Vivendo pela arte

Conheça histórias de pessoas que fazem de Ouro Preto um acervo artístico atraente a quem deseja desfrutar da arte e aqueles que desejam viver por ela

Por Caio Aniceto, Igor Capanema, Joyce Fonseca, Larissa Soares, Silvia Cristina Silvado e Thatyanna Mota

Orquestra Gafieira de Ouro. Fotografia: Joyce Fonseca

Ouro Preto, primeira cidade brasileira e uma das primeiras do mundo a ser declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, é um lugar onde se respira arte. Recebe visita anual de cerca de 500 mil pessoas atraídas pelo barroco mineiro presente nas obras de diversas igrejas e construções históricas erguidas no século 18. O município cultiva suas celebrações de fé com os rituais da Semana Santa e os eventos tradicionais do calendário, além da cultura vibrante, com os festivais de inverno e jazz.

Fomos atrás de histórias que pudessem mostrar um pouco do cenário e as faces dessa cultura artística tão reconhecida mundialmente.

Poesia em cores. Roberto Dirceu Segabinazzi, gaúcho de Garibaldi, 47 anos e pintor desde os 13, vive em Ouro Preto e sempre sentiu-se atraído pela arte, considerando o ofício terapêutico, existencial e poético. Segabinazzi participou de dois ateliês livres, produzindo obras e gravuras em metal. Afirma que sua profissão é constantemente ajustada, já que, além de pintar, também vende livros, pop cards e cartuns artesanais para garantir sua sobrevivência. Segundo o artista, sua arte segue uma linha expressionista, e por isso não atrai tantas vendas como obras figurativas. “Se muitas de minhas obras tivessem partido de desenhos feitos ao ar livre ou de constatações do cotidiano, acredito que teriam sido mais comercializadas”, diz o artista.

Exposição na Galeria Inverso, em Ouro Preto – MG. Reprodução / Jorge Fonseca

A cultura do “de graça”. Marcelino Luciano Ramos, o Xibil, nascido em São Miguel do Anta – MG, formou-se em Artes Cênicas e Direção Teatral na Universidade Federal de Ouro Preto. Atualmente encena e produz peças teatrais. Já pensou em desistir da carreira por dificuldades na profissão, mas o grupo Estandarte Companhia de Teatro, que fundou em 2006 com amigos da faculdade, é sua motivação para continuar.

Cena da peça Causos de Brasêro. Acervo Pessoal / Marcelino Xibil

A companhia possui três projetos: Pocar, Para Gostar de Teatro (PGT) e o Devotos, que recebe patrocínio de uma empresa privada e da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. O grupo busca na cultura e nos “causos” populares o repertório de seis espetáculos próprios, sendo o mais antigo o Pescador Mentiroso.  O espetáculo História de Gente e Meio Ambiente, feito em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Ouro Preto, já conta com mais de 300 apresentações.

“Para viver de arte você tem que ser muito bom negociante para vendê-la. O que eu percebo é que viver de arte não é a frase certa. Você acaba vivendo para a arte”. (Adner Sena)

Exercendo sua profissão, Xibil conheceu gente de todo Brasil e entrou em outro mercado de venda direta, com empresas como Vale e Samarco, trabalhando com a venda de espetáculos. “Ouro Preto conta com uma escola de artes na UFOP muito forte, além da Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP) com seus cursos de formação”, relata Xibil. O ator cita ainda as constantes manifestações artísticas na cidade, que exigem maior divulgação de seus eventos. Segundo ele, há três tipos de público na cidade: o turista, o morador e o estudante. O maior público da companhia é o morador, mas ainda assim deve-se saber alcançar os demais.  “Ouro Preto tem um público receptivo, mas ainda prevalece a cultura do ‘de graça’. Se você não divulgar muito bem seu evento, rezar pra não chover ou fazer frio, você não tem público”, relata.

