Os porões do Jardim

Na mesma praça, nos mesmos bancos, no mesmo jardim… Bebida e drogas fazem parte da festa de rua que também conta com a participação de menores de idade

Por Fábio Melo, Fábio Souza, Gabriela Ramos, Laene Medeiros, Luíza Lacerda e Taíssa Faria

Manhã de segunda no Jardim / Imagem: Fábio Melo

Todos os finais de semana a Praça Gomes Freire, um dos principais pontos turísticos de Mariana-MG, torna-se ponto de encontro de amigos e famílias. Os frequentadores buscam uma forma de distração depois de uma semana intensa de trabalho. Porém, o Jardim, como a Praça é carinhosamente chamada, sofre com a superlotação e a falta de respeito daqueles que deixam copos pelo chão, garrafas e todo o resto do que consomem durante a noite.

As cidades de Minas têm por característica as confraternizações em praças públicas. A prática talvez seja fruto de um passado em que as pessoas se reuniam nos fins de tarde para conversar sobre a vida e rever os amigos. Praça também já foi sinônimo de local de encontro para adolescentes, entretanto, o som alto embalando estes encontros, a bebida alcoólica liberada a menores de idade e o lixo pelo chão ao final das confraternizações não necessariamente faziam parte do cenário.

Na mesma praça, nos mesmos bancos, no mesmo jardim… Bebidas e drogas fazem parte da festa de rua que também conta com a participação de menores de idade

Moradora de Mariana desde que nasceu, Sônia Regina (nome fictício), 66 anos, lembra do Jardim como local tranquilo onde jovens paqueravam e crianças brincavam: “Aqui era o ponto de namoro na época. As moças passeavam, os rapazes ficavam na beirada olhando a gente e aí começava o namoro. Vinha aqui pra cima pra sentar no banco com o namorado”.

Os porões do Jardim abrigam uma realidade que muitos veem, mas que é pouco discutida. Uma das faces do centro de lazer de Mariana que mostra um problema social e as necessidades de mais investimento em lazer.

Imagem: Fábio Melo

 Depois da festa, o chão denuncia

Quem passa pela Praça ao amanhecer da segunda-feira percebe o trabalho dos garis na retirada do lixo. A quantidade de resíduos é superior a que as lixeiras implantadas no local comportam. As pessoas que passeiam no Jardim aos domingos deixam garrafas e copos plásticos espalhados pela grama, gerando dezenas de pacotes de lixo.

“Vivo falando pra colocar mais lixeira…”, reclama gari.

Samara dos Santos, 20, cita como um dos problemas a falta de consciência das pessoas: “Lixeira tem, basta a pessoa ter consciência e jogar no lixo”. Porém, a jovem entende que se a lixeira não tem mais espaço, a única alternativa é jogar no chão. A sujeira, resultado das festas na praça, é constante. “Só na terça, quarta e quinta que é mais tranquilo. Vivo falando pra colocar mais lixeira”, diz um dos garis responsáveis pela limpeza.

Os frequentadores também percebem que faltam lixeiras. André Fernandes, 28, que visita a praça quase todos os finais de semana, alega que facilitaria se houvesse lixeiras específicas para determinados tipo de lixo, e completou: “Deveria ser uma ação conjunta, de população e governo”.

Mesmo sendo um problema temporário, já que a limpeza da praça é periódica, a sujeira deixada pelos “festeiros” faz um contraste com a beleza do Jardim. O respeito pelo patrimônio público fica de lado, de forma intencional ou não, por todos aqueles que deixam a sujeira que produzem por onde passam.

Lixeira não comporta resíduos gerados no domingo/Imagem: Fábio Souza

Os menores em meio à multidão

Um fato desconcertante nas “festas” na praça Gomes Freire é o consumo excessivo de bebidas alcoólicas entre menores de idade. Ocorrendo todos os finais de semana, a cidade de Mariana não possui nenhuma ação efetiva que mude esta realidade.

