A política como ideal

 Por Luiza Mascari

Foto: Luiza Mascari

Foto: Luiza Mascari

José Joaquim Costa Ulhôa, o Zeca, nasceu em 1928 na cidade de Paracatu, região noroeste do estado de Minas Gerais. Desde muito jovem teve uma grande participação na política local e um enorme senso de responsabilidade social, herdado de seu pai Adrílio Ulhôa. Foi eleito vereador em 1970 pelo MDB e após seu mandato tornou-se chefe de gabinete do então prefeito reeleito Diogo Soares Rodrigues. Acompanhou de perto vários fatos que entraram para a história da cidade e se orgulha de se manter fiel aos seus ideais, políticos e sociais.

Atualmente, aos 84 anos, é Diretor Presidente do Jóquei Clube Paracatuense e escritor. Em seus livros conta lembranças e fatos da história da cidade em forma de prosa e poesia.

Luiza Mascari: Quando iniciou o seu interesse por política?

José Joaquim: Quando jovem eu acompanhava meu pai, que participava ativamente da vida política da época, apoiando o PST, partido de Getúlio Vargas. Foi ele que me filiou ao partido.

LM: Os partidos políticos naquela época tinham maior expressão do que os atuais?

JJ: O apoio aos partidos era mais forte, mesmo porque naquela época eles lutavam por ideais muito definidos, quando você se filiava a algum partido você definia o seu apoio à visão e as propostas partidárias deles.

LM: Você, como colega de partido de Getúlio Vargas, concordava com o direcionamento político dele?

JJ: A primeira eleição de que participei foi justamente a eleição de Getúlio, naquela época as cédulas não eram preenchidas na urna, mas levadas prontas apenas para serem depositadas. Como meu pai e eu éramos afiliados do PTB nossas cédulas já estavam marcadas com o nome de Getúlio Vargas. Eu, entretanto, tinha uma visão diferente de política, o considerava um ditador. Então entrei na seção de votação mas não depositei meu voto na urna. Foi o meu modo de protestar contra aquilo que eu não achava correto.

LM: E a disputa partidária era mais intensa?

JJ: Havia bastante competição, os principais partidos opositores daquela época, a UDN e o PSD dividiram a cidade e geraram vários conflitos. Naquela época existiam as fazendas que eram os polos políticos da região, a Fazenda Santa Maria, que apoiava a UDN e as Fazendas Conceição e Santa Helena, que eram partidários do PSD. Os donos dessas fazendas eram líderes políticos na região e influenciavam os votos dos que trabalhavam nelas ou nos arredores. Algumas pessoas tinham suas datas de nascimento modificadas para que pudessem votar, e eram transportadas até a seção de votação com as cédulas prontas de determinados candidatos, isso acontecia em ambos os partidos.

Ainda nesse período a disputa era tão intensa que existiam famílias que não conversavam, trocavam de calçada para não encontrar ou não passar na porta de opositores políticos, casamento então, era praticamente proibido!

LM: Como surgiam lideranças dentro da cidade?

JJ: Normalmente eram escolhidos dentro das famílias mais tradicionais, pessoas que se destacavam por seu interesse ou por seu talento para acompanharem aqueles cuja participação política já era definida. Doutor Almir Alaor, por exemplo, que foi prefeito na década de 60, era genro do Doutor Joaquim Brochado, dono da Fazenda Santa Helena e foi preparado por ele para a vida política, pois era de interesse que houvesse quem representasse seus ideais dentro de Paracatu. Outro trampolim para a prefeitura era justamente o cargo que eu ocupo hoje, o de Presidente do Jóquei Clube.

LM: Você acredita que essa prática tenha acabado?

JJ: Não, ainda existem lideranças dentro da cidade que preparam seus candidatos da mesma forma que acontecia, porém de uma maneira menos explícita. E o cargo que hoje serve de trampolim político é o cargo de Presidente da Cooperativa de Paracatu.

LM: Como a transferência da capital para Brasília, devido à proximidade das duas cidades, afetou a relação política de Paracatu com o Governo?

JJ: A cidade cresceu muito, Juscelino Kubitschek tinha uma relação próxima com Paracatu e nos visitou muitas vezes, antes mesmo de se tornar Presidente da República. Em uma das suas visitas aqui, na campanha para governador, chegou a causar uma grande confusão, os opositores tacaram ovos nele na sua chegada. Porém a história da cidade pode ser definida como antes e depois de Juscelino, ele fez muito por Paracatu, direta e indiretamente, a construção de Brasília e da BR-040, deram visibilidade para a cidade, facilitaram o transporte onde antes era um sertão isolado, o que possibilitou o desenvolvimento. Construiu também a ponte sobre o Rio Paracatu, que antes era atravessado de balsa, ou seja, olhou para aquele “interiorzão” como ninguém tinha feito antes.

LM: Em 1970, quando você era vereador, a rivalidade partidária já havia se tornado mais amena?

JJ: Não havia mais tantas brigas, mas a disputa ainda era acirrada. Um exemplo que eu posso te dar, nessa mesma eleição, quando Diogo Soares Rodrigues foi eleito prefeito, sumiram com a chave da prefeitura, para atrapalhar a sua posse. Então existiam essas coisas, que parecem até brincadeirinhas, mas que demonstram ainda uma rivalidade.

LM: E quais eram os principais desafios que um vereador enfrentava naquela época?

JJ: Nós trabalhávamos por ideal, não recebíamos salário e nunca fizemos da câmara uma fonte de renda. A remuneração para vereadores surgiu depois, duas eleições após a minha, no meio do regime militar como uma forma de amaciar os políticos. As reuniões eram feitas em uma sala da própria prefeitura, com poucos funcionários e quase nenhuma estrutura. Mas naquela época nós trabalhávamos para o bem da comunidade, então valia a pena.

LM: Qual a sua visão da política atual?

JJ: Hoje em dia a política virou negócio, as pessoas fazem dela seu meio de vida e se utilizam de meios escusos para isso. Não acho correto dizer que todo político é desonesto e não acredito em muita coisa que falam por aí, mas existem sim aqueles que se aproveitam do dinheiro público. Nós, que trabalhávamos de graça sem recursos ou privilégios, tínhamos uma consciência social muito maior.