Educação – direito ou privilégio?

Maioria dos estudantes brasileiros conclui o ensino médio em escolas públicas, mas cursa instituições particulares de ensino superior

Por Caio Aniceto, Igor Capanema, Joyce Fonseca, Silvia Cristina Silvado e Thatyanna Mota

Escola Estadual D. Pedro II, Ouro Preto. Foto: Joyce Fonseca

Escola Estadual D. Pedro II, Ouro Preto. Foto: Joyce Fonseca

De acordo com o censo de 2008 realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 88% (ou 30,5 milhões de pessoas) dos estudantes que cursavam o ensino médio no Brasil estavam em uma escola da rede pública, enquanto a rede particular registrou 12% (4,1 milhões) dos alunos. No entanto, os dados se invertem quando avaliadas as matrículas em instituições de ensino superior: 23,4% (1,5 milhão) dos alunos estudam em faculdades ou universidades públicas, enquanto 76,6% (mais de 4,9 milhões de pessoas) frequentam instituições privadas. Na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), por exemplo, segundo dados oficiais divulgados pela instituição, 45% de seus estudantes cursaram o ensino médio em escolas federais ou estaduais, estimando-se um acréscimo de 5% até 2016. Com a substituição do vestibular pelo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) há três anos, houve um aumento de 10% nas aprovações dos alunos de escolas públicas na UFC (Universidade Federal do Ceará), onde 70% dos ingressantes de 2013 foram alunos da rede pública de ensino.

Entretanto, para a estudante Bruna Maria Rodrigues dos Santos, que cursou todo o ensino fundamental e médio em instituições públicas, a educação básica que lhe foi dada não bastaria para garantir sua aprovação em uma universidade. “Não creio, por minhas experiências, que estudando na escola estadual eu conseguiria passar, tanto que fiz cursinho (pré-vestibular COOPVEST) por fora.” Conta Bruna, que hoje cursa Química Industrial na UFOP. “Não há como competir com as escolas particulares porque elas se adaptam a mais atividades, a um novo tipo de ensino focando o vestibular”, completa.

Douglas Gomes, estudante de Jornalismo da UFOP e egresso do ensino público, salienta ainda a diferença na qualidade do ensino dentro da própria rede pública de ensino, especialmente entre o ensino federal e o estadual: “A escola municipal, como é subordinada à Secretaria de Educação do município, tem uma estrutura menor, o nível da graduação dos professores é menor. Quando eu entrei no CEFET (Centro Federal de Educação Tecnológica, atual Instituto Federal de Minas Gerais), 80% dos meus professores tinham doutorado, por exemplo”. Douglas e Bruna são dois dos poucos alunos advindos do ensino público que conseguiram ingressar em uma universidade pública. A esmagadora maioria dos estudantes de escolas municipais, estaduais e federais precisa investir em instituições privadas de ensino superior, por não se sentirem preparados para vencer o vestibular ou até mesmo o Enem.

Apesar disto, segundo o MEC (Ministério da Educação e Cultura), de 2009 para 2010, a nota dos alunos de escola pública no Enem cresceu 11 pontos, mais do que entre estudantes dos colégios particulares no mesmo período, cujo aumento foi de seis pontos. Além disto, está em vigor a Lei de Cotas, que garante 50% das vagas nas Universidades e Institutos Federais para egressos de Escola Pública.

Escola Estadual Dom Velloso, Ouro Preto. Foto: Joyce Fonseca

Escola Estadual Dom Velloso, Ouro Preto. Foto: Joyce Fonseca

A educação básica reflete diretamente na formação dos estudantes que pretendem conquistar uma vaga em uma universidade pública. A professora Ana Rosária Macedo atua na profissão há 30 anos e está concluindo uma pós-graduação em “Ética, Valores e Cidadania” pela USP (Universidade de São Paulo). Para ela, esta importantíssima etapa vem sendo negligenciada na maioria das escolas públicas do Brasil. Segundo a educadora, problemas de infraestrutura também são recorrentes: “Faltam materiais, orientações profissionais e psicólogos, como nas escolas particulares. As escolas precisam ter sistemas eficientes de segurança, e as famílias devem ser chamadas constantemente para participarem da gestão da escola e do acompanhamento de seus filhos. Esta tríade escola-família-jovem precisa estar fortalecida, e o aluno sentir que pertence a ela”, diz Ana Rosária.

