O sempre novo Gonzo

por Amanda Sereno, Ana Clara Oliveira, Inaê Martins

Indo contra muitas das concepções estabelecidas na atividade jornalística, o Jornalismo Gonzo deixa de lado qualquer ideia de imparcialidade e objetividade. O repórter participa ativa e inteiramente do que é retratado, tornando-se personagem da história e modificando-a de acordo com seu ponto de vista. O maior ícone desse estilo é o jornalista Hunter S. Thompson, que escreveu clássicos do estilo como Fear and Loathing on the Campaign Trail ’72, Medo e Delírio em Las Vegas e Rum – Diário de um Jornalista Bêbado. Uma das versões da origem do nome é de que a palavra é uma gíria da Irlanda usada para designar o último homem que acaba em pé em uma bebedeira. O jornalista que batizou o estilo, Bill Cardoso, utilizou o “gonzo” em referência a um texto de Hunter Thompson. Esse formato faz parte de um ramo inovador no Jornalismo e surgiu nos Estados Unidos na década de 60, revolucionando a imprensa norte-americana. Serviu ainda para satisfazer o sonho de muitos jornalistas: escrever um grande romance.

Contrariamente ao Jornalismo “comum”, essa vertente leva ao leitor a vivência do jornalista, sem todo aquele “profissionalismo” de sempre. No entanto, esse aprofundamento e envolvimento com a história é dispensável na transmissão de acontecimentos factuais. Isso deixa clara a distinção entre as linhas, não há eliminação ou substituição. Notícias e reportagens de cunho imparcial e objetivo têm seu lugar na mídia, da mesma forma que o Gonzo, com toda a sua subjetividade, também tem.

A quebra de paradigmas jornalísticos gera adesão e recusa por parte dos leitores. Há quem diga que essa parcialidade exposta coloca em questão a seriedade da reportagem. Em contraponto, há aqueles que se identificam e aderem a esse tipo de leitura. No âmbito dos profissionais da área, o formato ganha mais adeptos entre os jovens jornalistas, como, por exemplo, André Julião, atualmente repórter na National Geographic Brasil. André é formado em Comunicação Social-Jornalismo pela PUC-Campinas e fez seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre Jornalismo Gonzo.

Em meio a tantas discussões e contraposições, o Jornalismo Gonzo se faz presente no famoso programa de televisão A Liga, da Rede Bandeirantes. Com característica investigativa e de denúncia, o programa está aí para mostrar que Gonzo e seriedade podem, sim, caminhar juntos. A profundidade das reportagens de A Liga e dos trabalhos de André Julião e toda essa nova concepção jornalística serão abordados nessa reportagem. Dentro de uma profissão tão tradicional como o Jornalismo, sempre vale a pena abrir espaço para os aperfeiçoamentos, modificações e inovações nesse campo de tanta relevância para a sociedade.

A Liga

 

Débora Vilalba, Altair Gonçalves (Thaíde), Cazé Peçanha e Mirian Bottan são os repórteres de A Liga. Eles se dispõem a passar por diversas situações e se misturam vigorosamente com a ação durante as reportagens. O programa foi criado pela produtora argentina Eyeworks, é exibido pela Rede Bandeirantes e a intenção é justamente fugir da não interferência e tocar a realidade, olhar as coisas mais de perto. Esse formato jornalístico atrai principalmente o público jovem por ser inovador, ter um contato maior com a realidade e por vivenciar as situações que aborda. Diferentemente de jornais tradicionais, que muitas vezes só repassam a informação do que ocorreu, ou, no máximo, fazem a cobertura do acontecimento e tentam fazer isso de forma imparcial, A Liga foge de todas as regras básicas do jornalismo e realiza as matérias de forma parcial. Entre os canais abertos brasileiros, é um dos poucos programas nesse formato.

No episódio “Vivendo perigosamente”, exibido em novembro de 2012, o assunto central foi a falta de condição de moradia existente em cidades brasileiras. O programa tratou, de modo geral, das más condições de vida em favelas, da falta de saneamento básico, de redes de água, de pavimentação, além de mencionar o direito humano de moradia adequada, presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Enquanto Cazé saiu com os pescadores da Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, e sentiu na pele os impactos ambientais que prejudicam a pescaria, Thaíde foi para o manguezal tentar caçar caranguejos. Mirian e Débora conversaram com uma mulher que estava esperando por um transplante fígado, fizeram visitas à favelas e conversaram com a mãe de um pescador assassinado ao sair para trabalhar.

