Tamanho não é documento

Por Marília Ferreira

Primeira mulher a ser eleita prefeita da cidade de Gonçalves, Lourdinha Neves fala dos desafios da figura feminina na política em uma cidade de menos de cinco mil habitantes e que completa 50 anos este ano. Gonçalves, localizada no sul de Minas Gerais, é o cenário da história de uma mulher que vence os preconceitos e prova que, apesar de pequena e jovem, a cidade e sua população acolhedora oferecem todo o apoio a quem deseja mostrar um novo olhar sobre a vida e suas possíveis mudanças.

Marília Ferreira: Quando você entrou na política? Lourdinha Neves: Eu já fui candidata há oito anos e afastei-me totalmente do cenário político, inclusive me desfiliando do partido, que na época fui candidata. E há um ano e meio, um grupo de pessoas não ligadas a partidos políticos, mas ligados à minha imagem, à minha projeção social no município, me pediram para que eu fosse pré-candidata já que eu não tinha nenhuma possibilidade de ser uma pré-candidata do prefeito que administrava. Então, eu assumi este compromisso de concorrer à Prefeitura como adversária do meu chefe e, assim, fiquei três meses pré-candidata sem ter um partido político. Então, organizaram o diretório do PT que estava morto há oito anos e não tinha candidato e me fizeram o convite. Eu acreditei que em termos de política nacional era um partido bem projetado e em termos de representatividade parlamentar também era muito interessante, um momento muito bom. E, principalmente, por eu ser mulher e, atualmente, estar na presidência da república uma mulher.

MF: Então você acredita que o fato de termos uma mulher na presidência influenciou a decisão dos eleitores? LN: Teve influência sim, porque Gonçalves é um município com famílias que usam o Bolsa Família, jovens que estudam através do Prouni, temos vários pecuaristas e agricultores que são beneficiados pelo Pronaf, que são programas sociais bastante fortalecidos pelo governo, nas gestões do Lula e agora da Dilma. Eu acho que isso teve uma contribuição. E claro que também tem a minha popularidade: eu estive na casa de 1.400 pessoas, e as chamei pelo nome, então é um diferencial.

MF: Você enfrentou desafios por ser mulher? LN: Alguns… Muitos né? Sou mulher e tenho menos de um metro e meio (risos). E historicamente falando, as pessoas principalmente dentro de Gonçalves, associam ao poder a figura masculina, como se quanto maior for o homem mais poder ele tem. Então eu enfrentei desafios por ser mulher, eu tive que realmente trabalhar muito, contar com o resultado do meu trabalho nos 16 anos de assistência social, e isso foi um desafio muito grande. E é engraçado que eu tive certa rejeição por parte das mulheres, no entanto um grande público que votou em mim é mulher. Eu ouvi de pessoas que tem até um papel importante na cidade: “Imagina, Gonçalves ser administrado por uma mulher?” Eu percebi certa desvalorização da figura feminina por ela própria, sabe?

MF: E você acha que a mulher tem uma importância especial na política? LN: Com certeza. Inclusive este foi um dos meus pontos de defesa. Eu acho que a mulher é referência pela própria sensibilidade, pelo fator feminino de ser mãe. A mulher é mais honesta, ela é mais justa, ela age… O primeiro sentimento, a primeira coisa que se coloca toda vez que alguém chega aqui na minha sala é o coração, só depois a razão. Então essa sensibilidade é própria da mulher, eu acho que isso faz toda diferença.

MF: Você acha que pode ser mais complicado administrar em uma cidade pequena? LN: Sim. Ainda mais por eu ter trabalhado 16 anos como assistente social. Porque às vezes eu não posso dizer mais “sim”, eu tenho que dizer muitos “nãos”. Mas, por outro lado, eu disse muito não lá no meu trabalho e aprendi que existem muitas formas de fazer isso. Eu posso dizer não para uma situação, mas seguida de uma alternativa para o caso.

MF: Gonçalves é uma cidade turística. Você acha que o turismo influencia a quebra de preconceito ou é algo natural? LN: Sim, mas não só o turismo, as próprias políticas públicas desenvolvidas. Eu sempre achei a população de Gonçalves muito evoluída, ela é mais informada. E essa convivência permanente com o turista melhorou muito mais esse ponto, o preconceito diminuiu. Uma coisa que acho muito legal em Gonçalves é a questão da homossexualidade. É uma coisa tão bem aceita pela nossa população, com a nossa comunidade, ninguém censura, ninguém critica. Eu acho que Gonçalves é diferente em tudo, acho que nosso povo é muito evoluído, eu acredito inclusive que isso está associado a toda a pessoa que tem uma sensibilidade artística. E como Gonçalves tem no sangue o dom artístico, isso já nos faz diferentes. O artista se diferencia, de uma maneira geral, porque ele é mais sensível por natureza. Outra coisa que faz diferença é que durante a época de assistência social eu nunca tive uma solicitação de cesta básica. As pessoas acham isso coisa de outro mundo. Existem casos individualizados, mas de modo geral nós não temos muitas situações de pobreza no nosso município. Turismo tem muito a ver com isso, tem a ver com a música, com a arte e com o fato de eu estar aqui hoje.

Entre sorrisos, em uma cidade de tipo raro, que conserva tradições enquanto aceita novidades e mistura tudo isso a artistas natos, a prefeita Lourdinha não pensa na questão homem versus mulher quando entra para trabalhar: “Eu sou um ser humano, um ser humano a serviço”.