#tecer – Pensando no sistema educacional brasileiro atual, o que você acha que deve ser feito para melhorar ou mudar esse cenário?

Ana Rosária Macedo – O governo tem se preocupado em sanar problemas crônicos pensando no final do processo, ou seja, colocando sistemas de cotas para alunos oriundos da escola pública. Na minha opinião, o problema vai muito além. Deve se garantir uma melhoria salarial para o professor, com uma redução em sua jornada diária e manutenção em uma só escola. Assim, poderia haver um comprometimento maior com seu aluno e um tempo para sua atualização. Existe muito investimento nas universidades, porém não vemos o mesmo empenho dos governos estaduais e municipais no sentido de manutenção das escolas básicas ou construção de outras. 

Há discrepâncias entre o ensino nas escolas públicas em relação às privadas?

Sim, existe esta discrepância.

Como igualar a qualidade educacional de ambas?

Como forma de amenizar o problema, o Governo Federal criou as cotas sócio-econômicas. Mas, mesmo com bônus na hora de conquistar uma vaga em universidades, o aluno da escola pública não se vê muitas vezes estimulado a prestar um vestibular, porque sabe que na sua escola a carga de aulas é menor, os professores recebem menos, e acabam faltando às aulas. Muitos entram em licença saúde por não suportarem a pressão e a violência em sala de aula. Uma solução seria adotar um sistema de “vestibulinho” que já vem sendo utilizado em São Paulo para o ingresso dos alunos. Assim, há uma seleção para o ingresso. As famílias participariam ativamente da vida escolar, em exposições, reuniões bimestrais, festas, no Conselho de Escola e APM (Associação de Pais e Mestres). É um exemplo do que se poderia fazer em todas as escolas públicas estaduais.

Os alunos de escola privada possuem melhores oportunidades de entrar no nível superior se comparados aos de escola pública?

Sim, pois tem maior carga horária, maior preocupação com os vestibulares, e seus professores são mais bem remunerados e estimulados, na grande maioria das escolas.

Como você avalia a situação dos alunos egressos de escola pública dentro das universidades? E os de escola particular?

Os alunos da escola em que leciono, por exemplo, ao ingressar em uma universidade, veem-se um pouco perdidos, e a quantidade de conhecimentos exigidos, que eles deveriam aprender no Ensino Médio e não aprenderam, principalmente na Área de Exatas, os faz sofrer um pouco. Porém, ao longo da minha experiência, tive alunos que mudaram de curso na universidade, mas nunca desistiram. Já os alunos de escolas particulares já têm outra bagagem cultural e familiar, que os estimula mais a estudarem.

Como os futuros profissionais da educação devem lidar com as novas demandas da sociedade?

Em primeiro lugar, a escolha da profissão de educador, não deve passar pela “falta de opção”, ou por ser um bico, ou por não saber o que fazer. Deve-se gostar realmente do que faz. Sem usar clichês, mas se não tiver paixão, gostar do desafio diário, de “fazer diferente” em cada ano, não se chega a lugar algum. O professor deve ter bom senso, ser capaz de integrar várias disciplinas, e como dizia Paulo Freire, fazer para o aluno a ter uma “leitura de mundo”. Com tanta informação que o jovem recebe, e a rapidez com que ela chega, o educador deve ser capaz de orientar o jovem o que procurar, como chegar às respostas, como pesquisar, e quais fontes usar. Deve ser também humilde para aprender sempre, e com o aluno, porque este não é uma “tábua rasa”, ele tem uma experiência de vida, valores, que pode e deve contribuir muito com o processo pedagógico. Cabe aqui uma citação da poetisa Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.

Fachada da Escola Estadual D. Pedro II, Ouro Preto. Foto: Joyce Fonseca

Fachada da Escola Estadual D. Pedro II, Ouro Preto. Foto: Joyce Fonseca

Editor: Caio Aniceto

Repórteres: Igor Capanema, Silvia Cristina Silvado e Thatyanna Mota

Fotógrafa: Joyce Fonseca

 

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