No Brasil, os estabelecimentos comerciais não precisam de licença para vender bebidas alcoólicas. Mas, segundo o artigo 81 da Lei Federal nº 8069/1990, sua venda é proibida a crianças e adolescentes. O não cumprimento dessa lei, em função da pouca fiscalização dos órgãos públicos, faz com que o uso de bebidas alcoólicas seja cada vez mais comum entre os adolescentes.

Menores consomem bebida alcóolica sem restrições / Imagem: Taíssa Faria

É o que acontece no Jardim. É possível flagrar adolescentes comprando e consumindo bebidas alcoólicas no mesmo espaço em que famílias têm o seu lazer. Segundo uma nova portaria do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), estabelecimentos que venderem bebida alcoólica a menores de idade também sofrerão punições. Bares e restaurantes devem vigiar, inclusive, os espaços que seus clientes ocupam, seja na calçada – como acontece no Jardim –, em mesas no entorno do estabelecimento ou em praças de alimentação.

No entanto, menores ouvidos pela reportagem, aqui identificados apenas pelas iniciais de seus nomes, G.P, de 16 anos, e A.R, de 15, contaram que compram bebidas alcoólicas sem nenhum problema em estabelecimentos ao redor da praça. Na maioria dos casos, os menores fazem isso sem a necessidade de apresentar documento que comprove a idade.

Voz das autoridades

Vereador Juliano Duarte/Imagem: Taíssa Faria

O vereador Juliano Duarte afirma que já presenciou menores consumindo bebidas e drogas na Praça. Segundo ele, não existe na cidade o Juizado de Menores, passando a ser de responsabilidade do Conselho Tutelar fiscalizar tanto a venda como o consumo. Assim como o vereador Juliano, o guarda municipal Gilmar Alves, 33, acredita que falta uma ação conjunta entre polícia e os órgãos da Prefeitura para que uma solução efetiva seja tomada.

Ainda no primeiro semestre de 2014, logo após o carnaval, o vereador garante que fará uma audiência pública para discutir ações de segurança na praça Gomes Freire. Juliano disse receber muitas reclamações sobre os problemas no local, e que existe a necessidade de fechar o trânsito ao redor do Jardim para evitar acidentes. “Esta é uma medida que praças de outras cidades históricas já adotaram”, afirma. Um requerimento já foi enviado com o pedido para a realização da audiência pública.

A falta de entretenimento e lazer

O entretenimento que o público procura nem sempre é encontrado. Em levantamento nas ruas da cidade, boa parte dos entrevistados diz que Mariana não dispõe de locais para lazer, especialmente aos domingos, o que torna o Jardim o principal ponto de encontro. A construção de shopping center, cinema, teatro, danceteria, outras praças e playgrounds são apontados pela população como algumas das medidas que deveriam ser providenciadas pela Prefeitura.

A população afirma que os eventos não atendem a todos e pedem mais atrações.

Segundo o vereador Juliano Duarte, durante todo o ano o calendário de eventos de Mariana, disponiblizado pelo site da prefeitura, traz atrações que movimentam a cidade e a região, como festas populares, religiosas e shows de artistas conhecidos. Ainda assim, a população afirma que os eventos não atendem a todos e, além disso, falta divulgação. A maior parte dos entrevistados não tinha conhecimento dessa agenda, acessível na internet.

Por ser uma cidade turística, essas atrações são voltadas, em sua maioria, para os visitantes de Mariana, uma vez que são, predominantemente, movimentos culturais de época. Com isso, a própria população marianense nem sempre procura estes atrativos.

Devido a essas questões, a praça do Jardim é o local mais procurado e frequentado pela população, fazendo com que o espaço sofra de superlotação e poluição tanto sonora (alto volume dos aparelhos de som) como visual (lixo). Em depoimento, alguns moradores demonstram sua insatisfação com esses aspectos do município de Mariana.

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Edição: Laene Medeiros

Reportagem: Fábio Melo, Luíza Lacerda e Taíssa Faria

Audiovisual: Fábio Souza e Gabriela Ramos