Entre trotes e batalhas

Entenda as mudanças no estatuto das repúblicas federais de Ouro Preto

Por Caio Aniceto, Igor Capanema, Joyce Fonseca, Sílvia Cristina Silvado e Thatyanna Mota

Quadros de ex-alunos de república federal, tradição em Ouro Preto. / Imagem: Joyce Fonseca

O sistema republicano vigente em Ouro Preto é único em todo Brasil. A cidade histórica abriga 337 repúblicas. Destas, são 278 particulares e 59 federais, sendo as casas das últimas cedidas e mantidas pela UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto). Conhecido por sua organização hierárquica e promoção de tradicionais eventos, esse sistema se mantém cercado de polêmicas. As discussões sobre trotes vivenciados por calouros e exageros no consumo de bebidas alcoólicas durante o processo de “batalha” (em que os novos estudantes, apelidados de “bixos”, concorrem às vagas de moradores) atingiram seu auge com a morte dos estudantes Daniel Macário de Melo Júnior (27), estudante de Artes Cênicas (morador da república particular Nóis é Nóis) e Pedro Silva Vieira (25), estudante de Química Industrial (morador da república federal Saudade da Mamãe), fator determinante para que a UFOP promovesse uma reestruturação no estatuto e no regimento interno das repúblicas federais. Segundo a UFOP, o novo estatuto visa garantir maior controle da Universidade quanto à ocupação das vagas, aprimoramento dos critérios de seleção, permanência e exclusão, bem como os direitos e deveres dos moradores e candidatos.

Punição - Em 2010, o Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) pressionou a universidade para que esta determinasse como único critério para seleção nas repúblicas federais a situação socioeconômica dos estudantes, ou seja, favorecendo os alunos carentes. Segundo a assessoria de comunicação da Procuradoria da República de Minas Gerais, o MPF recebeu denúncias quanto à plena liberdade oferecida pela universidade aos estudantes republicanos, que utilizam como único método de escolha “a submissão de estudantes novatos a situações degradantes que perduram por até seis meses”, o estágio conhecido como batalha. O MPF declarou ainda que a conduta da universidade seria ilegal, pois os imóveis cedidos a estudantes são bens da União e sua destinação deve ser para auxiliar alunos carentes. Para o órgão, a situação em Ouro Preto representava claro desvio de finalidade, o que permitiria a aplicação do artigo 11 da Lei da Improbidade Administrativa.

A Procuradoria obrigou ainda a UFOP a enfrentar o sistema de trotes e batalhas utilizado em muitas repúblicas, afirmando que a instituição compactuaria com atos degradantes aos direitos e dignidade da pessoa humana, repudiando práticas ilícitas como costumes ou tradições inerentes à vida republicana. O MPF afirmou que várias denúncias a ele dirigidas requisitavam o fim de tais atos.

Em 2012 as discussões sobre abusos cometidos em repúblicas foram reacesas com a morte de Daniel pelo suposto consumo exagerado de álcool em uma festa que garantia ao aluno o status de morador, após o período de batalha pelo que os bixos teriam de passar. No mês seguinte, a UFOP declarou luto pela morte de outro estudante (Pedro), supostamente pelas mesmas causas.

Campanha ”Avalie Seu Consumo!”. / Fonte: Reprodução/UFOP.

Conscientização – No mesmo ano em que os dois estudantes faleceram, através das redes sociais, a UFOP lançou campanhas de conscientização sobre o exagero no consumo de drogas lícitas e ílicitas. Projetos como o evento Sou Mais Juventude foram promovidos pela universidade, que realizou palestras e debates educativos sobre o tema. Uma reação mais enérgica veio quando a universidade, em conjunto com a Associação das Repúblicas Federais de Ouro Preto (REFOP), elaborou e decretou uma reforma no estatuto dos imóveis públicos. Segundo a Pró-Reitoria Especial de Assuntos Comunitários e Estudantis (PRACE), o primeiro estatuto das Repúblicas Federais foi aprovado pela Resolução CUNI nº779, em 2006, como uma resposta a um pedido do Ministério Público de regulamentação das moradias estudantis. Desde então, diversas medidas apresentadas pelo órgão teriam sido adotadas pelas repúblicas de forma a cumprir as exigências demandadas. O novo estatuto, em vigor desde 21 de outubro de 2013, visa propor regras gerais do processo de ocupação das Repúblicas Federais de Ouro Preto, garantindo princípios de inclusão, igualdade e transparência, bem como atualizar e corrigir questões que não foram contempladas no estatuto anterior.

