Dores e delícias de um “sofressor”

Educadores discutem alguns cenários da educação brasileira a partir de suas experiências

Por Anna Flávia Monteiro, Alissa Durkes, Daniela Felix, Natane Generoso, Pedro Menegheti.

Ao propor uma reflexão sobre a educação brasileira, deve-se levar em consideração dados que assustam até o mais cético dos cidadãos. Ocupando o 53º lugar em educação – conforme o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) – e apresentando uma taxa de abandono escolar de 24,3% (entre os países de maior Índice de Desenvolvimento Humano, IDH)*, estamos longe de ser exemplo na área. Os pilares da educação, definitivamente, estremecem por aqui. Uma das maiores apostas para uma maior eficiência e desenvolvimento é a figura do professor, tão subestimada em sua vital função. A classe está cada vez mais desestimulada.

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Maria Conceição Bretas Vilário, professora. Imagem: Alissa Durkes.

“Principalmente no que diz respeito à valorização do profissional da educação, que tem salários muito abaixo de outras profissões. A exaustão do professor em chamar a atenção o tempo todo numa sala cheia extrapola os limites da razão”, opina a professora Maria Conceição Bretas Vilário, 43, que atua em Belo Horizonte.

Há mais de 20 anos na profissão, ela argumenta que o direito universal à educação não é colocado em prática em todo o país. “Será que a periferia da região amazônica é toda levada à escola? Acredito que em Minas Gerais vivemos, de certa forma, um privilégio. O que não deveria acontecer, já que a educação é um direito”, complementa.

Ao refletir sobre o investimento na educação, Maria Conceição comenta que o desvio de dinheiro no Brasil é grande, mas pouco se luta por isso. “Acho que um professor motivado motiva os alunos, então, caso a estrutura seja precária mas o professor eficiente, as crianças irão  aprender com mais entusiasmo”.

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Hebe Rôla, professora aposentada. Imagem: Daniela Félix.

Em Mariana, a professora aposentada Hebe Rôla, 82 anos, brinca ao contar que costuma ver a figura do professor como “sofressor”. “Porque não há salário digno, o profissional tem que se virar para se manter. Antigamente, o professor era tido como uma personalidade que tinha que ser respeitada por todo mundo”, acrescentou.

Ao ser questionada sobre os desafios da educação inclusiva, ela não vê problemas na inserção de portadores de necessidades especiais nas salas de aula. “Pode inserir, mas tem que disponibilizar auxiliares. Enfermeiros, psicólogos, monitores, porque o professor sozinho se desgasta e nem dá conta de olhar direito a sala”. Membro da Academia de Letras do Brasil e de Mariana, Dona Hebe acredita que os professores têm que compreender que são a ligação entre o conhecimento e o aluno. “Não tem aparelho que o substitua na sala de aula”, comenta.

Os anos de experiência e a paixão pela arte de educar tornou possível a carga de observações e opiniões compartilhadas pelas duas professoras, que comentam desde as  falhas presentes no sistema de cotas até a importância do investimento brasileiro na educação.

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Priscila Fernanda da Costa Garcia, professora e estudante. Imagem: Pedro Menegheti.

Diferente das experientes educadoras, Priscila Fernanda da Costa Garcia,  25 anos, teve seu primeiro contato com a sala de aula há pouco mais de dois anos. Graduada em Sociologia na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e atualmente estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), leciona há duas semanas na Escola Estadual Dom Pedro II, em Ouro Preto, e vivência novas e velhas dificuldades existentes na profissão.

Além de problemas estruturais, o que mais você identifica como falhas no sistema escolar e que podem atrapalhar a formação dos estudantes?

Eu posso ser bem tradicional com relação a isso, mas acho que aliviaria muito o sistema educacional se voltasse à retenção dos alunos. Porque eles sabem as disciplinas que não podem ser reprovados. E é muito difícil reprovar um aluno, porque você tem que manter os índices… Pensaram formas novas de educar que não têm sido realmente eficazes. Pensar na questão dos livros didáticos, retenção de alunos e até mesmo a inibição dos alunos com relação ao comportamento em sala de aula, porque hoje não tem mais a ideia de que se deve respeitar o espaço escolar e os professores.

