Imbé de Luzita

por Emanuel Brandão

“Mas eu não tenho nada pra falar, Manueli”. Foi assim, me chamando por um apelido que só ela diz, que Almen Graças Guimarães Brandão, de 67 anos, me respondeu quando eu pedi uma entrevista. Ela quis saber porque ela e não o prefeito, o vice, os vereadores, o padre ou “qualquer outro mais famoso”. Logo respondi que ela era mais representativa que todos os citados. Luzita, como é mais conhecida, é uma das típicas figuras de Imbé de MInas: é conhecida por todos, tem amizade com a cidade inteira, fala muito, é ativa em política e mantém hábitos como moer milho em sua fazenda para fazer fubá. Esse lado mais antigo é contrastado com a modernidade do uso do computador e internet. Por isso, ela é a cidade. Imbé de Luzita!

EMANUEL BRANDÃO: Quando a senhora veio pra Imbé?

ALMEN BRANDÃO: Eu vim muito tempo depois da Revolução de 30. Não peguei a época de Joaquim Cândido [personagem chave na história de Imbé de Minas]. A cidade já estava mais tranquila, não tinha as brigas daquela época, ninguém matava mais. Imbé já era distrito de Caratinga. A vida era difícil, não tinha muita coisa aqui. A gente passou a depender muito de Caratinga. Antes, pelo que me contaram, Imbé era outra coisa. Uma cidade moderna, tinha telefone, aeroporto – Imagina quando essa gente viu avião? Aposto que ficaram todos muito bobos (risos). Eu imagino o desespero da Mariinha da ponte [amiga de Luzita] (mais risos) – cinema, teatro, energia elétrica. As cidades ao redor ainda não tinham. Mas Imbé tinha. Era orgulho pra todo mundo. Aí foram matar o homem [Joaquim Cândido morreu com 300 tiros, dados por pistoleiros da região a mando de figuras políticas adversárias] … E teve aquele padre que rogou praga na cidade também. Como ele chama mesmo…

EB: Padre Celestino Cicarine.

AG: Esse mesmo. Será que é verdade?

EB: Deve ser.

AG: Não acredito muito.

EB: Por quê?

AG: O padre não faria uma coisa dessas. [Os moradores contam que o Pe. Celestino rogou uma praga de 100 anos à cidade. Imbé não passaria de “um curral de cabritos”, nas palavras atribuídas a ele]. Se bem que isso pode explicar porque a cidade tá do mesmo jeito que era desde aquela época.

EB: Pra senhora, nada mudou?

AG: É claro que o povo diz isso [a praga do padre], mas a cidade mudou. Hoje não dependemos tanto de Caratinga, ainda tem questões de banco, cartório de imóveis e outras pendências de lei pra resolver lá, mas muito menor do que era antes. Temos asfalto até a encruzilhada [O centro de Imbé é distante por aproximadamente 22 km da BR-116, a “encruzilhada”]. Temos prefeitura, telefone, luz na roça, hospital [na verdade é pronto atendimento, mas a maioria das pessoas chama de hospital] e outras coisas. Antes o povo era mais unido. Hoje é tudo desunido! A gente não pode ser assim. Mas eu gosto dessa época moderna. Tenho até computador e internet!

EB: Mesmo assim a senhora ainda gosta de moer o milho pra fazer fubá, ao invés de comprar pronto.

AG: A qualidade é outra, Manueli. Esse fubá que vem pronto é muito grosso. Tudo que você vai fazer com ele fica ruim. Experimenta pra você ver. Sua mãe, eu aposto, que não gosta. Ela compra meu fubá. Experimenta esse bambá [prato feito com fubá, couve, linguiça, entre outros]! Foi feito com meu fubá. Vi a receita no Globo Rural.

EB: Desculpa, não gosto de fubá.

AG: É bobo mesmo! Tá uma delícia.

EB: Obrigado.

AG: Lembro de você com cinco anos. Era um menino bobo. Não conversava com ninguém. Só ficava com sua avó.

EB: Cresci e não mudei muito.

AG: Não, agora você tá diferente. Agora você conversa. Tá até me entrevistando. (risos)

EB: Já sei que a qualidade do milho moído aqui é melhor. Isso explica porque sempre tem muita procura pelo seu fubá?

AB: Não só isso. Tem gente que compra de mim faz muito tempo. Você não era nem nascido, sua mãe era pequena. Meu moinho fica no sítio ali pra baixo, perto da cachoeira [no Córrego Rio Claro, um dos mais próximos ao centro da cidade. Começa em torno de 1 km após a última rua]. A pessoa traz o milho de casa e eu vou moer. Se eu tenho milho sobrando, eu vou lá e moo e coloco alguns sacos pra vender. Quase não tem. Eu crio galinhas e tenho que tratar delas. Tenho aqo ficar bravo (risos).ui e no lá no sítio [onde fica o moinho].

