Portadores de necessidades especiais no mercado de trabalho

Por: Luiza Felipe, Júlia Cabral, Larissa Soares, Gabriel Campbell e Rafaella Rocha

Fomos às ruas de Mariana descobrir um pouco sobre a vida e, principalmente, sobre o trabalho de pessoas portadoras de necessidades especiais na região. Nossa intenção era de saber mais sobre as dificuldades de viver com uma deficiência mas, ao mesmo tempo, estar inserido num contexto de “normalidade”, onde muitas pessoas não acreditam ser possível a participação deste grupo. No fim, percebemos que o trabalho que os três entrevistados desenvolvem não são de forma alguma impedidos ou atrapalhados por suas deficiências, mas são extremamente inspirados por elas.

Guilherme Figueiredo Fiuza, atual funcionário da prefeitura e atleta, ex-jogador da base do Clube Atlético Mineiro. Devido a um acidente de carro, no ano de 2002, o jovem esportista teve sua vida toda reorganizada, porém persistiu no sonho de contribuir para o esporte na região.

Motivado, Guilherme fala sobre seu envolvimento com sua paixão: o esporte. / Imagem: Acervo Pessoal

#tecer – Como funciona seu dia-a-dia, quais são suas dificuldades?

Guilherme: Meu dia é muito corrido! Sou funcionário na prefeitura, dou treinos de futsal, apito jogos, além das competições que treino sempre pra todas, quando fico sabendo de algum evento para portador de necessidade especial, já quero participar, não importa o esporte, sem falar do tempo para beber com os amigos e namorar. A minha dificuldade é arrumar tempo para tudo isso.

Porque você procurou esse emprego? Pela deficiência ou por gostar da área?

Guilherme: Eu escolhi respirar esporte. Depois do acidente que sofri e perdi a perna, pensei que já tinha errado o bastante em dirigir bêbado, e abandonar o esporte devido às consequências do acidente ia ser apenas outro erro. Então decidi trabalhar com esporte do jeito que desse pra mim. O meu emprego atual é uma consequência da minha deficiência, porque infelizmente o futebol é um mercado muito caro, em que duas pernas valem milhões. Mas eu estou contente com meu trabalho!

E sua relação com os colegas de trabalho?

Guilherme: Todo mundo me elogia! Modéstia à parte, sou muito disposto, pontual… quando eu jogava na base do Atlético Mineiro recebia muitos elogios, sou um cara com raça, sorte do Bernard (ex-jogador revelado na base do Clube) que não foi da minha época! (risos).

E como entrou na prefeitura?

Guilherme: Fui atrás do prefeito, mostrei que entendia de futebol e que era capacitado para trabalhar, não foi tão difícil! Muitos deficientes tem vergonha da deficiência, isso impede que eles corram atrás dos seus interesses.

Você sente que seu trabalho é reconhecido?

Guilherme: Nossa, demais! No Atlético eu era muito cobrado, era jovem, aí depois que comecei a trabalhar com e para os jovens, passei a ser um cara mais experiente e vi o quanto é bom o carinho, respeito e reconhecimento dos mais novos.

Como você se sentiu nesse novo emprego, sendo uma nova pessoa não só fisicamente, mas também psicologicamente ?

Guilherme: Perder uma perna é algo que me deixou muito triste de início, eu tinha um futuro brilhante no futebol profissional, mas hoje eu tenho muitas alegrias, onde quer que eu estou, sinto que as pessoas me olham como vencedor, porque é difícil ensinar e praticar esportes e eu consigo fazer isso muito bem!

Você já se sentiu subestimado?

Guilherme: Jamais! Ninguém duvida da minha capacidade e dos meus sonhos, quando  alguém pensa em duvidar, eu já agi e mostrei do que sou capaz.

Qual foi sua maior conquista?

Guilherme: Para mim, os prêmios nas competições internacionais e nacionais que participei seja como técnico ou como atleta depois que me tornei deficiente, foram mais gratificantes , porque junto com as medalhas vem a superação.

