O cotidiano de um paraplégico e de um cego no berço dos Inconfidentes

por Sidharta Mendes Monteiro

Construída entre montanhas, Ouro Preto é caracterizada pelas ladeiras e morros Construída entre montanhas, Ouro Preto é conhecida por suas ladeiras e morros

Ouro Preto é conhecida como uma cidade que representa a luta pela liberdade, porém,  essa liberdade não pode ser exercida plenamente por todos que nela residem. Em uma época em que se discute temas como acessibilidade, a cidade se mostra como um desafio não somente àqueles que possuem dificuldades de locomoção, como usuários de cadeiras de rodas e portadores de deficiência visual, mas também a idosos e pedestres de modo geral.

Em várias cidades do Brasil problemas de acessibilidade podem ser constatados. Em Ouro Preto são perceptíveis os desafios de uma cidade histórica para receber pessoas com deficiência, afinal, grande parte das construções data do século XVIII, época em que os deficientes viviam confinados à própria residência. A topografia da cidade também é um problema. Construída em meio a montanhas, a cidade é em grande parte constituída de ladeiras, o que dificulta o trânsito de pessoas deficientes pela cidade.

Para manter o debate sobre o tema, foi realizada em novembro de 2010, uma audiência pública que resultou em um grupo de trabalho voltado à apresentação de ideias e soluções para os problemas de acessibilidade da cidade. Na época, foram discutidas questões pontuais como a manutenção de passeios, visitação aos museus da cidade, calçamento das ruas e rampas de acesso, sistema de caixa eletrônico das agências bancárias e letreiros de ônibus. Decorridos quase 3 anos desde a audiência pública o que mudou?

O cotidiano de um cadeirante em Ouro Preto em 2013

Carlos Estevão dos Santos, 58, conhecido como Cacau, é paraplégico desde o nascimento. O mais velho de uma família de oito filhos, Cacau nasceu com uma das vértebras fora da posição normal, e convive desde cedo com a deficiência.

Ex-vereador de Ouro Preto, ele participou como relator na criação da Lei Orgânica do Município de 1992, que garantiu aos deficientes vitórias como o direito de transitar gratuitamente no transporte público da cidade. Participou também, no mesmo ano, da fundação da Associação Comunitária dos Deficientes de Ouro Preto (ACODOP), hoje presidida por João Avelino Pereira, conselheiro municipal de saúde.

Segundo Cacau, a topografia de Ouro Preto pouco contribui para a implantação de modificações que contribuam para a melhora da vida dos deficientes. Para ele, existem algumas coisas que podem ser feitas, mas são poucas, porque o modo como se deu a ocupação do espaço na cidade não permite grandes mudanças. Cacau vive em uma ladeira no bairro Cabeças e não consegue imaginar como a Prefeitura Municipal poderia contribuir de modo efetivo para facilitar o trânsito dos deficientes pela cidade “Algumas coisas podem ser feitas, corrimãos na Rua Direita, ranhuras nas calçadas para aumentar a aderência e coisas que já vem sendo implantadas como elevadores em prédios públicos, mas não vejo outras soluções” diz Cacau.

Para o ex-vereador há muita burocracia e falta vontade política na realização de algumas modificações. Aos 58 anos, diz que quase nunca sai de casa, porque tem medo “O trânsito em Ouro Preto é uma loucura, tenho medo de ser atingido por um carro ao atravessar uma rua” completa. Para ele, somente um usuário de cadeira de rodas que seja atleta tem alguma chance de transitar pela cidade.

Carlos Estevão dos Santos, o Cacau com os quadros de seu irmão Wander Bartolomeu ao fundo.  Foto: Sidharta MonteiroCarlos Estevão dos Santos, o Cacau, com os quadros de seu irmão Wander ao fundo Foto: Sidharta Monteiro

De acordo com Secretário de Cultura e Patrimônio Histórico, José Alberto Pinheiro, o governo municipal vem trabalhando para garantir melhorias que facilitem a vida dos deficientes em Ouro Preto.

