“Cumadres”: as mães da vida universitária de Ouro Preto

Mulheres que assumem a casa e o coração dos estudantes

Por Fábio Melo, Gabriela Ramos, Laura Nobre, Luíza Lacerda e Taíssa Faria

Odete, Tina e Cida/Imagem: Taíssa Faria

Odete, Tina e Cida/Imagem: Taíssa Faria.

Presentes na vida de dezenas de estudantes de Ouro Preto-MG, as chamadas “cumadres” são grandes figuras das repúblicas estudantis que cuidam da casa e dos moradores. Por este motivo, fomos em busca de histórias de cooperação entre os moradores e as “cumadres” que em alguns casos, trabalham há mais de 20 anos nas casas.

Odete posa orgulhosa ao lado da bandeira da República Necrotério

Odete posa orgulhosa ao lado da bandeira da República Necrotério/Imagem: Taíssa Faria.

Odete Virgílio, 47 anos, “cumadre” da República Necrotério há 19, conta que, recentemente, um ex-morador a convidou para passar alguns dias em sua casa: “ele era doido pra me levar pra casa dele, passar um fim de semana, e eu fiquei uma semana lá em Vitória, até batizei meu neto lá nas águas do mar”, relembra. Odete confessou que em uma das fases mais difíceis de sua vida, os moradores estiveram presentes. “Eu estava tentando me separar e não conseguia achar um meio e os rapazes da época me ajudaram bastante. Eu era agredida e com a ajuda deles consegui minha separação. Ganhei também uma reforma da casa, eles me mandaram fazer o orçamento com o pedreiro, ver o que mais precisava e pagaram para mim; sempre me perguntam se estou precisando de alguma coisa”.

Cida/Imagem:Taíssa Faria

Cida/Imagem:Taíssa Faria.

Debutante na República Xeque-Mate, Maria de Jesus Inácio (Cida), de 50 anos, lembrou dos primeiros dias de trabalho na casa: “No primeiro dia eu achei meio difícil, mas depois fiquei por dentro do serviço. Gostei dos meninos, gente boa demais! Graças a Deus até hoje eu estou aqui com eles”. Quinze anos depois de entrar para a história da Xeque-Mate, a “cumadre” Cida é admirada inclusive pelos recém chegados na república: “Sou novo aqui, mas desde quando cheguei ela me tratou super bem. Ela é super feliz aqui na república, gosta de todo mundo, todo mundo que chega aqui ela trata bem. É uma pessoa muito humilde, batalhadora…” disse Gustavo Migani, morador da república há seis meses. Sobre a tradição das “cumadres” nas repúblicas, ele disse: “a gente passa isso para os bichos (novos moradores) também que estão chegando agora. Trata-la bem, no que ela precisar, estar sempre ajudando”. Cida trabalha com carteira assinada e diz que todos os moradores trazem alegrias.

Tina relembrando bons momentos na Dos Deuses/Imagem:Taíssa Faria

Tina relembrando bons momentos na Dos Deuses/Imagem: Taíssa Faria.

Batalhadora! Esta é a melhor palavra para definir Tina Vicente Marques, “cumadre” da República Dos Deuses há 24 anos. Ela nos revelou ter começado a trabalhar com apenas sete anos de idade, que a necessidade e a falta de tempo não permitiram que pudesse estudar. Agora, com 58 anos, Tina vive uma verdadeira guerra judicial depois que sua vizinha avançou com uma construção em seu lote. Em um dos momentos mais difíceis de sua vida, ela exaltou a ajuda que recebe dos moradores da casa, agradecendo-os com os olhos cheios d’água: “Eu nunca encontrei uma família tão maravilhosa quanto estudante”. A guerreira Tina conta hoje em dia com um plano de saúde pago pelos ex e atuais moradores da “Dos Deuses” e com a ajuda de um ex-morador, formado em direito, na ação judicial que, segundo ela, com uma imensa dor no coração, move contra a vizinha. A “cumadre” emocionou toda a equipe de reportagem ao afirmar que precisa neste momento, da ajuda de Deus e que mesmo que fosse algum inimigo, ela não se importaria em ajudar. A maior tristeza de Tina hoje em dia é passar por esta situação que, segundo ela, é humilhante. “Vale a pena ser honesto? … Se são os bandidos que tem valor neste mundo!?” disse a “cumadre”.