José Roberto, cadeirante, atualmente presta serviços administrativos para uma padaria em Mariana. Presidente da Associação Marianense de Acessibilidade (AMAC), luta para que Mariana se torne a primeira cidade histórica com acessibilidade para deficientes. Em 1980 se formou em agropecuária e, em 81, operou a coluna. Por um erro médico, passou a ter dificuldades para andar e hoje se locomove com cadeira de rodas. Mudou para Taubaté em 86 para trabalhar na Volkswagen e, a partir daí, começou a fazer outros cursos. Hoje é técnico de informática,  de telecomunicações e técnico agrônomo, é também graduado em processamento, teologia e pós-graduado em análise de sistemas.

José Roberto luta por mais acessibilidade e afirma: “não preciso aparecer, eu quero é resultado”. / Imagem: Osmar Lopes Neto

#tecer – Como as empresas agem ao receber um candidato portador de necessidades especiais?

José Roberto: Eu trabalhei dezenove anos. Quando entrei na “Volks” eramos quinze candidatos, mas as empresas não vão cuidar de você porque você é bonitinho e porque você é deficiente. Não, você tem que produzir. O mercado precisa e não tem pessoas qualificadas. Em contrapartida,  a empresa quer contratar, mas não quer investir. Se ela vai contratar um deficiente ela tem que investir em infraestrutura. Quando eu saí da Volks fui procurar outro emprego, a Casas Bahia estava precisando de quatro, levei meu currículo. Então o gerente olhou meu currículo e disse “Seu currículo é bom! Você é cadeirante. E aí?”. Só não o processei porque já o conhecia. Mas sendo assim, você vai excluir o deficiente?

A empresa não tinha estrutura ou havia outro motivo para não contratá-lo?

José Roberto: Porque não tinha estrutura. Fizeram uma reforma e transferiram o refeitório para o andar de cima da loja. A deficiência não está em mim, ela está no sistema. Chega um momento em que todos se sentem deficientes. Você vai chegar em um lugar para trabalhar e não vai ter a estrutura necessária então você se sente deficiente por não ter condições de desenvolver um bom trabalho. Agora, você só vai ser ouvido se você reclamar. A minha luta não é para o deficiente entrar pela porta dos fundos, é para ele entrar pela porta da frente! O deficiente hoje é cliente também, é um consumidor. Esse é o argumento que vou utilizar na audiência pública (a ser realizada em prol dos direitos do cidadão). Todo mundo sai ganhando. Mariana pode ser a primeira cidade histórica a se preocupar com acessibilidade. O deficiente não tem acesso às instituições públicas da cidade, nem à câmara, nem à prefeitura, nem ao fórum… A rampa da casa lotérica foi feita por intervenção minha.

Como funcionaria essa associação, a AMAC?

José Roberto: A meta da AMAC é preparar um mundo melhor para o futuro, não só para o deficiente. A questão é a acessibilidade. À tudo. À informação… Muitas vezes você não tem acesso à informação então a nossa ideia é fazer essa ponte. Trabalharemos em três fases: a primeira seria a arquitetônica; segunda seria a pesquisa na cidade com as pessoas que relatem problemas de acessibilidade, isso em todos os níveis – não só para cadeirantes – é nas escolas, no trabalho, dificuldade para estudar, pois onde houver dificuldades, nós montaremos um projeto para fazer a ponte. A nossa ideia não é dar a assistência, é dar a condição para eles trabalharem. E tratar também…Tem muitos deficientes dentro de casa que não se tratam, que não têm acesso às informações. E a terceira fase seria a de conscientização das pessoas, indo às escolas dar palestras, para que a pessoa deficiente não seja vista como problema.

Como a família deve se posicionar com um portador de necessidades especiais?

José Roberto: Chegaremos (referindo-se a AMAC) na casa da pessoa e faremos com que a família trabalhe junto com ela. Não tem nada de “coitadinho”! Vamos ver o que ele pode produzir, à partir disso vamos dar ferramentas à ele para que ele seja produtivo. Muitas vezes a família tem vergonha, esconde o deficiente do mundo. Às vezes o problema se torna solução. A AMAC virá para resgatar o valor humano, não é dar cesta básica para ninguém. É capacitá-lo para chegar lá!

É bom sentir que você faz a diferença não é?

José Roberto: A minha luta já é essa. Não preciso aparecer, eu quero é resultado. O mais importante não é os outros saberem, é você ficar bem. Aonde eu for eu vou lembrar que estive em Mariana e fiz a diferença. Eu estou querendo é ajudar, já que hoje sou aposentado. Estou trabalhando na padaria só para ajudar mesmo, não me preocupo com o dinheiro! (risos)

Qual mensagem você deixaria para outros portadores de necessidades especiais e para a sociedade em geral?