Segundo ele, é sempre complicado adaptar a cidade em virtude de a mesma constituir patrimônio histórico mundial. “É preciso ter bom senso, melhorar a cidade para atender os deficientes mas sem nos esquecermos do patrimônio”diz o Secretário, e completa: “a virtude está no meio”. A dificuldade da relação entre acessibilidade e patrimônio histórico é tratada no curta documental realizado pela Base Criativa da TV Ufop. Em (In)Confidências, são apresentadas as dificuldades vividas pelos deficientes devido à quase ausência de acessibilidade no Patrimônio Histórico e Cultural de Ouro Preto e Mariana

Entre as modificações previstas em Ouro Preto, estão a retirada dos estacionamentos do centro da cidade, a construção de um túnel que passará por trás do prédio da Escola de Minas na Praça Tiradentes e que diminuirá o trânsito de carros no centro e a modificação de calçadas e prédios públicos. “Nós trabalhamos em conjunto com o IPHAN e a cada solicitação de modificações que recebemos de estabelecimentos comerciais, pedimos que incluam um projeto de acessibilidade” diz o Secretário.

Cacau e José Alberto concordam que existem dificuldades que atrapalham as modificações necessárias aos deficientes. Para o Secretário, há uma uniformização das leis que tratam a questão da acessibilidade que não leva em consideração certas peculiaridades de cada cidade, como por exemplo, a topografia de Ouro Preto.

Os deficientes e a Universidade Federal de Ouro Preto

A Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) desde meados da década de 1990, desenvolve, por meio do Núcleo de Educação Inclusiva (NEI) um trabalho de apoio que tem por intuito a inclusão do aluno com necessidades educacionais especiais.

A função do NEI é procurar oferecer alternativas à permanência dos alunos da UFOP com necessidades especiais. De acordo com Adilson Pereira dos Santos, membro do NEI e coordenador no Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP), atualmente a Ufop, por meio do núcleo, atende cerca de 60 estudantes portadores de deficiências espalhados entre seus campi. “Esses números são fornecidos por meio do Censo da Educação Superior ao MEC, que repassa os recursos à Universidade, porém a Ufop investe muito mais do que recebe” diz Adilson.

Felipe Riguni Lopes, 23, é um dos estudantes atendidos pelo núcleo. “Furado”, modo como Felipe é conhecido na Universidade, cursa Engenharia de Produção e é cego. Uma infecção nos olhos quando era criança, gradativamente afetou a visão de Felipe, que aos 12 anos já era cego. A deficiência não é barreira para o estudante, que atualmente preside a empresa júnior e possui um dos maiores coeficientes de rendimento acadêmico de seu curso.

Da esquerda para direita, Mateus, Vitor, Gabriel, Felipe, Nilton e Rodrigo junto à bandeira da República Copo Sujo   Foto: Sidharta MonteiroFelipe Lopes, o “Furado”, com seus companheiros de república  Foto: Sidharta Monteiro

Furado, como foi apelidado na República estudantil em que vive, optou por batalhar vaga e foi escolhido para morar na República Copo Sujo. O estudante abriu suas portas e nos conta um pouco de seu dia a dia em Ouro Preto e na UFOP.

ENTREVISTA REALIZADA COM FELIPE “FURADO” 

Para além dos muros da Universidade, o núcleo possui ainda parcerias com prefeituras municipais, promovendo a capacitação de professores da rede pública de ensino para que os educadores saibam como lidar com portadores de deficiência.

Embora o NEI esteja voltado ao âmbito pedagógico, o núcleo mantém diálogo com a Prefeitura da UFOP, que procura adequar tanto edifícios quanto as zonas externas de acesso.

Segundo o Prefeito do Campus da UFOP, Edmundo Dantas Gonçalves, a Universidade está em constante movimento no que toca às alterações voltadas aos portadores de deficiência. “Todos os prédios novos construídos na Universidade já são adequados às normas de acessibilidade” diz Edmundo.

Para Edmundo, o grande problema é adequar os edifícios que já estão construídos e são tombados pelo patrimônio histórico. Ele cita exemplos como o Instituto de Filosofia Artes e Cultura (IFAC) no centro de Ouro Preto e do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), localizado em Mariana. “É preciso bom senso quando falamos em adaptações”, diz Edmundo sobre as modificações em prédios históricos. Segundo ele, sempre que algum edifício da Universidade recebe alguma forma de manutenção  adaptações são feitas, e que eventualmente os prédios ainda não adaptados, estarão modificados.

“A universidade é um organismo vivo e por isso está sempre sofrendo mudanças”, diz Edmundo. Outras melhorias previstas são faixas podotáteis (faixas que ajudam deficientes visuais a se guiarem com os pés), bem como mapas e avisos em braile. Todas essas modificações garantirão a alunos como Felipe pleno acesso aos quatros cantos da universidade.