Além de eventos e campanhas de conscientização, a universidade conta ainda com o Portas Abertas, um projeto da PRACE que oferece apoio psicológico aos estudantes da instituição, entre eles os que apresentem problemas que possam causar ou agravar o consumo de álcool e outras substâncias. “A pesquisa nacional da ANDIFES, publicada em julho de 2011, aponta que 14% dos alunos de Universidades Federais fazem o uso frequente do álcool, na UFOP o dado apresentado foi de 29,18% para uso frequente e 52,97% para consumo ocasional. Não é comum que o estudantes procurem os serviços da PRACE com o objetivo de reduzir o consumo de substâncias, geralmente as consequências do consumo são os principais motivos para busca de atendimento no Portas Abertas, por exemplo, insônia, dificuldade de concentração e aprendizagem, alterações de humor, dentre outros”, afirma a psicóloga da PRACE Joseane Mendes Teixeira.

Calouras carregando placas das repúblicas onde batalham. / Imagem: Joyce Fonseca

“A principal motivação para a mudança foram as mortes dos estudantes moradores de repúblicas federal e particular. A Universidade instituiu uma comissão de sindicância para apuração da morte do estudante da república Saudade da Mamãe e o relatório final apontou algumas mudanças necessárias, inclusive alterações no próprio Estatuto”, disse a psicóloga. O novo estatuto terá também, segundo Teixeira, papel definitivo no acompanhamento do rendimento acadêmico dos republicanos. “A partir do primeiro semestre de 2014 as notas dos moradores de Repúblicas Federais serão acompanhadas pela PRACE e aqueles que tiverem rendimento semestral menor do que 5,0 serão convocados para o acompanhamento do Programa Caminhar. Em caso de reincidência o estudante pode perder sua vaga na república, passando a mesma a constar como vaga ociosa no cadastro da PRACE”, explicou.

Indignação - Em depoimento, um estudante da UFOP e ex-morador de república federal R. S. B. (nome fictício) falou sobre a morte do estudante Daniel e mostrou seu ponto de vista com relação ao sistema de batalhas das repúblicas. Confira o depoimento na íntegra:

No último fim de semana um acontecimento trágico ocorrido em uma república estudantil em Ouro Preto foi noticiado em vários veículos de comunicação do Brasil.

Acompanhei as reportagens da semana publicadas em impressos e também on-line. Os alunos entrevistados e também a gestão da UFOP consideraram tal acontecimento como uma simples fatalidade. Mas claro que assim fariam, já que uma “fatalidade” dessa pioraria a imagem de beberrões que os alunos da universidade já tem. A grande maioria dos estudantes prestam vestibular para a UFOP sabendo que há muitas festas regadas a muito álcool e drogas. Aproveitam que estão distantes da família para “curtir” essa fase da vida com tamanha liberdade. Eu diria “libertinagem”.

Quando fiquei sabendo do ocorrido com o Daniel pensei: “Meu Deus! Poderia ter ocorrido comigo.”

Quando vim para Ouro Preto não sabia da fama das repúblicas, da universidade, muito menos do sistema aplicados em grande parte das republicas estudantis. Sabem que sistema? Acho que mencionaram somente que há um processo de “batalha de vaga” nas repúblicas, mas nenhum aluno fala de como se dá realmente esse processo. Talvez porque poder-se-ia enxergar a gravidade do problema vivido nas repúblicas estudantis de Ouro Preto, e que este sistema pode sim, ter contribuído para culminar na morte de Daniel e de muitos males sofridos por outros estudantes que tiveram sorte de ser resgatados, socorridos.

Em todas as repúblicas federais existe um sistema chamado de “batalha” para tornar-se um morador. Neste processo, os calouros, também chamados de “bixos” são submetidos a uma série de obrigações e humilhações. Na hierarquia da república, o bixo é o estagio inicial pelo qual deve primeiramente, querendo ou não, raspar a cabeça para se diferenciar como o calouro da casa. Nas festas que ocorrem dentro ou fora das repúblicas, o bixo é obrigado a servir todos os moradores da casa e também convidados, caso a festa seja em sua república. Até então tudo bem, todos os moradores já passaram por isso e na hierarquia os semi-bixos (bixos do período anterior, agora moradores) devem aplicar tudo o que passaram aos recém-chegados. Nestas festas, o bixo é OBRIGADO também a beber. Beber quanto os moradores quiserem que ele beba, não sendo o bixo quem decide a hora de começar e a hora de parar. Enquanto isso ele é o garçom da festa.

