Quem procura um ponto, acha mais que um conto

Por: Ingridy Rayane, Lara Cúrcio, Letícia Cristiele, Lucas Campos e Mariana Araújo

– A senhora se importa se eu gravar essa entrevista? – pergunta o repórter enquanto abre a bolsa para retirar a câmera. Foi quando aconteceu…

A reportagem sobre andarilhos havia tomado muito seu tempo. Quase meia noite e ainda não tinha conseguido todas as fontes que precisava. A caminho de casa, andando solitário pela Rua Direita de Mariana, deserta e pouco iluminada, não esperava encontrar uma possível fonte. A mulher sentada no meio fio tinha roupas sujas e rasgadas, o cabelo, um emaranhado de fios sujos.

Aproxima-se com cautela, a fim de não afugentá-la:

– Boa noite, tudo bem? Sou aluno de jornalismo e estou fazendo uma matéria sobre andarilhos, posso falar com a senhora?

A mulher olha surpresa e não responde. O repórter tenta outra vez:

– Qual o seu nome?

Fita-o novamente com um olhar perdido e diz:

– Meu nome… eu… eu não me lembro.

– Mas como a senhora veio parar aqui?

Atordoada, olha para os lados e confusa responde:

– O Jackes… ele estava na mina e… e desapareceu.

Um feixe de luz prata surge no horizonte e se aproxima no ritmo do galope.

Instigado pela resposta, procura saber mais.

– A senhora se importa se eu gravar essa entrevista? – pergunta o repórter e foi quando aconteceu:

A mulher antes maltrapilha, agora, parece uma dama do século 18. No lugar dos trapos sujos, traja um vestido volumoso, um chapéu com plumas e requintadas joias enfeitam seu pescoço. O repórter não consegue acreditar no que vê. Um arrepio profundo atravessa seu corpo. Antes que o jovem possa reagir, a senhora some, sem deixar rastros.

A Passagem

A descida é lenta e marcada pelo barulho do velho vagonete de madeira. Ao chegar à parada, o guia exclama: “Fim da linha!”. Uma afirmação que seria cômica se o lugar não parecesse tão aterrorizante, pensa o repórter.

Estar a 120 metros de profundidade causa arrepios. O silêncio é cortado apenas por gotas de água do antigo garimpo que é tomado pela umidade e sensações térmicas baixas. A penumbra aguça o medo e ao mesmo tempo a curiosidade.

Em meados do século 18, ingleses trabalhavam na extração de ouro em Mariana, Minas Gerais. Conta-se que um capitão inglês chamado Jackes – mesmo nome pronunciado pela misteriosa senhora – desapareceu nos escombros de uma das explosões feitas na Mina da Passagem, enquanto cumpria sua missão: explorá-la. Foram essas coincidências que instigaram o repórter e o levaram até ali.

Seguindo, sem o guia, o jornalista observa cuidadosamente o lugar. O som de seus passos ecoa pelas paredes e à medida que se afasta dos trilhos, a escuridão aumenta, e com ela, uma sensação de claustrofobia. Grandes pilares rochosos sustentam o lugar que guarda mais uma peculiaridade: um lago de águas tão cristalinas e estáticas que se confunde com o chão. O jornalista, fascinado pelo que vê, se abaixa e toca a límpida superfície.

Ainda que equipado com uma lanterna, sua câmera, refletor, gravador e os inseparáveis bloquinhos e caneta, sente-se inseguro – não lhe parecia o mais apropriado para cobrir aquela matéria. Com os olhos praticamente cerrados, na tentativa de driblar o medo, automaticamente toca o canivete em seu bolso – como se isso pudesse salvá-lo do barulho que o aflige e remete a cavalgadas.

