A vida estudantil em Ouro Preto no passado e hoje em dia: o que mudou?

Por Marina Morgan da Costa

Ouro Preto é uma antiga cidade mineira de 302 anos que há 174 abriga a Escola de Farmácia e há 137 a Escola de Minas. Com o advento dessas duas instituições educacionais, vieram para a antiga Vila Rica estudantes de todo o país que se agruparam em tradicionais repúblicas existentes na cidade

Conversando com Ivan Morgan da Costa, 61 anos, ex-aluno da Escola de Farmácia formado em 1975 e ex-morador da República Vaticano, foi possível perceber algumas mudanças que ocorreram ao longo dos anos na vida estudantil ouropretana. Ivan – que é meu pai – também é conhecido como “Bang” pelos companheiros de república. Ele respondeu algumas perguntas sobre a vida estudantil da época, do ponto de vista de alguém que morou em Ouro Preto no passado e tem uma relação estreita com um estudante da cidade atualmente.

"Quadrinho" do entrevitado, que está pendurado na parede da República Vaticano.

“Quadrinho” do entrevistado, que está pendurado na parede da República Vaticano.

Marina Morgan da Costa: Quando você chegou em Ouro Preto? Como era a Universidade?

Ivan Morgan da Costa: Cheguei em Ouro Preto em 1969, para fazer cursinho. Quando entrei no curso de farmácia em 1970 a Universidade Federal de Ouro Preto ainda não havia sido instituída. Eram duas escolas independentes: a Escola de Farmácia e a Escola de Minas, por isso havia poucos cursos e poucos estudantes na cidade.

MMC: E em relação às repúblicas, havia muitas? Como você escolheu onde morar?

IMC: Sim, sendo que a grande maioria eram federais, em casas da Escola de Minas e da Escola de Farmácia. Nas repúblicas pertencentes à Escola de Minas só moravam estudantes de engenharia, e nas da Escola de Farmácia somente estudantes de farmácia. No início, como estudante de cursinho, eu morei em uma casa com alguns amigos. Contudo fiquei muito amigo de um morador da Vaticano, que me levou pra lá. Como acabei fazendo o vestibular para farmácia, eu não poderia morar na república, pois era só para estudantes de engenharia, mas já havia ficado muito amigo dos moradores da época e acabei ficando um ano morando lá “escondido”. Depois de um tempo as coisas foram ficando mais tranquilas e eu pude me expor mais.

MMC: Havia batalha de vaga? Como era?

IMC: Quando eu cheguei as coisas era bem diferentes. Havia poucos trotes: o que era priorizado em um “bixo” era amizade e o comprometimento com a casa. Nós bebíamos muita cachaça e andávamos de “cabelo feito”, todo cortado e pintado. Precisei capinar um lote e fazer alguns trabalhos braçais, mas era só isso.

MMC: E a relação com os moradores nativos de Ouro Preto, era tão problemática quanto hoje em dia?

IMC: A relação nunca foi das melhores, mas acho que hoje em dia é pior, até porque o número de estudantes da universidade aumentou. Como em todo lugar cheio de jovens, é comum que haja muitas festas e música alta e nós que somos mais velhos não aguentamos mais esse ritmo. É normal.

MMC: Você ainda mantém uma boa relação com a república em que você morou?

IMC: Sim. Volto na Vaticano todo 12 de outubro, e acho ótimo. Revejo antigos amigos, relembro de casos e conto e reconto várias vezes a mesma história. É sempre muito bom, porque os meninos que moram lá hoje em dia são muito atenciosos e fazem de tudo pra nós nos sentirmos em casa.

MMC: Você acha que a “vida republicana” é válida? Pra você ainda vale a pena vir pra Ouro Preto e morar em república?

IMC: Claro. Dos meus três filhos, um morou e outra mora em república. Acho que mesmo que se tenha uma condição financeira que permita pagar um apartamento, a “vida republicana” é de grande aprendizado para os jovens, que geralmente chegam “crus” na universidade. Morando em conjunto se aprende a dividir, a respeitar outras pessoas, a se socializar mais, a controlar seu próprio dinheiro e resolver problemas longe dos pais.

MMC: Você acha que o perfil dos estudantes da UFOP mudou nos últimos tempos?

IMC: Sim. Antigamente era muito mais difícil cursar o ensino superior, por isso os estudantes davam mais valor aos estudos. Era raro ver algum estudante se formando depois do tempo ideal de curso e, hoje em dia, é o que mais se vê. Talvez por se ter mais facilidade e condições de estudar em uma universidade federal. Os alunos bebem demais, saem demais, festejam demais e estudam de menos – mas é claro que existem excessões. Infelizmente essa é a nova realidade da universidade que já foi considerada uma das melhores do país. É necessário que haja uma mudança na consciência dos jovens, para que a universidade de Ouro Preto volte a fazer valer sua tradição.

Nossa conversa ocorreu em casa, na mesa do café. Devido ao clima leve e descontraído, meu pai pôde expor suas opiniões sem papas na língua, de forma clara e direta, sem se preocupar em favorecer ou não o sistema.