Órgão da Sé: uma relíquia musical

“… um Órgão grande com sua caixa e mais ornato e tolhas pertencentes a ele que chegou em 18 caixões numerados com as advertências precisas para se armar e também em 10 embrulhos grandes e pequenos numerados…” 

Arquivo Histórico Ultramarino

Por Luiza Lacerda e Marília Mesquita   

A Catedral da Sé preserva um Órgão Arp Schnitger, datado da primeira década do século XVIII e trazido ao Brasil como presente à recém criada Diocese de Mariana, em 1748. Construído na Alemanha por Arp Schnitger, também produtor de aproximadamente outros 170 exemplares, é um dos mais conservados instrumentos e o único localizado fora da Europa.

Decorrente do longo período vigente, o órgão sofreu algumas modificações de adaptação ao gosto musical do momento. Parou de funcionar em 1930 e apenas em 1970 iniciou um amplo processo de restauração em duas etapas, a primeira, com objetivo técnico e de utilidade, o levou à reinauguração em 1984, e a segunda, num processo delicado de reconstrução de características primitivas, ocorreu entre 1997 e 2002.

Significativo tanto pelo valor histórico quanto pela atividade musical, em 1986, foi criada a Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana com a finalidade de desenvolver um programa de preservação do seu patrimônio cultural. Desde então, a Arquidiocese promove concertos semanais e oferece cursos de educação musical.

Para saber mais sobre o tema, conversamos com o Conêgo Nédson Pereira, pároco da Catedral da Sé:

O que simboliza uma diocese recente e com menos tradição no Brasil ser presenteada pela Coroa Portuguesa com o Órgão Arp Schnitger?

Con. Nédson: A então diocese de Mariana, criada pelo Papa Pio X pela bula “Canoba ducis Setarae”, de forma alguma se torna uma diocese com menos tradição no país, ela é a primeira Diocese criada no interior do país, uma vez que a colonização se inicia pelo litoral. Torna-se assim a primaz do interior brasileiro, e é a primaz de Minas Gerais. Estes são alguns dos motivos que na certa influenciaram na doação da coroa. É a sexta diocese criada no contexto brasileiro, pois vem depois dos bispados da Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão e Pará. 

O que significa o órgão da Sé ser o único exemplar da categoria fora da Europa?

CN: Sem dúvida é uma preciosidade. Raro pela sua importância histórica, para Minas e para o Brasil, e por seu valor instrumental. É um dos poucos instrumentos, tão antigo, sendo executado no país.

Qual a imporância de um órgão dentro de uma Igreja Católica? 

CN: O órgão é por excelência o instrumento litúrgico oficial da igreja. Justamente por isso, você vai encontra-lo em todas as catedrais e em muitas igrejas do período Barroco.

Qual o interesse e o conhecimento da população sobre a existência e funcionamento do órgão?  

CN: Nossa sociedade não tem o cuidado devido com tal instrumento, cuidado no sentido de valorizar, apreciar e conhecer. Porém, falta-nos uma educação patrimonial, não só para a valorização de tal instrumento, mas de todo o patrimônio histórico e artístico da cidade que está muito descaracterizado.

De quem é o interesse na conservação do órgão? Da Diocese ou do Estado?  

CN: Sem dúvida, em primeiro lugar, da própria Diocese, uma vez que o então Bispo Dom Oscar mobilizou empresas e conseguiu depois de longo período a total restauração do órgão. Neste ato, ajudou-nos muito a CEMIG, grande patrocinadora na época.

Como a Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana vem promovendo a valorização do órgão?

CN: Inicialmente por meio de concertos regulares que acontecem na catedral às sextas-feiras e domingos, agora por iniciativa da paróquia o órgão passou a ser usado com mais frequência nas celebrações dominicais que acontecem às dez horas na catedral. Ainda por iniciativa do Escutário da Elisa Freixo, por meio de circulação de propaganda.  

A organista do Órgão Arp Schnitger, Josinéia Godinho, também nos concedeu uma entrevista.

De onde surgiu o seu interesse pela música e especificamente pelo Órgão? 

Josinéia: Comecei a estudar música, mais especificamente piano, ainda com sete nos de idade. Minha mãe me deu as primeiras aulas de música. Desde muito cedo, tomei parte em atividades musicais no campo litúrgico. 

Como você tomou conhecimento sobre o Órgão em Mariana? 

J.: Como estudante de órgão, tive a oportunidade de tomar parte de diversos cursos de interpretação organística realizados aqui nos anos 90. Uma geração de organistas brasileiros esteve presente aqui e pode ter contato com o Órgão da Sé, então recém inaugurado depois da restauração.

Como você se sente na condição de organista de um órgão raro? 

J.: Em primeiro lugar, é uma grande responsabilidade, mas certamente também um privilégio ter contato com um instrumento de valor técnico, musical e histórico tão altos.

Qual a diferença entre tocar o Órgão da Sé e um órgão moderno? 

J.: O órgão da Sé tem um sistema de afinação muito peculiar, seguindo os modelos de afinação que eram mais usados no século XVIII. Também ele tem uma série de outras particularidades que incluem a extensão do teclado e a forma de usar o pedal. Estas características reunidas determinam a forma como o instrumento deve ser tocado e o tipo de música a ser executado nele. 

A restauração concluída em 2002 manteve a estrutura fiel do instrumento ou teve algum tipo de adaptação aos tempos atuais e tecnologias modernas? 

J.: A restauração de 2002 teve exatamente como objetivo trazer o instrumento para o estado mais próximo possível da sua concepção original do séc. XVIII. Desta forma, não só a sua estrutura original foi mantida, como mudanças que haviam sido feitas no decorrer dos séculos foram revertidas.

Como funcionam os consertos realizados e qual o público alcançado? 

J.: Os concertos são regulares, todas as sextas-feiras às 11h30 e domingos às 12h15. O público é bastante heterogêneo, sendo formado por estudantes tanto universitários quanto do ensino fundamental, professores, aposentados e profissionais em geral, assim como turistas estrangeiros, organistas e pessoas interessadas em música no geral.

Você, como organista, sente a necessidade de uma reeducação da população quanto à cultura musical?  

J.: A cidade de Mariana tem uma tradição musical bastante variada e valiosa. Creio que a população precisaria ter maior interesse em conhecer o patrimônio musical da cidade, para ter conhecimento daquilo que faz da cidade e de sua cultura algo único e que serve de diferencial para ressaltá-la dentro da massificação cultural atual. Não sei se isso seria de fato reeducação. Acredito muito mais em abertura de horizontes.

Coletamos ainda a opinião de Dolores Vieira, moradora da cidade de Mariana.

Você tem conhecimento da existência de um órgão (instrumento musical) do séc. XVIII, na Catedral da Sé? 

Dolores Vieira: Sim. 

Há apresentações 2 vezes por semana, você já participou de alguma? 

DV: Não, mas gostaria de ir.

Você tem interesse em conhecer mais sobre o órgão? 

CV: Sei que o órgão é importante, eu me lembro das pessoas mais velhas contando como as partes dele chegaram de navio da Europa. Mas eu tenho interesse sim. Acho que falta divulgação para a população local por parte dos responsáveis. Eles divulgam muito para os turistas e para o pessoal que vem de fora para trabalhar na Vale e na Samarco. Mas a população mesmo sabe pouco sobre o patrimônio histórico daqui.   

 

Links de apoio:

Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana: http://www.arqmariana.com.br/agenda/index.php?option=com_contact&view=category&catid=62&Itemid=106