Tomado pela ansiedade, seu primeiro instinto é tirar do paletó o maço de Marlboro light a fim de saciar, talvez, o seu último desejo. Com as mãos trêmulas, tateia o bolso repetidamente a procura de seus fósforos. O nervosismo exacerbado cessa na medida em que traga o fumo. Entre aspirações e expirações da fumaça, vem ao pensamento lembranças de sua infância. Não imaginava que pudesse viver algo tão assustador como nas lendas que ouvia e o fazia passar noites em claro. Sente as pontas dos dedos queimarem e, em um movimento brusco, arremessa o toco de cigarro longe – não havia percebido que estava no fim. Na tentativa frustrada de acender outro cigarro, deixa os palitos caírem no lago. Ao se agachar, sente o tremor das pedras, olha em todas as direções e, então, retoma a lucidez.

O Encontro

Mesmo desiludido por não encontrar o Capitão Jackes, o jovem jornalista não hesita em procurá-lo, afinal, já é madrugada de terça feira, seu deadline termina em dois dias e tudo o que tem são indícios, nenhuma aparição concreta, nenhum registro. Temendo tanto o curto prazo, quanto o fantasma inglês, o repórter decide invocar o espírito:

– Jackes! Sei que está aí, me responda!

Sem respostas, o jornalista caminha entre as escuras galerias da mina. Com as pernas bambas, seu corpo suplica descanso. Ao apoiar as mãos sobre os joelhos e com a cabeça voltada para baixo, vê um palito de fósforo no chão. Percebe estar andando em círculos há horas, desiludido, senta-se sobre os pedregulhos e se debruça no próprio corpo. De olhos fechados e com a respiração ofegante, não se dá conta que o mesmo barulho que havia ouvido ali tornava-se cada vez mais intenso. As rígidas estalactites parecem se mover com o tremor, o ruído se alastra quando um relincho ecoa no ambiente. Em um salto desastroso, o repórter levanta-se e segura a câmera. Um feixe de luz prata surge no horizonte e se aproxima no ritmo do galope. De roupas, chapéu e botas brancas, montado em seu cavalo, o Capitão Jackes surge.

Com a câmera a postos, instintivamente dá o clique. O repórter engole a seco e é o fantasma que rompe o silêncio:

– Você pode me ver? É como os outros que aparecem aqui? Está apenas a procura do ouro e do fantasma que sabe onde ele está? – pergunta o espectro com forte sotaque britânico.

– Não, eu não estou a procura do ouro, estava procurando você, digo, o Senhor.

– E por que achou que eu apareceria? Não achou que pudessem me usar como um pretexto para espantar os gananciosos?

A maltrapilha, misteriosamente, se transforma em uma dama do século 18.

– É estranho, mas uma mulher mencionou seu nome. Não acreditei no que vi, mas agora estou certo que não era o excesso de café naquela noite, eu realmente vi aquela senhora na Rua Direita.

– Senhora? Você esteve com minha esposa? Como ela está?

– Eu não sei como ela está. Quando tentei conversar, o fantasma desapareceu.

– Fantasma? Mas como assim? Ela morreu? Em que ano estamos? Mal nos despedimos naquela manhã antes da explosão.

– É 2014.

Naquele instante o relógio apita, o repórter se dá conta que a procissão das almas está prestes a acontecer e esta é mais uma pauta sob sua responsabilidade.

– Procissão das almas? Quem sabe eu possa encontrá-la. Estive esse tempo todo zelando por um tesouro e deixei minha maior preciosidade desamparada.

Toda sexta feira da paixão acontece a procissão das almas no município de Mariana. A manifestação religiosa reúne fiéis que, vestidos de branco, encenam o que, segundo a lenda, antes era realizado apenas por espíritos. Nessa data única, passado e presente se misturam criando uma dimensão atemporal em que coexistem espíritos e encarnados.

“Onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”

– Enfim tenho o título da matéria, pena o clique ter sido no “stop” e não no “rec”.

As lendas do Capitâo Jackes e da Mulher da Rua Direita são independentes. Fizemos uma adaptação das mesmas relacionando os personagens. Quer saber mais sobre as lendas marianenses? Acesse o link e conheça o Clube Osquindô. Lá você encontra materiais interativos e didáticos.

Repórteres: Ingridy Rayane, Letícia Cristiele e Lucas Campos Imagem: Mariana Araújo Edição: Lara Cúrcio