Além dos portões

Um lugar no centro de Mariana aguça a curiosidade

Por Aleone Higidio, Andrezza Lima, Lara Cúrcio, Lucas Campos, Mariana Araújo

Vila Santa Luiza de Marillac. / Imagem: Lara Cúrcio

A Vila Santa Luiza de Marillac é uma construção localizada no Centro de Mariana – MG, na Rua das Mercês, número 120. Composta originalmente por 12 casas, que têm em média 25 m², fica em um terreno doado pela Arquidiocese de Mariana ao Colégio Providência. A chamada “Casas dos Pobres” foi fundada em 15 de março de 1938 pela associação religiosa “Luizas de Marillac”. O objetivo da Vila é abrigar idosas que não têm onde morar. Atualmente, o local acolhe oito moradoras: Izabel “Rainha de Portugal”, 74, Maria Ferreira, 86, Tereza César Felipe, 70, Adelina Stevan, 74, Elza Braga, 73, Elizabeth Braga, 64, Francisca Carvalho, 83,Carmelina Ferreira, 82.

O nome da Vila é uma homenagem à fundadora da “Companhia das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo”, Santa Luiza de Marillac. As Irmãs da Companhia foram responsáveis pela fundação do projeto inicial, chamado “Luizas de Marillac”. A associação, fundada em 15 de março de 1934, era formada inicialmente por moças (de 16 a 40 anos) que visitavam e auxiliavam pobres velhas, sob a direção das Irmãs de Caridade do Colégio Providência.

Irmã Terezinha Duarte de Aquino Filha, 62, vice-diretora do Colégio Providência e coordenadora da Vila, diz que o Hotel e o Colégio Providência sustentam a obra social atualmente. Segundo ela, as moradoras são aposentadas e colaboram com R$50,00 mensais, revertidos em reformas e construções no local. Agora, por exemplo, está sendo implantado um novo padrão de luz com esse dinheiro. A Irmã afirma que, depois de terminada a obra, a parte elétrica e o telhado das casas serão reformados. A Prefeitura de Mariana contribui com remédios e atendimentos médicos. A Vila possui uma lavanderia e um salão, onde são feitas as reuniões, festas de Natal e aniversários. A única geladeira, localizada no salão, é utilizada por todas as residentes.

Terezinha afirma que a Vila só abriga mulheres, pois, segundo ela, “se colocar homem e mulher dá confusão”. Mas Rubem, funcionário do Colégio Providência, mora na Vila e tem duas casas ao seu dispor. “Ele mora lá, porque se houver alguma urgência ele tem carro e atende as moradoras”, confirma a Irmã. Ao ser indagada sobre as atividades realizadas pelas moradoras, a Irmã responde: “elas não são alienadas totalmente, participam das coisas da igreja e não são velhinhas abandonadas que ninguém quer saber”. A Vila conta, ainda, com uma funcionária que cuida das idosas de 8h às 17 h, Maria Lúcia de Souza, 43, que trabalha lá há 6 anos.

Irmã Terezinha (D), Maria Lúcia (centro) e as idosas moradoras no salão comunitário./ Imagem: Lara Cúrcio.

Histórias

Entramos pelos portões enferrujados do lugar. Somos acompanhados durante todo o caminho pela Irmã Terezinha e a funcionária Maria Lúcia.Começamos pela casa de Carmelina e ela logo anuncia: “Eu não sei conversar”. A senhora é humilde, morava na roça e diz que preferia viver lá, pois, além de se divertir, podia cuidar da sua plantação. A rotina agora é cuidar de um pedaço da horta, localizada na entrada da Vila, e ir à igreja todos os dias. Além disso, ela conta que adora viajar e participar de Romarias em Aparecida do Norte (SP) e Urucânia (MG).

Francisca (E) e Tereza (D). / Imagem: Lara Cúrcio

Francisca, que mora com Tereza, conta que veio de São Bartolomeu para cuidar de um sobrinho. Quando perguntamos se ele a visita, emocionada, conta que o sobrinho vai lá às vezes. Chorando, comenta: “Não é que ele vem pra procurar as coisas comigo, mas eu ajudo com o que posso”. Francisca não responde quando perguntamos se gosta de morar na Vila, mas diz que “vai vivendo”: “tem horas que perco onde guardo as coisas e fico sem saber onde procurar e se tiver alguma coisa que maltrata, fico nervosa!”. Já Tereza é uma senhora animada e “faladeira”. Quando perguntamos o que faz durante o dia, ela revela, entre risos: “Ah, fico à toa”.

Elza (E) e Elizabeth (D). / Imagem: Lara Cúrcio

Ao chegarmos à quarta casa, somos recebidos com simpatia e sorrisos carismáticos no rosto. As irmãs Elza e Elizabeth, únicas moradoras brancas da Vila, dividem uma casa que dá a impressão de ser menor que as outras e mais humilde. Apesar de fazerem questão de manter tudo limpo, as condições do local não parecem apropriadas para a atual situação de saúde em que se encontram. Elizabeth conta que foi ao médico recentemente pois estava perdendo peso e sentindo as pernas trêmulas. Nos contam histórias de vida inspiradoras, algumas tristes, sempre narradas com muito orgulho. As irmãs perderam a mãe há cinco anos e na tentativa de espairecer, alguns dias depois, foram à Praça Gomes Freire, localizada no centro de Mariana. Nesse mesmo dia, uma mulher que passava no local viu as duas senhoras sentadas no banco e decidiu presenteá-las com flores e doces. Elza conta que essa mulher, com o intuito de ajudá-las, conversou com as Irmãs de Caridade para arranjar um lugar para elas ficarem até “a tristeza passar”. Desde então, as duas moram na Vila. Elas comentam que seu único entretenimento é faxinar a casa. “A gente queria um bichinho, mas não deixam!”, conta Elizabeth. Elas ainda têm um irmão e sobrinhas. Segundo Elza, o irmão faz poucas visitas, porque é muito “sistemático”, mas as sobrinhas sempre vão lá. Durante a conversa, Elza relembra os dez anos em que trabalhou numa creche, em Belo Horizonte. Ela conta sobre o seu amor por crianças com muita emoção e brilho no olhar. Perguntamos se poderíamos visitá-las novamente, mas elas respondem contrariadas: “Aqui eles que mandam. Nós não mandamos em nada”.

Nosso último encontro na Vila é com Izabel “Rainha de Portugal”, como é conhecida. Sua casa é azulejada, arejada e de aparência agradável. Izabel tem três papagaios. Aposentou-se pelo Colégio Providência, onde cozinhava, lavava e passava roupas. Perguntamos sobre o que a “Rainha” faz no seu dia-a-dia. A resposta vem com gosto: “Faço meus crochês”. Durante a conversa, Izabel nos mostra os seus trabalhos manuais. Além das peças em crochê, ela também produz tapetes de cordas. Das moradoras da Vila, é a única que faz cursos de costura.

A Vila recebe, periodicamente, a visita de uma assistente social. Ela foi procurada, mas não quis conceder nenhuma entrevista por se tratar de um assunto relacionado a um órgão privado.

Conheça um pouco mais das moradoras da Vila: