Dos porões ao sucesso, ascensão da saúde mental ouropretana

Por Felipe Guadalupe, Rodrigo Almeida, Carlos Holosbach, Gustavo Ferreira e Thiago Dias

Os Centros de Assistência Psicossocial, CAPS, foram projetados com o intuito de fornecer um acompanhamento multidisciplinar a indivíduos com sérios problemas mentais e de dependência química. O psiquiatra Lucas Paiva está à frente desse projeto na região dos inconfidentes. Ele foi o responsável por apresentar em sessão na câmara de vereadores de Ouro Preto, os novos investimentos que serão feitos para atender melhor essa população. O CAPSi (infanto-juvenil), e o CAPS AD (álcool e drogas) terão unidades próprias, tornando os tratamentos mais específicos. Com esses novos incentivos, mais pessoas que necessitam do serviço terão acesso aos CAPS e mais oportunidades de retomarem a vida social.

Como é visto o tratamento da saúde mental em Ouro Preto

Lucas Paiva, funcionário da Saúde Mental de OP

#tecer – Como está a saúde mental no município?

Lucas Paiva – Está em um processo de transformação e ampliação. Desde o início do ano 2012, a equipe de trabalhadores tem feito um esforço muito grande para escrever os projetos e planejar as ações, bem como o impacto que isso significa no recurso humano, contratação de pessoal e mudança da estrutura física. Chamamos esses novos serviços de “rede de atenção psicossocial”. Há 30 anos, o único serviço que existia pra cuidar de  pessoas com algum problema mental ou vício em álcool e droga, era a internação nos grandes manicômios. De lá pra cá, uma série de serviços foram criados. Estamos conversando com a Santa Casa, definindo a utilização de seis leitos hospitalares, quatro para adultos e dois para crianças e adolescentes, também criando unidades de acolhimento infanto-juvenil para usuários de álcool e crack, que precisam de abrigo temporário, o CAPSI de Ouro Preto. Com isso, o nosso CAPS vai se tornar um centro que atende adultos e idosos, ficará aberto 24h por dia, incluindo feriados sábados e domingos, sendo uma segunda unidade, dessa maneira, facilitaria o acesso da população.

 

Dentro do atual estágio do CAPS OP, qual a principal dificuldade?

Hoje nosso principal desafio é oferecer hospitalidade. Em todos os municípios, os serviços avançaram oferecendo uma hospitalidade noturna nos feriados e fins de semana. A crise não tem hora pra chegar e tem hora que não dá pra falar para pessoa ir embora pra casa porque ela precisa de uma assistência mais próxima.

Como a comunidade ouropretana poderia contribuir para a melhora do atendimento?

A comunidade precisa participar para dar legitimidade ao trabalho. A gente está sempre aberto e convidando a todos a participar. Queremos fortalecer a participação do usuário, da família admitindo que a saúde se faz também dentro de casa, nas relações de amizade, na cultura e com educação.

Como está sendo essa transição de uma casa de acolhimento de saúde mental passando agora também a acolher usuários de drogas?

Uma convivência muito difícil. No início tínhamos uma casa apenas que misturava todos que precisavam de assistência. Algum usuário de substâncias químicas, pode às vezes convencer uma pessoa muito fragilizada, do ponto de vista da saúde mental, a se drogar também, ou algo do tipo, nos mostrando que  isto demandava um serviço com necessidade muito específica. Surgiu então o CAPS AD2 com trabalhos mais direcionados, mas estamos muito ligados ainda.

Então há necessidade dessa ampliação?

A gente diz na área da saúde que populações vulneráveis têm necessidades específicas. Então, por exemplo, um usuário de álcool, que é o principal problema do CAPS, se você priva ele 5 ou 10 dias do uso do álcool a necessidade dele já é outra. Ele já se torna uma pessoa organizada, que dá conta de trabalhar em uma série de coisas. Ao contrário de uma pessoa que está passando por um adoecimento grave, um delírio. Nesse caso eles teriam dificuldades de participar da mesma oficina juntos. Portanto, como são necessidades diferentes, os serviços também são diferentes.

