Eis o mistério da fé

A região dos Inconfidentes e a presença da diversidade religiosa em Minas Gerais

Por João Vitor Marcondes, Laura Nobre, Lívia Monteiro, Luiza Felipe e Thaís Medeiros.

Cerca de 8% dos brasileiros se declarou sem religião no censo de 2010. Em 2000, 26,2 milhões de brasileiros se declaravam evangélicos. Em 2010, o número duplicou e hoje eles totalizam 42, 6% da população. Já os católicos diminuíram 1,3%, segundo dados do IBGE. O Brasil é o quarto país mais religioso do mundo, dono de grande diversidade religiosa. Cerca de 73% da população possui alguma crença. O catolicismo lidera, mas vem perdendo espaço para os evangélicos.

Em Minas Gerais, as cidades de Mariana e Ouro Preto são conhecidas por serem centros turísticos e religiosos. Visitantes de todo mundo vêm à região dos Inconfidentes para conhecer as famosas igrejas barrocas. Mesmo com as raízes católicas, essas cidades vivem uma pluralização de crenças que muito se deve à mudança religiosa no Brasil e no estado. Os quadros a seguir explicitam o novo cenário.

Arte: Lívia Monteiro. Fonte: www.população.net.br / Paulo Gracino Júnior. 

A Assembleia de Deus, vertente evangélica, conta com oito igrejas em Mariana e congregações em Ponte Nova, Acaiaca, Diogo de Vasconcelos e distritos, somando 33 congregações e 1.511 membros na área central de Minas. “Nós evangélicos, em relação à população geral desta região, não somos um número tão expressivo. Mas não estamos preocupados com a força, pois acreditamos que a influência que devemos exercer não é em números. O importante é influenciar as relações e as práticas”, disse Davi Roque de Melo, 26, pastor auxiliar do templo central da Igreja Assembleia de Deus, em Mariana.

Mariana e Ouro Preto são cidades universitárias e possuem laicidade e ceticismo fortes – Gabriela Ribeiro

A devoção ao sagrado faz parte da vida de muitos brasileiros. É o caso da universitária Gabriela Ribeiro da Costa, 20, que aos 13 anos tornou-se ativa na Igreja, como catequista e participante do Ministério Jovem da Renovação Carismática (RCC). Atualmente, coordena o Ministério Universidades Renovadas (MUR) e o Grupo de Oração Universitário (GOU), que fundou em 2013, além de fazer o jornal Primaz das Gerais, da paróquia Nossa Senhora da Assunção.

Gabriela considera a região dos Inconfidentes paradoxal. “Ao mesmo tempo que são cidades históricas e mantêm a tradição católica muito viva, Mariana e Ouro Preto também são cidades universitárias e esse ambiente possui laicidade e ceticismo fortes. É o paradoxo entre fé e razão”, reflete Gabriela que, após se formar em Jornalismo, pretende ser freira. “A fé é o que me conduz, tenho buscado fazer em tudo a vontade de Deus”, conclui.

Diversidade

Cláudia Fortes, 44, conhece o espiritismo desde a adolescência, mas foi através da Casa Espírita Evangelho de Cristo que se tornou adepta. “Dizem os espíritas que chegamos à doutrina pelo amor ou pela dor. Cheguei pela dor, num quadro de depressão. Com os estudos dos princípios da religião, alcancei a cura”, declara Cláudia, que percebe a diminuição do preconceito. “Acredito que a mídia tem esclarecido o verdadeiro papel da doutrina e todos os dias, chegam novos adeptos às casas espíritas da região”, conta. “A vida fica mais leve quando aprendemos que Deus é Pai e misericordioso. Cada um colhe o que planta. Faço minhas escolhas com responsabilidade”, declara Cláudia.