EB: A senhora mesmo moi? Não é um trabalho pesado?

AG: Deixa de ser bobo! O que tem de difícil em debulhar o milho, pôr na máquina e esperar? Nem parece que você foi crescido em uma cidade que parece roça. Eu moo e o Isaltino [marido de Luzita há mais de 30 anos] também. O que é difícil é ir carregar o carrinho [de mão] até o sítio, porque é pesado. Mas isso o Isaltino faz ou a menina que trabalha comigo. Não tô gostando de deixar o Isaltino ir sozinho. Você sabe, ele tá com pouca visão. “Perdeu” o olho esquerdo e não enxerga quase nada no direito. Tenho medo de carro atropelar ele.

EB: Já aconteceu?

AG: Não, mas quase. Ele é muito teimoso. Eu falo pra ele não ir, mas não adianta. Quando eu descuido um segundinho, ele sai. Ele não consegue ficar parado. As vezes tenho de deixar ele ir, mas fico com o coração saindo pela boca. Ele é conhecido aqui e isso me deixa um pouco mais aliviada. Se algo acontecer, o povo vem correndo me contar e outros vão ajudar ele. Mas isso é porque a gente é mais velho, conhecido e respeitado. Se é um bobo da roça, tenho até dó. A ajuda vem, mas não é a mesma coisa quando é com gente conhecida. Por isso que eu digo que o povo é desunido. Só olha o seu lado.

EB: Como surgiu a ideia de comprar um computador e aprender a usar?

AG: Eu via todo mundo usando computador e dizendo que era muito bom. Além de todos os lugares que eu ia – supermercado, banco, outras coisas – ter computador e tudo depender dele. Então, resolvi comprar um e aprender a usar. Foi uma ótima coisa que eu fiz. Distrai a gente.

EB: Como a senhora aprendeu a mexer?

AG: Tive aulas com um professor particular (risos). Eu pagava e ele vinha aqui me ensinar.

EB: O que a senhora mais faz no computador?

AG: Acessar a internet. Vejo receitas, as orações do santuário do Divino Pai Eterno e converso com muita gente que não vejo há anos. Me mandam recado e eu logo respondo. Pra responder eu clico em postar. Não é assim?ntrastado com a modernidade do uso do computador e internet. Por isso, ela é a cidade. Imbé de Luzita!

EB: No Orkut é.

AG: Ninguém mais usa Orkut, né? Mas eu ainda uso. Tem aquele outro também, mas eu uso pouco.

EB: O Facebook?

AG: É. É isso mesmo. Mas eu não gostei. Na última política [campanha eleitoral] as pessoas escreveram muita bobagem. Muita gente falando sem saber. Qualquer um pode falar o que quiser. É mais fácil espalhar bobagem.

EB: Falando em eleição, a senhora é uma peça-chave para a política daqui.

AG: Eu ajudo no que posso.

EB: Isso inclui dar dinheiro pra financiar a campanha do DEM.

AG: Não é financiar. Falando assim parece uma outra coisa. Parece coisa errada. Eu ajudo um pouco na campanha. Dou dinheiro quando eu acredito no candidato. Tem muitos anos que eu só voto no PFL (atual DEM). Toda minha família é assim. Acreditamos nntrastado com a modernidade do uso do computador e internet. Por isso, ela é a cidade. Imbé de Luzita!o partido.

EB: Os candidatos tem prazer em te ouvir. Sempre vejo alguns aqui na sua casa.

AG: Eu converso com todo mundo. As pessoas me contam os problemas e u procuro ajudar. Quando um candidato vem aqui, ele tem de escutar também. Não pode só ir lá [ser eleito vereador] e achar que é só isso. Tem de ajudar o povo. Então, quando algum vem aqui, eu falo tudo que me contam.

EB: Tem funcionado? Os políticos te ouvem?

AG: Sim. Ainda bem.

EB: Em que a senhora já ajudou?

AG: Conseguir tratamento [de saúde] pra muita gente. Não podemos deixar ninguém ficar doente e sem tratamento. Isso é o mínimo que a prefeitura deve fazer. Um dos últimos que eu consegui foi pedir pra varrer a rua. Depois da eleição, pararam de varrer a rua todo dia. A cidade tava imunda. Falei que eram pra varrer e varreram. Não foi todo dia, mas já tá melhor. Ninguém tava aguentando a cidade suja daquele jeito.

EB: Por que o apelido “Luzita”?

AG: Acharam que eu tinha cara de “Luzita” e ficou. Meu pai que me botou [o apelido]. Mas pode dizer aí que eu sou jacarezona [símbolo do PDMD, partido adversário ao DEM] pro povo ficar bravo (risos).

Luzita, a cara da cidade. Reprodução de foto em rede social.

Luzita, a cara da cidade. Reprodução de foto em rede social.