O senhor concorda com internação involuntária? Como o CAPS lida com essa questão?

Nós temos aí a internação compulsória que é quando ela é determinada pela justiça, através de uma avaliação médica. E a involuntária, que nem sempre a gente concorda porque ela é muito pouco resolutiva. Uma pessoa que não está disposta a se cuidar,  às vezes é obrigada e acaba deixando de fora uma que pretende se tratar e precisa daquele recurso. Reconhecendo que no Brasil os recursos são minguados, eu penso que seria melhor investir em quem quer se tratar mas, a pessoa as vezes está avaliando mal a relação dela com a substancia e ela está numa situação de sofrimento de tal natureza, do corpo ou familiar ou social, que obriga, para proteção da vida, a internação involuntária. Esse tipo de internação o CAPS também faz.

Quem são as pessoas assistidas pelo serviço e quais as regras para a participação? 

O serviço funciona de porta aberta, se a comunidade acha que alguém precisa um profissional de nível superior da equipe vai receber a pessoa e a família e, assim, construir um projeto terapêutico singular. Ela vai participar de oficinas, de grupos de discussão ,grupos de reflexão e terá direito ao almoço e ao café. A gente sempre orienta a pessoa a procurar o posto de saúde perto de casa a partir da atenção primária à saúde, para depois ser encaminhado para o serviço especializado.

 Existe apoio de quais órgãos além dos governamentais?

Com a Samarco, apesar de que agora esse recurso que o Ministério da Saúde mandou vai nos permitir dar continuidade a este trabalho, da FAOP, do Museu da Inconfidência. (sic.) O financiamento é uma responsabilidade do município, do Ministério da Saúde e do Estado e tem uma pequena verba que é capitada no setor privado.

O senhor acha que há algum ponto em que o serviço possa melhorar?

Se conseguirmos ter mais profissionais pra dividir a tarefa e para que através dessa circulação de conhecimentos a gente possa reformular o nosso fazer. Aumentar o acesso da população ao serviço e conseguir fazer as planejadas mudanças na estrutura física. Assim a gente vai conseguir minimizar essas fragilidades que existem.

Como o senhor conheceu o serviço e há  quanto tempo você faz parte dele?

Nós estamos fazendo 20 anos e estou nele desde o início, começou com duas salinhas debaixo do Pronto Socorro antigo, era o “Porão da Loucura”.

Existe uma demanda da comunidade ouro-pretana para os serviços prestados pelo caps, essa demanda está sendo atendida ou poderia ser ampliada?

Eu diria que pros casos graves a gente tem conseguido dar uma resposta qualificada, mas pode melhorar, não temos dúvida disso. Mas muitos pacientes já podem ser atendidos sem romper com os laços sociais, sem o estigma do hospital psiquiátrico.

Como funciona o atendimento nas demais cidades e distritos vizinhos?

Nós somos referencia para região de Itabirito e Mariana. OP, hoje, está numa condição diferenciada porque já tem três serviços. Em breve nós vamos ter o atendimento em rede, vários serviços conversando e se responsabilizando. Então essa é a lógica que muda, não é a aquela coisa de “dar a receita e tchau”.

Mariana e Itabirito já têm também suas casas de atendimento ou as pessoas têm que procurar OP?

Mariana e Itabirito também têm seus CAPS e suas equipes, mas parte das obrigações é acolher os moradores de dessas cidades. Os leitos vão ser usados de acordo com tamanho da população. OP tem mais moradores, portanto vai ter mais leitos, mas nós vamos assistir o pessoal da região também.

É gratificante pessoalmente e profissionalmente este trabalho que o senhor faz?

É. Eu costumo dizer o seguinte, é como se fosse uma corrida de 20 km: a gente tem que correr, correr, correr, se dedicar à tarefa e no final a gente vai vendo alguns resultados, isso nos dá muita alegria.

Quais mudanças virão agora de imediato?

A curto prazo nós temos a mudança física do CAPSi, que estava na antiga FEBEM. De imediato, estamos alugando uma casa, fechando a controladoria e solicitando a vistoria da vigilância sanitária. Há 10 dias, foi iniciada uma reforma aonde virá a funcionar a unidade de acolhimento infanto-juvenil. A outra novidade seria ampliar o CAPS AD2, que hoje funciona apenas 8h passaria a funcionar 24h todos os dias da semana e a noite e teria 10 leitos de acolhimento.