Como verdadeiras mães, as empregadas domésticas das repúblicas de Ouro Preto ganharam carinhosamente o apelido de “cumadres”. Há quem diga que não existe amor mais puro que o de uma mãe. Para nossas entrevistadas, os moradores das repúblicas são como filhos que vem e vão com o passar do tempo, mas que deixam marcas de grandes momentos de felicidade e uma saudade que só é saciada algumas vezes. Uma troca de afetos, uma ajuda mútua que raramente se encontra tão fortemente em algum outro lugar!

Tina Vicente Marques trabalha há 24 anos na República Dos Deuses, em Ouro Preto. Em conversa, ela revela sua história de dedicação, amor e troca com os meninos que ela adotou como filhos.

 #tecer – Como a senhora começou a trabalhar na república?

Tina - Eu já trabalhei na Cosa Nostra 10 anos, e na Piolho, 5. A empregada lá da Tabu que arrumou esse serviço pra mim, eu sempre ia lá ajudar ela. Teve votação e tudo! Tinha três “cumadres” pra eles escolherem uma, aí eu fui a mais votada e vim trabalhar aqui na Dos Deuses.

A senhora tem um quadrinho inaugurado na república, uma homenagem simbólica que os moradores fazem a ex-alunos e amigos muito queridos. Como você se sentiu?

Eu não tinha nem palavras… Eu também tenho homenagem de dez anos, uma placa que está lá em casa. Os meninos sempre fizeram homenagem pra mim, disso eu não posso reclamar. Eu nunca encontrei uma família tão maravilhosa quanto estudante.

Houve alguma ocasião em que os moradores te proporcionaram algo muito marcante?

O momento mais impressionante foi em 2010 quando eu tive um problema. Eu ligava pra cá chorando e sempre ia uma turma lá em casa me consolar. Sempre me chamavam pra vir pra república, pra ficar deitada no sofá assistindo televisão, já que eu não podia trabalhar. Eles são maravilhosos, desde o primeiro dia que eu cheguei aqui eu tive muito carinho, e até hoje.

Eu nunca tinha ido em festa na minha vida. Eu fui madrinha de casamento de um ex-aluno daqui, lá no Espírito Santo. Eles me levaram pra casa do “Migué” e eu fiquei uma semana lá. Eu nunca tinha ido na praia… foi o dia mais importante da minha vida!

É bastante perceptível a relação de cuidado que você tem com os antigos e atuais moradores da República. Como eles retribuem?

Tina deixa que os meninos respondam:

Felipe Anca - Há três anos atrás nós estávamos na Festa do Doze e ela não tinha plano de saúde. Assim, todos os 27 ex-alunos que estavam aqui se juntaram, e a cada mês um ex-aluno paga a mensalidade do plano de saúde dela, e no vigésimo oitavo mês os moradores atuais da república juntam um dinheiro e pagam a mensalidade. Agora fazem três anos que ela tem o plano, e como vai acabar em março, já tem plano de saúde garantido pra ela até 2017, de novo. É nesse plano que ela faz qualquer consulta médica, inclusive uma cirurgia e tratamento para o joelho.

O que a República Dos Deuses representa na sua vida?

Tudo na minha vida. Tudo, tudo. A melhor parte da minha vida eu passei aqui. Eu fico mais aqui do que na minha própria casa. No fim de semana, eu fico doida pra chegar na segunda pra estar aqui de novo. A minha vida toda eu agradeço a esses meninos, de coração. Que Deus abençoe e proteja todos eles.

Editor: Fábio Melo

Repórteres: Laura Nobre, Luíza Lacerda e Gabriela Ramos

Imagens: Taíssa Faria

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