Eles dizem: “Ah bixo, você não irá fazer amizade bebendo leitinho”. “Se você não beber ficará difícil ser escolhido pra morar com a gente”. “Vem cá bixo, toma essa cachaça aqui”.

 

E sabem o que acontece se você não faz o que eles querem? À noite você recebe um castigo: os semi-bixos vão até seu quarto e reviram tudo o que te pertence. Reviram sua cama, colchão, guarda-roupa, dão nós e jogam suas roupas no chão. Colegas meus que tiveram as roupas penduradas até em árvores. Nestas festas eles não te perguntam se você quer ir ou não, simplesmente dizem: “Bixo, tem uma festa em tal lugar, em meia hora estamos saindo”. Quer você queira, quer não.

Vim para a UFOP em 2011 e comecei a batalhar vaga numa república estudantil masculina. Pensei que somente a boa convivência com os moradores, ajudar nas tarefas e dividir as contas seriam suficientes para ser aceito na casa. Ainda mais porque as casas são de propriedades da universidade e teoricamente servem para contribuir na permanência do estudante na UFOP. Fiquei cerca de 2 meses “batalhando vaga”. Não pagaria aluguel, minhas despesas seriam menores do que morar em república particular. Mas desde que entrei comecei a enxergar de verdade como era o sistema. E me surpreendi ao ver que em pleno século 21 existe uma tradição tão idiota, tão medieval, praticada por pessoas que se dizem inteligentes por estarem em um curso superior. Obrigar as pessoas à submissão, humilhar “pra ver se você aguenta a batalha”, beber até a hora que eles querem.

Para muitos, isso é normal aqui e também seria um ”American Pie” brasileiro: sexo, álcool e drogas. Para quem gosta é um prato cheio. Mas isso tem consequências terríveis para quem não tem costume de beber, como eu.

Muitos saem das repúblicas como alcoólatras, viciados em alguma substância tóxica. Eu não tinha contato com bebida até então, mas por não ter outro lugar para morar, não ter grana para bancar pensão ou república particular e também não ter vaga em alojamento, fui submetido a tudo que era necessário para permanecer com um teto para morar. Mesmo sem condições de estudar durante o periodo da batalha. Chegava de ressaca todos os dias nas aulas.

Em um dia em que houve uma festa na república em que batalhei, fui obrigado a consumir todo tipo de bebida: cachaça, cerveja, whisky, batidão (uma mistura de vodka barata e suco) sendo este por sua vez muitas vezes misturado a algum tipo de alucinógeno, ecstasy. As festas todas são regadas a drogas a qualquer hora. Nesta noite fui carregado para o quarto pelo semi-bixo e deixado lá para descansar. Já era quase de manhã. Passei muito mal, vomitei muito (como Daniel). Tive ajuda do meu colega de batalha também bixo. No outro dia de manhã acordei trêmulo, com meu coração acelerado, ainda sob efeito do álcool. Desci as escadas de acesso a cozinha apoiado nas paredes e quando a empregada da casa me viu queria me levar ao hospital, pois estava passando muito mal e como não tinha contato com álcool poderia culminar até em algo mais grave. Isso é o mínimo que ocorre nas repúblicas de Ouro Preto.

Desde este dia eu decidi que mesmo se eles não me aceitassem na casa eu não iria mais me submeter a nenhuma obrigação de beber. Faria as tarefas da casa, iria nas festas pra servi-los mas não beberia. Em uma das festas em que não bebi, a todo momento queriam que eu tomasse cachaça e eu dizia que não iria mais beber. Então um morador deu a entender que eu seria expulso da república.

Daí em diante eu já saquei que iria ser “catado”, termo usado quando o calouro não é aceito pelos moradores.

Na semana seguinte se reuniram e decidiram que eu não fazia o “perfil da galera”. Mas isso só foi constatado depois de dois meses batalhando a vaga e depois que decidi não beber mais. Depois disso fui obrigado a trancar período e voltar para casa até encontrar um meio de continuar meus estudos na UFOP ou desistir de Ouro Preto. Na época busquei apoio na PRACE – Pró Reitoria de Assuntos Comunitários e eles não puderam me ajudar pois os alojamentos existentes na UFOP já estavam todos ocupados. E o critério de seleção dos novos moradores de repúblicas federais (casas pagas com dinheiro do contribuinte) era decidido pelos burguesinhos beberrões que insistem em continuar com essa tradição ignorante.