Estamos reformulando também o serviço residencial terapêutico. Temos visitado os hospitais psiquiátricos aonde residem moradores da OP, Itabirito e Mariana que já estão internados há mais de dois anos. Assim, podemos conhecê-los e trazê-los para OP e montar uma casa para que eles possam viver com dignidade e não precisem mais ficar hospitalizados.

A população tem diferentes conhecimentos sobre os serviços prestados, a diversidade das opiniões reforça a necessidade de uma melhor divulgação para ampla população.

Renato Mesquita, lavrense, 25 anos, engenheiro de minas.

#tecer – Quais as pessoas você acha que a saúde mental recebe e atende aqui em OP?

Renato – Eu acho que deve ser as pessoas que são diagnosticadas por algum exame psicológico com algum problema mental é que deve receber essa assistência da prefeitura

Você tem algum caso na sua família de pessoas que tem problemas mentais ou alcoolismo e drogas? Que já precisou de algum serviço parecido com esse?

-Não, que eu saiba não

Daniel S. Alves, ouropretano, 53 anos, comerciante.

#tecer – Está familiarizado com os serviços que a CAPS oferece em Ouro Preto?

Daniel – Conheço em parte. Tenho uns amigos que trabalham na saúde mental. Tem o Paulo e o doutor Lucas, que é o psiquiatra, duas pessoas excelentes. É um lugar bastante aconchegante que conseguiu recuperar vários dependentes químicos.

Quantas unidades da CAPS já visitou?

Eu só conheço a unidade do CAPS AD.(unidade responsável pelo tratamento de dependentes químicos).

O serviço oferecido pela CAPS é mal divulgado na região?

Com certeza. Se não me engano, são poucos dependentes atendidos sendo que temos muitos na região.

Não existe divulgação para que não haja sobrecarga no serviço prestado pela CAPS?

Com certeza. Eu acho que devem ser contratados mais especialistas e funcionários para que todos possam ser atendidos.

Você conhece alguém que tenha frequentado ou ainda necessita do auxílio da CAPS?

Eu cheguei a fazer uma visita e conversei com um paciente, mas não lembro o nome dele.

Poderia ser melhor o serviço oferecido?

Eu acho que deveriam ter agentes de saúde abordando os dependentes que ainda não tiveram iniciativa de procurar ajuda.

Helena Maria da Silva A., ouropretana, 55 anos, professora da rede pública.

#tecer – Sabe de alguém que já precisou dos serviços do CAPS? Viu alguma melhora no comportamento dela após ter frequentado o centro?

Helena Maria: Sim. Uma amiga era dependente química e foi tratada no CAPS AD. Hoje, ela largou o vício e é funcionária da clínica.

Os serviços do CAPS são democráticos e o acesso à população é satisfatório?

Não, a questão é muito burocrática. São muitos os pacientes que têm dificuldade de acesso ao CAPS

Como esse problema poderia ser resolvido?

Primeiro poderia haver mais divulgação por parte da instituição para que as pessoas tenham maior conhecimento do que realmente é. São solicitados agendamentos e, muitas vezes, o solicitante desiste, deixando uma vaga em aberto. Como existem poucos psicólogos de plantão, geralmente não são chamadas pessoas que estão na lista de espera. Portanto, eu acho que deviria haver mais horários e funcionários disponíveis para atendimento.

O preconceito da população pode atrapalhar o acesso de quem precisa de tratamento disponibilizado pelo CAPS?

Com certeza. Você diz que a pessoa precisa de um acompanhamento psicológico e ela responde dizendo que não é doida. Esse preconceito existe por falta de informação, essa ideia de que saúde mental é coisa de doido afasta quem realmente precisa da ajuda do CAPS.

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Edição geral: Felipe Guadalupe

Edição: Rodrigo Almeida

Reportagem: Carlos Holosbach, Thiago Dias e Gustavo Ferreira