou com a ação no Maranhão e o juiz que concedeu a liminar. Ele completa: “o nome desse projeto, pra quem não conhece o programa e a dinâmica das discussões, dá a entender que esse grupo é um centro de promoção do comunismo, o que pra muitos no Brasil não se discute além das fronteiras dos partidos comunistas”. Mas ressalta que, na verdade, “trata-se de uma inserção, cumprindo exatamente um dos papeis fundamentais da universidade que é promover intercâmbio entre comunidade e universidade.” Donadon diz ainda que houve uma perda irreparável com relação à dinâmica das atividades realizadas no curso, principalmente por ter havido esta interrupção repentina dos trabalhos desenvolvidos com indivíduos alheios à universidade.

Do ponto de vista prático, o cancelamento das bolsas de estudos dos alunos que faziam parte do programa gerou graves consequências. “Eu era muito dependente da bolsa e não tinha necessidade de um emprego pra me manter aqui em Mariana. Podia me dedicar mais à vida acadêmica”, diz a ex-bolsista do CDC Ana Caroline Matos Soares,19, do 4º período do curso de Serviço Social da UFOP.

Autonomia universitária

A constituição de 1988 delega às universidades total garantia de gestão democrática, regime jurídico único e autonomia didático-científica. Portanto, a existência do CDC seria completamente justificável e se encaixaria nesse panorama. Mas a existência do projeto se torna complexa, pois os estudos desenvolvidos por ele têm uma forte carga política. O professor André Mayer não nega o teor político do projeto: “Qualquer ação dentro da universidade tem conotação acadêmica e política, ninguém aqui é neutro”, enfatiza.

Em contrapartida, o professor condena uma parceria entre UFOP e a companhia Vale do Rio Doce dizendo que isso é uma clara demonstração de uma ação difusora do capitalismo dentro da universidade sem que haja nenhuma represália. No entanto, a Vale não se utiliza da UFOP para difundir uma ideologia política e sim para investir na formação dos alunos, por meio da construção de um instituto tecnológico confira aqui.

O advogado Pinto de Carvalho alega que o programa, sob o pretexto da autonomia universitária, fere os princípios da moralidade e da legalidade da administração pública, previstos na Constituição, ao usar recursos públicos para divulgar ideologia político-partidária. No entanto, o que o advogado fez foi interpretar a lei de maneira contrária a que ela foi redigida. No texto constitucional, as universidades devem ter plena liberdade de definir currículos, abrir e fechar cursos de extensão, definir suas linhas prioritárias e mecanismos de financiamento de pesquisa, conforme regras internas.

Em uma sociedade em que todas as relações estão sulcadas pelo capitalismo cerceando inclusive a própria liberdade de conhecimento, a universidade enfrenta graves batalhas contra o Estado. Segundo o núcleo de Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior (NUPES) e o Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP) este direito “consiste na liberdade de estabelecer quais os problemas que são relevantes para a investigação, definir a forma pela qual os problemas podem ser pesquisados e julgar os resultados da investigação por parâmetros internos ou processo de conhecimento, independentemente dos interesses externos que contrariem”

Repórteres: Thiago Dias, Rafael Peres, Felipe Guadalupe e Amanda Santos

Imagens: Gustavo Ferreira

Edição: Rodrigo Almeida

Entrevista com Gladiston Algusto sobre o CDC