Você acredita que as escolas ensinam de forma igualitária, sem discriminação social?

Deveriam. Acredito que a diferença entre colégio público e particular é fato. Tanto na questão estrutural, de material didático, até a participação dos pais. Porque tem aquela ideia de que ‘‘como eu tô pagando, eu vou participar’’. A questão da escola é que ela não é só espaço de transmitir disciplinas. É onde as crianças e os jovens vão socializar, aprender a conviver… Então, a participação dos pais é importante, porque o jovem vive um período do dia na escola e o resto fora, tem que ter alguém que esteja no mesmo ritmo. A educação é democrática porque que é aberta para todos, mas eu não acredito que o colégio público prepare da mesma forma que o colégio particular.

A desvalorização da profissão te desanima a seguir no campo educacional?

Desanimar não, mas penso em fazer mestrado. Estou fazendo uma segunda graduação, penso em ter uma segunda profissão. Eu não gostaria de, nas atuais condições da docência, exercê-la unicamente. Minha mãe vai se aposentar agora como professora e eu vejo nela um estresse e um cansaço, com o emocional muito abalado, mas não desanimo. Hoje aconteceu algo que me fez ganhar o dia e acho que carregarei por alguns anos. Eu estava dando a última aula do período da manhã, no terceiro colegial, deu o sinal para ir embora e eu disse: “pessoal, semana que vem eu termino.” E eles: “não, termina agora, professora”. Saímos da sala quinze minutos depois. Eles esperaram eu terminar o conteúdo e uma menina ainda me esperou na sala e disse: “professora, já tive um monte de professores, mas sua aula foi a melhor. Eu adorei!”. Nossa! Ganhei meu dia! Não ganhei meu contracheque, porque ele é uma vergonha. Tem essa questão da desvalorização, o governo acha que isso não interfere no processo do professor. Trabalhamos mais ou menos quarenta horas semanais em sala, mas é preciso preparar a aula e corrigir trabalhos. Eu tenho, por exemplo, 640 alunos, isso porque só tenho 16 horas semanais. Imagina quem cumpre toda a carga horária? Há quem diga que o professor tem que dar aula por amor. Sim, acho que pra ser professor tem que ter amor pela profissão porque a gente muda a vida de muito aluno, mas não é só amor. Eu só fiz Ciências Sociais por causa de um professor que tive na quinta série.

Você se vê mudando a vida de alunos pelo que pode apresentar a eles?

Acredito que já contribui. Quando se consegue segurar uma sala após o sinal, porque eles querem discutir e pensar mais sobre a realidade que estão expostos. Eu falo que sociologia é mais tranquila. Mas conseguimos ficar até depois porque eles estavam refletindo sobre a realidade. Aconteceu de um menino virar no meio da aula e dizer: “nossa, eu nunca tinha parado para pensar nisso”. E vi que foi como se ele tivesse descoberto um tesouro.

Por ser uma professora nova, você se permite aprender mais com os alunos ou eles sentem mais vontade de lhe ensinar algumas coisas?

Acho que isso acontece muito na possibilidade de como dar as próprias aulas. Na faculdade, aprendemos métodos de dar aula, mas quando chegamos na prática, é outra coisa. Se pegar uma sala de quarenta alunos é muito difícil, imagine 40 pessoas de 15 a 20 anos. É difícil. Sempre antes de começar uma aula, com qualquer turma, a primeira aula é uma conversa. Apresento uma ideia de como eu acho que seria legal trabalhar em sala e peço para que eles me mostrem formas que acham mais interessantes e dinâmicas pra ver se torna a aula mais tranquila. E nessa discussão a gente acaba descobrindo um pouco do que eles pensam do mundo, e até formas diferentes de trabalhar que facilitam nosso trabalho.

* Fonte: site do INEP; pesquisa realizada em 2012 pela PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)

Editora: Anna Flávia Monteiro

Repórteres: Alissa Durkes, Daniela Felix, Natane Generoso e Pedro Menegheti

Imagens: Daniela Felix, Pedro Menegheti