Pode-se considerar uma fatalidade ocorrida com Daniel, mas isso poderá se repetir e poderia ter ocorrido muito antes devido a essa cultura inútil, tradição besta criada pelos moradores de repúblicas de Ouro Preto.

Soube que agora, nas repúblicas, tem mais trotes sendo aplicados: inventaram de jogar baldes de água fria nos bixos, ainda vestidos, estando frio ou não. Só para se divertirem um pouco e verem até quando o calouro irá resistir à batalha. Se ele é digno de levar o título nobre de Morador de República Federal Ouropretana, pode continuar essa tradição que só aumenta o número de estudantes beberrões.

Tanto a PRACE quanto o Reitor estão cientes dos abusos que ocorrem nas repúblicas. E a maior atitude deles é lançar uma nota de pesar sobre a morte do estudante. Se espera uma atitude mais enérgica da UFOP.

Agradeço caso vocês tenham tido paciência de ler todo este texto. Só gostaria de explicitar o que ocorre de verdade nas repúblicas estudantis de Ouro Preto.

O novo estatuto pode ser encontrado, na íntegra, aqui.

R. S. B., três anos depois de abandonar sua antiga república, concedeu uma entrevista ao #tecer. Hoje, o estudante está em outro curso e vive nos apartamentos estudantis da UFOP. Ele falou sobre as mudanças que ocorreram em sua vida desde então, além de suas expectativas e opiniões acerca das tradições republicanas e do novo estatuto.

#tecer – Onde você passou a morar depois que não foi aceito?

Batalhei dois meses na república, mas a situação chegou a um ponto em que eu vi que não daria mais. De acordo com o estatuto das repúblicas, e elas tendo seu estatuto interno, a universidade não se responsabilizaria pela minha expulsão. O critério era deles e não havia nenhum retorno disso para a universidade, sobre quem entrava e quem saia. Depois que resolvi retornar à Ouro Preto, eu não tinha noção para onde eu iria, vim mesmo contando com a sorte. Eu estava em outra cidade e decidi que caso eu não conseguisse algum recurso da universidade eu iria procurar a igreja, um pastor ou padre, alguém que tivesse a função de ajudar, que poderia me abrigar por um certo tempo, porque se a universidade não podia fazer isso, eu não conhecia ninguém que pudesse. Com a ajuda de alguns ouropretanos consegui viver em uma casa alugada por um ano e meio. Tudo que eu usei naquele período foi doado. Só saí desse lugar para morar nos apartamentos da UFOP.

Como funcionam os apartamentos?

Funcionam basicamente como os alojamentos individuais. Como é um sistema de seleção novo, há um processo de seleção inicialmente e depois um sorteio. Há apartamentos femininos e masculinos. São dois prédios e em cada prédio há 12 apartamentos. Não há a separação dos prédios por feminino e masculino. A seleção é por critério socio-econômico. Os aprovados se reúnem e são sorteadas quatro pessoas para cada apartamento. Em novembro houve esse sorteio e eu fui morar lá.

A Universidade tem um regimento que ainda está em fase de construção, mas há regras que já são impostas pelo manual e dentro desse regimento não há nenhum critério sócio-econômico, mas há uma série de regras que não podemos deixar de cumprir. Por exemplo, não podemos fazer festas que durem muito tempo sem a autorização do vizinho ou da UFOP quando for um evento maior. Há uma série de regras que as repúblicas não precisam obedecer.

E as pessoas com quem você divide o apartamento hoje em dia, como é a relação entre vocês?

Muito tranquilo, apesar de que em outros apartamentos há alguns problemas. Por ser sorteio, você obrigatoriamente tem que conviver com essas pessoas.

E as mudanças na sua vida depois que você desistiu da batalha?

O período de batalha é um período de humilhação. Eles o tempo todo te chamam de inútil, imprestável, criam apelidos pejorativos, qualquer característica sua que difira deles é motivo de piada. Você sofre um tormento psíquico, além de ser obrigado a beber. Uma coisa é você beber com seus amigos, outra é ser obrigado. Quando saí da república não precisava mais fazer nada disso. Eu saio quando eu quero e tenho meus horários para estudar e para me divertir. Agora tenho essa liberdade.

Na sua opinião, porque as pessoas ainda procuram as repúblicas federais mesmo conhecendo o sistema?

Nem todos conhecem o sistema. Muitos vem, assim como eu, sabendo apenas que existem as repúblicas: casas do governo, cedidas pela universidade para os estudantes que precisam lutar por vagas. Mas nem todos precisam das casas do governo. Pelo contrário, muitos ali conseguiriam alugar apartamento ou uma casa. Inclusive, muitos tinham até carro e moravam nas federais.