Resistência. Rua da Virada é o nome de uma banda das cidades de Ouro Preto e Mariana, que surgiu após a gravação de um CD entre 12 amigos. Adner Sena, 27 anos, morador da região dos Inconfidentes há sete e formado em Letras pela UFOP é instrumentista e um dos produtores do grupo. “Ouro Preto tem uma questão cultural incomum. Tenho um amigo que fala que a cidade é a Nova Orleans brasileira, devido à efervescência cultural assustadora”, afirma Sena. Segundo o músico, “para viver de arte você tem que ser muito bom negociante pra vendê-la. O que eu percebo é que viver de arte não é a frase certa. Você acaba vivendo para a arte”, completa.

Apresentação de Adner Sena. Acervo Pessoal / Adner Sena

Com relação ao incentivo das esferas públicas, ele não demonstra entusiasmo. “A política da gestão cultural no município favorece alguns artistas em detrimento de outros”, diz. Segundo ele, a gestão cultural em Ouro Preto é muito patrimonialista, não havendo incentivo aos movimentos atuais. Sena cita também a valorização de artistas ‘de fora’ nos eventos locais e a falta de incentivo para bandas nascidas na região. “A maioria dos eventos produzimos sozinhos. O cachê oferecido é muito pequeno. Acontece, por exemplo, de vendermos cervejas, trabalharmos na portaria, carregarmos e passarmos o som. Fazemos a produção mesmo”, completa o artista.

Sobre a profissão de artista, Sena acredita que muitas vezes é necessário ter um trabalho paralelo. Para ele, esta é uma vida de dedicação e ‘aperto’ financeiro, apesar de ser um trabalho gratificante. Ele fala também em mudanças na sociedade. “Hoje se tem uma ditadura dos olhos em relação aos ouvidos, temos shows com superproduções. Um músico que se dedica a aprimorar sua arte, sensibilidade, fica prejudicado, sem muito espaço em um lugar onde impera o espetáculo”, afirma o músico.

“Cobrar de quem gere a cultura também é papel do artista. Não devemos somente produzir, mas encontrar um ambiente favorável para a arte”. (Jorge Fonseca)

O movimento artístico de Ouro Preto, para Sena, é de resistência, tanto com relação à gestão local, como em relação à forma como o Brasil cuida de seu patrimônio. Há, segundo ele, um padrão para a comercialização, mas seria possível atender às demandas sem se curvar às exigências da indústria cultural. “Nós só tocamos música autoral nos nossos shows. A indústria criou um hábito caminhando para a imbecilização da música brasileira no sentido de que as pessoas querem ouvir as músicas que já conhecem. As pessoas gostavam de saber o que Caetano (Veloso) e (Gilberto) Gil estavam compondo nos anos 1960, 1970 e os festivais de canção só tocavam músicas inéditas”, diz. O artista conclui que é uma batalha em que não há vencedores ou perdedores, há quem se mantém.

Obra “A Casa dos Meus Sonhos”. Acervo Pessoal / Jorge Fonseca

Para Jorge Fonseca, artista visual aclamado pela crítica nacional, é possível viver de arte em qualquer lugar, desde que haja dedicação por parte do profissional. Ex-maquinista e autodidata, Fonseca ganhou a bolsa de estímulo à produção Pollock-Krasner, de Nova Iorque, em 2009 e participou de importantes exposições, como a Quadrienal de Praga, em 2011. O artista esclarece que as pessoas que desejam viver através de sua arte não devem esperar auxílios externos para iniciar seus projetos. “Cobrar de quem gere a cultura também é papel do artista. Não devemos somente produzir, mas encontrar um ambiente favorável para a arte”, afirma Fonseca.

Confira no vídeo uma entrevista exclusiva cedida por Fonseca ao repórter do TECER Caio Aniceto, em que o artista conta suas histórias e expectativas sobre o ofício das artes.

Edição Geral: Thatyanna Mota

Edição de Multimídia: Joyce Fonseca

Reportagem: Caio Aniceto, Igor Capanema, Larissa Soares e Silvia Cristina Silvado