José Roberto: Muitas vezes as pessoas enxergam só o problema. E se você deixar, as pessoas vão te derrubar. Você tem que acreditar em si mesmo. Não importa a limitação que você tenha porque ninguém é perfeito. Até mesmo a não deficiência é temporária, você vai ficar velho, você pode sofrer um acidente…

Roque Geraldo Ferreira Carneiro, 43, é portador de síndrome de Down. Roque vem de uma família de 14 irmãos, sete homens e sete mulheres. Trabalha como artista plástico e pinta desde os sete anos. Teve aulas de pintura somente durante dois meses e gosta de pintar na madrugada, mas diz pintar 24 horas por dia. Sente-se felicíssimo após terminar uma obra. Mora hoje com sua irmã Maria Helena, à quem ele chama “Lelena”. Ela e algumas das irmãs estiveram presentes durante a entrevista e contaram que o irmão começou a pintar quando ele e um grupo de colegas foram ao banheiro e pintaram todos os azulejos da escola, apesar de Roque afirmar que somente seus colegas haviam pintado as paredes. Com obras expostas em Belo Horizonte, Ouro Preto, Sesi, Câmara Municipal e Sesi Minas Roque se orgulha muito desse feito que o torna mais motivado a cada obra exposta. Roque cita os lugares nos quais já expôs seus quadros: “Belo Horizonte, Ouro Preto, no Sesi, Câmara Municipal, Sesi Minas”. Sua irmã o ajuda a lembrar dos lugares para onde quadros seus já foram, “Bélgica, Belo Horizonte, Estados Unidos, Nova Iorque, Paris”. Além de todos esses lugares, ele diz ter muita vontade de expor em Brasília.

A arte de Roque Geraldo. / Imagem: Júlia Cabral

#tecer – Roque, como você gosta de ser chamado?

Roque: Roque Geraldo Ferreira Carneiro.

Tem uma hora do dia em que você gosta mais de pintar?

Roque: 24 horas. Eu gosto da madrugada.

Por que você decidiu ser artista?

Roque: Pra mim (sic) aparecer.

E quem você acha que é sua maior fã? A pessoa que mais gosta de ver você pintar?

Roque: Geralda Maria Carneiro, a Nerinha. Tem mais também, é Nerinha, é Lelena, Taminha e Dona Zita. Só que Dona Zita foi pro céu e então Nerinha está realmente representando minha mãe, ela é genial, maravilhosa!

Como é sua relação com seus clientes? Eles pedem trabalho pra você? Você vai atrás deles, mostra as coisas que você pintou?

Roque: Não, não! Elas vem aqui me procurar, aqui na Arca de Noé.

Por que a casa é chamada de Arca de Noé?

Geralda (Nerinha): Porque é todo mundo junto. Sobrinhos, irmãos, cunhados, né?! Todo mundo se encontra aqui.

Como que você conheceu a arte? Alguém te mostrou?

Roque: Porque tinha lá embaixo um corredor, as pessoas ficavam me amolando, conversando. Não me dão sossego.

Maria Helena (Lelena): Ele começou a pintar, foi seguinte. Ele foi no banheiro, levou as canetinhas.

Roque: A gente vai no banheiro pra fazer o quê? Lavar as mãos, fazer xixi, fazer cocô. Só isso, mais nada.

Maria Helena (Lelena): Aí ele levou as canetinhas e pintou todo o azulejo da escola.

Roque: Eu não levei nada. Você não pode me condenar, Lelena. Você está condenando meus colegas.

E você gosta de desenhar no papel, à mão?

Roque: Com lápis e depois vou contornar.

Onde gosta de expor?

Roque: Na casa da frente, e na Arca de Noé.

Geralda (Nerinha): Roque, fala onde você já expôs seus quadros!

Roque: Bélgica, Belo Horizonte, Ouro Preto, no Sesi, Câmara Municipal, Sesi Minas.

Geralda (Nerinha): Na Bélgica você não expôs, tem quadro seu que foi pra Bélgica. Onde mais que teria quadro seu, Roque?