Fachada da casa espírita. Foto: Lívia Monteiro

A Casa Espírita Evangelho de Cristo existe há 30 anos em Ouro Preto. No local, além de palestras e reuniões, são realizados estudos do passe, evangelização e atendimento a famílias carentes, através de um sopão e entrega de meia cesta básica. Virgílio Aparecido Luna Martins, 34, frequentador há 5 anos da casa e membro da diretoria, conta que muita gente tem curiosidade sobre a religião. “No espiritismo não temos preconceitos e não somos melhor que ninguém. Estamos abertos para receber e conversar com qualquer um que queira compartilhar”. Algumas pessoas buscam no espiritismo um lugar para frequentar, compreender e esclarecer coisas que acontecem em suas vidas. “Esclarecemos isso através do estudo, mostrando o que deve ser ajustado. A proposta do espiritismo é aprender a contrabalançar, aprimorar até alcançar o equilíbrio”, completa Virgílio.

 

Débora, praticante do Seicho-No-Ie medita todas as manhãs, por pelo menos 30 minutos.  Foto: Lívia Monteiro

“A Seicho-No-Ie é uma filosofia que também pode ser considerada uma religião”, explica Débora Motomatsu, 24, estudante da UFOP. A prática religiosa, que teve início após a chegada dos imigrantes japoneses no país, visa o bem-estar pessoal e do próximo. “A prática aborda com frequência o poder da palavra e mentalização. Acreditamos que as coisas podem dar certo e que os desejos se realizam”, revela.

 

Sutras – “bíblias” do Seicho-No-Ie – e Caderneta dos milagres. Foto: Lívia Monteiro

A prática também aborda a gratidão aos pais e antepassados e o desapoio ao sectarismo religioso, pois a religião se adequa a cada pessoa, cultura ou tempo. Sobre a diversidade de crenças, a estudante frisou a importância do respeito: “Continuem firmes na fé, na crença e estudando a essência da religião. Por mais que as pessoas critiquem, continuem acreditando”.

A importância da crença também foi ressaltada por Leonardo de Oliveira Gonçalves, 19, adepto da Umbanda. “Fé é energia, é acreditar que tudo pode melhorar. Ter fé é aceitar aquilo que Deus reservou para mim”. Ele diz que a religião o ensinou a ser uma pessoa melhor e que é necessário trabalhar a alma e não o corpo. “Aprendo todos os dias a amar ao próximo e tento proteger, com orações, os meus amigos e família das coisas ruins do mundo”. Sobre a expressão “macumbeiro”, diz que já foi chamado assim, mas não considera pejorativo. “Eu não me importo; sou mesmo! Apenas agrado meus orixás e, em troca, peço aquilo que desejo. Acredito que não devo prejudicar ninguém e respeito o próximo”, revela Leonardo.

Apesar da maioria dos moradores da região não serem seguidores da Umbanda, Leonardo relata que nunca sofreu preconceito de católicos e evangélicos, pois acreditam no mesmo Cristo. No entanto, já foi criticado e ofendido por ex-adeptos da religião, ateus e agnósticos, por não compartilharem da mesma fé.

“Fé é energia, é acreditar que tudo pode melhorar.” – Leonardo de Oliveira

“Fui batizada aos 10 anos, mas desde criança, não sentia necessidade de acreditar em Deus”. A afirmação é de Catarina Barbosa, 19, estudante da UFOP. A família de Catarina é adventista e não sabe de sua escolha. “O maior preconceito que sofri foi da minha mãe. Quando contei para ela que não acreditava em Deus, tivemos uma briga feia. Hoje ela aceita, mas se eu contar para o restante da família, o caos surge”, revela. Com 11 anos, Catarina assumiu o ateísmo como opção religiosa. Sobre as outras crenças, afirma buscar o bom convívio. “Procuro aceitar a religião de todos pois penso que, se não quero sofrer preconceito, não posso ofender os religiosos”, conclui.

O que é fé para você?

 

Editora: Laura Nobre

Repórter: João Vitor Marcondes, Luiza Felipe, Thaís Medeiros

Fotos: Lívia Monteiro

Colaboração: Osmar Lopes Neto