Você acredita que os moradores se beneficiem com os eventos que organizam nas repúblicas?

Com certeza. Você tinha a caixinha mensal que girava em torno de R$160,00, e a bolsa é de R$240,00 para suprir esses gastos mensais e suprir eventuais compras de eletrodomésticos ou alguma outra coisa. O carnaval e todas as outras festas que eles promovem eu considero bem arbitrário mesmo, pelo preço cobrado pelos pacotes. Mas antes de questionar o preço, eu questiono o seguinte: se é um lugar público, cedido para alunos que necessitam de moradia, porque é alugado para turistas em temporada de festa?

Bloco do Caixão, organizado pela República Necrotério. / Imagem: Reprodução / F Mendes Eventos

E o que você acha do novo estatuto? Acredita em resultados?

Eu cheguei a ouvir a entrevista da Carmélia Vaz Penna (coordenadora de Assuntos Estudantis) para a rádio UFOP. Os resultados dependem. No estatuto antigo, está escrito que as repúblicas recebem vistoria periodicamente. Não sei qual periodicidade há, fiquei lá dois meses e não recebi nenhuma visita. Todas as festas eram regadas a muito álcool, muita droga e até então não havia intervenção nenhuma. O novo estatuto, acredito, dá mais direitos ao calouro caso ele se sinta prejudicado. Por exemplo, no antigo estatuto está escrito: o critério de seleção é somente feito pela república. Então se eu reclamasse eles poderiam dizer: “foi porque ele não contribuiu com a caixinha, não fez as tarefas direito” e pronto, acabou. Era algo verbalmente solucionado. Nesse sentido o estatuto pode inibir algumas práticas. O calouro vai lá, assina que entrou em tal federal, e acho que são três meses para ser aceito ou não. Caso ele seja catado (não aceito), ele registra na PRACE e justifica. Mas qual será essa justificativa? O que os moradores irão falar? Porque talvez o rapaz possa ter tido, sim, um comportamento que não foi legal durante sua convivência. Mas e o calouro que se sentiu prejudicado, como eu, nessa situação em que foi humilhado, sofrendo trotes todos os dias? Se ele for justificar dessa forma, a república poderá declarar que ele não fez as tarefas de casa? Que ele não ajudou na caixinha? Então não sei como isso resolve a situação, mas pode contribuir para evitar trotes. O calouro pode ate sentir medo de dizer o que aconteceu com ele, mas terá um aparato legal porque estará no regimento. No entanto, ele pode muito bem ter receio de dizer para não ser hostilizado pela república.

R. S. B. salientou ainda que a melhor maneira de contribuir para que a prática do trote não ocorra mais é pelo critério socio-econômico, algo que, segundo ele, ainda não ocorre. “A seleção não mudou, pelo que ouvi. Se um calouro tem interesse em batalhar em determinada república e ela não tiver vagas, ele será redirecionado para uma república que tenha. Nos apartamentos e nas moradias individuais, o único critério que existe é o socio-econômico.”, disse o estudante. “Não estou dizendo que resolverá o problema, mas seria o mais justo”, complementou.

Resposta - Nossa equipe entrou em contato com os moradores da república federal Adega, Leandro Henrique Souza Morais (conhecido como “Pelonstro”, à direita no vídeo), estudante de Serviço Social, diretor de Assuntos Políticos da REFOP e representante discente da Comissão Estatuinte, e Luiz Otávio Graçano Castro (conhecido como “João Plenário”), estudante de Engenharia de Minas e secretário da REFOP.

Na entrevista em vídeo, os republicanos esclareceram o funcionamento das repúblicas federais através do novo estatuto, do regimento interno individual e dos princípios da hierarquia e da auto-gestão. De acordo com Luiz Otávio, o estatuto funciona como regra geral para as repúblicas e o regimento interno é definido por cada casa.

Leandro Henrique garantiu que os trotes estão proibidos nas repúblicas. Segundo ele, o calouro que se sentir prejudicado física ou psicologicamente deve recorrer à PRACE. “Já não é novidade para ninguém que os trotes foram todos abolidos. Sugere-se que havendo alguma incidência, seja feita denúncia”, disse o estudante. “É preciso que ocorra uma mudança na conduta (dos moradores)”, acrescentou.

Edição Geral: Caio Aniceto

Edição de Multimídia: Igor Capanema e Joyce Fonseca

Reportagem: Sílvia Cristina Silvado e Thatyanna Mota