Roque: Bélgica, Belo Horizonte, Ouro Preto, Estados Unidos, Nova York, Paris.

Roque, você tem algum sonho? Um lugar onde queria expor seus quadros?

Roque: Brasília.

E por que você queria expor lá?

Roque: Conhecer a presidenta, né?! A presidente Dilma Rouseff

O que você diria à ela?

Roque: Muitas coisas. (…) Segurança em Mariana, né!? Mais polícias.

Você acha Mariana perigosa?

Roque: Demais. Tem que acabar com esse vandalismo que acontece. Tem muita coisa que acontece. Eu tinha atelier, aqui em baixo no corredor. (…) Era lá embaixo que eu ficava. Todo mundo ficava perturbando, roubando minhas coisas.

Onde é seu ateliê agora?

Roque: Agora eu to morando com Lelena.

Geralda (Nerinha): era ali fora, no quarto esquerdo onde era o ateliê dele então. Mas com o processo de mamãe ficar doente, essa coisa toda. Ele passou pra casa de Maria Helena.a Tirou tudo pra dar uma limpeza, poster do festival de inverno. Já participou de muita coisa, né?!

E o que alguém falou com você quando foi na sua exposição que você ficou bastante feliz?

Roque: Bastante feliz, muitos aplausos.

E o que as pessoas falam pra você?

Roque: Que eu sou lindo, maravilhoso.

Maria Helena (Lelena): Onde você vai expor agora, Roque?

Roque: Lá no rancho.

Tem exposição agora, quando?

Maria Helena (Lelena): daqui um mês, um mês e pouco

Tem algum pintor que você admira muito, conhece?

Roque: Não. Não gosto de concorrentes.

Você gosta só de pintar quadros? Gosta de esculturas?

Roque: Não!

Geralda (Nerinha): não, ele está escrevendo um livro agora também.

Sobre o quê que você está escrevendo?

Roque: Sobre as coisas que tá acontecendo em todo lugar.

E sobre o que é o livro?

Roque: Não posso entrar no assunto, porque as coisas são muito pesadas. É sobre as coisas que acontecem aqui dentro de casa e fora. Depois de 2011, 2012, 2013. Depois eu volto pra trás. Desde 2011 que eu to digitando.

Geralda (Nerinha): Depois encerra em 2013?

Roque: Depois tem 2014. Depois eu volto pra trás, Nerinha.

Um diário, tipo um diário?

Roque: Sim. Semana, a data, capítulos 1, 2, 3, 4 e 5. (Roque escreve um capítulo por semana) E depois eu volto pra trás.

Então “As travessuras de Roque” já está pronto?

Roque: É, tem que editar.

Você aprendeu a mexer no computador sozinho?

Roque: Eu já fiz curso de computação, em 2006.

E você estudou?

Roque: Sim, na escola estadual Gomes Freire e que hoje é escola municipal.

Você estudou até que série lá?

Roque: Até a quarta série.

Maria Helena (Lelena): Ele pegava a caneta vermelha da professora e guardava para que a professora não pudesse dar nota vermelha para os alunos

Alguém já te pediu pra você ensinar a pintar? “Me ensina a pintar Roque?”

Geralda (Nerinha): Há pouco, uns meninos aqui pediram pra ele dar uma noções de pinturas. Ele teve uma professora de pintura durante um tempo.

Roque: Terezinha Novais. Ela foi embora pra  Portugal.

Geralda (Nerinha): Você também tem pinturas la em Portugal. Ela levou um monte de quadro. Mas ele não simpatizou muito com a dona não. Ele sismou que ela parecia bruxa e não durou nem 2, 3 meses.

Você chegou a dar aula pra essas crianças?

Roque: Eu não tenho paciência com crianças.

Geralda (Nerinha): Mas eles ficaram aí pelo menos uns 10 dias, né Roque?

Roque: É.

Maria Helena (Lelena): Mas a paciência era 0.

Roque: Intolerância zero.

Mas todos os seus sobrinhos te tratam super bem?

Roque cita nome de vários sobrinhos, dando a entender que os tratam bem.

Qual a coisa que você mais gosta em você, gosta da sua alegria…?

Minha alegria são vocês que estão aqui.

Você gosta que as pessoas venham aqui, elogiem seu trabalho?

Sim.