No Jornalismo Gonzo os repórteres vivenciam as situações e buscam expor todos os problemas possíveis dentro de um mesmo tema. Nesse episódio o conteúdo central foi sobre brasileiros sem condições de sobrevivência. Os repórteres apuraram desde a escassez de hospitais para a população, até os impactos ambientais que interferem diretamente na sobrevivência dos trabalhadores.

Gonzado Julião

 

 Julião, depois do esforço de seu TCC, que foi a elaboração do livro titulado “Caminho Iluminado – Trilhando a Rota do Jornalismo Gonzo” juntamente com seu colega de curso Renan Magalhães e de trabalhar na IstoÉ Ciência, e também como freelancer em alguns jornais, ainda produzia naquele formato padrão de escrita tanto questionadopor ele mesmo. Recebeu, então, uma proposta da National Geographic de realizar uma reportagem sobre a menor cidade do Brasil – Borá (SP) – ficando uma semana por lá. O que ele queria aconteceu nessa cidadezinha, em seu desejado Gonzo, viajar e reportar de acordo com suas próprias experiências e ainda mais marcante: escrever com subjetividade, sem se preocupar – claro que não inteiramente – com as normas jornalísticas.

O resultado dessa viagem está em “Menos é Mais” junto com algumas fotos da cidade. “Ilha do Medo” foi sua próxima reportagem – de natureza- publicada, sobre a jararaca-ilhoa em uma ilha chamada Queimada Grande, próxima ao litoral de São Paulo. Nesta, Julião fala ter obtido uma das experiências que mais o ensinou ao fazer reportagens sobre natureza por ter tido que tomar muitos cuidados e sempre prestar muita atenção nos detalhes da “mata”, em uma ilha que possui sua população praticamente de cobras e aranhas. Ele também escreve no blog “Observatório de Gente”, nele há relatos, escritos de forma bem pessoal, de experiências tanto do seu dia-a-dia quanto de viagens, que contam estórias e às vezes até aconselham.

Abaixo está uma entrevista feita com Julião via e-mail – pois afinal, esses meios de comunicação das novas mídias são as mais ideais para quem está sempre viajando ou planejando uma viagem né?! – para nos esclarecer alguns detalhes.

Amanda: Por participar ativamente das situações, deve haver uma comoção, uma sensibilidade. Conte-nos se você já passou por isso, e como é.

André: Tudo que acontece faz parte da experiência, portanto a comoção, quando acontece, é sempre levada em conta. Isso nem sempre aparece em forma de narrativa (contar o que me deixou comovido), mas certamente influencia no resultado final. Passei por isso várias vezes, principalmente nas que envolvem um contato mais prolongado com os atores da reportagem (personagens, fontes, guias etc).

Amanda: Durante um período da vida você trabalhou na IstoÉ. O estilo de escrever era o mesmo? Você notou muita diferença?

André: Muita diferença. A minha função, vista de forma bem prática, era preencher um espaço semanal reservado a ciência e tecnologia. Claro que é uma outra forma de jornalismo, também importante. Valia mais a informação do que o estilo. Graças a essa experiência, porém, eu tive acesso a muita informação e aprendi a resolver situações urgentes (tinha sempre pouco tempo para escrever, às vezes sobre assuntos bem complexos). São experiências que se complementam na minha formação.

 Amanda: Você acha que para retratar viagens e experiências o jornalismo em primeira pessoa é a opção mais eficiente?

André: Certamente. As impressões ganham mais credibilidade, tornam-se mais críveis, além do principal, que é gerar uma empatia com o leitor/espectador.

Amanda: O que te levou a fazer o TCC sobre Jornalismo Gonzo? Você acha que esse estilo tem mais adeptos jovens?

 André: Foi o assunto que calhou para falar de algo que ia além do tal “jornalismo objetivo”, quase cartesiano, que meus professores tratavam até como uma “fórmula”, 3Q + COP (Quem, que, quando, como, onde e porque). Os jovens têm a tendência de ser contra o que os mais velhos postulam, então acho que essa foi a minha reação ao que me diziam nas aulas. Com a prática diária, eu vi que não precisava ser nem um, nem outro. Podia achar um caminho do meio. Acho que consegui.