Afasta de mim este “cale-se”

A ditadura militar institucionalizou a censura, fechou jornais, prendeu e executou jornalistas. Apesar da violência praticada pelo Estado ter acabado, a censura continua atuando de outras maneiras.

Por Ana Amélia Maciel e Aprigio Vilanova

O pesquisador Mauro Teixeira, mestrando em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), afirma que os veículos de imprensa passam por uma crise de legitimidade, com origens na ditadura militar de 64: “Atualmente o Estado não os impede mais de publicar o que quiserem; porém, sem autonomia, as redações parecem presas às opiniões e preferências de proprietários, acionistas e anunciantes”. Para o pesquisador, a crise atual pela qual passam veículos de comunicação e a perda da legitimidade é fruto da intervenção do estado durante a ditadura. A censura que atingiu a autonomia das redações ainda reflete no jornalismo brasileiro, afirma.

A ditadura de 1964 inaugura no Brasil uma fase de restrições a liberdade dos cidadãos, os atos institucionais baixados pelo governo militar foram paulatinamente cerceando a livre manifestação. Com a publicação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro de 1968, no governo do general Costa e Silva, a ditadura instituiu a censura prévia aos órgãos de imprensa do país. As redações dos jornais brasileiros passaram a ser submetidos a uma fiscalização por parte de agentes do governo. Os censores autorizavam ou vetavam a publicação de matérias e conteúdos.

A censura à imprensa não foi exclusividade do regime de 64, mas é nesse período que assume sua faceta institucionalizada. Mauro Teixeira afirma que a ditadura do Estado Novo, de 1937 a 1945, comandado por Getúlio Vargas, utilizou-se da censura a imprensa; e após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, esse expediente também foi utilizado.

O Caso Herzog

Vários jornalistas foram presos, torturados e houve casos também de assassinatos cometidos pelos representantes da ditadura a partir de 1964. Um dos casos emblemáticos é o do jornalista Vladimir Herzog (Vlado), preso em 1975. Após ser torturado, foi encontrado morto nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Informações (DOI-CODI), de São Paulo.

As autoridades militares alegaram que Herzog havia cometido suicídio, mas a imagem que a ditadura veiculou já deixa clara a versão distorcida do assassinato. A foto divulgada mostra Vlado pendurado por um cinturão na grade da cela do DOI-CODI. A imagem foi contestada pois o suicídio por enforcamento seria impossível naquela situação. A altura entre a grade e o chão da cela não permitiria o enforcamento, na foto Vlado está com as pernas dobradas.

Novo atestado de óbito reconhecendo os maus tratos sofrido por Vlado no DOI-CODI

Em 2013, novo atestado de óbito reconhecendo os maus tratos sofrido por Vlado no DOI-CODI

foto divulgada pela ditadura simulando o 'suicídio' de Vlado

Foto divulgada pela ditadura simulando o ‘suicídio’ de Vlado

Somente agora, em 2013, fruto de um amplo processo de revisão da história recente do país, trabalho empreendido pela Comissão da Verdade, novas versões oficiais podem finalmente circular. Em 15 de março deste ano a família de Vlado recebeu o novo atestado de óbito do jornalista, documento que reconhece a morte por lesões e maus tratos dentro das dependências do DOI-CODI. O documento repara a distorção feita pela ditadura.

O Golpe

Em 1º de Abril de 1964 os militares brasileiros depuseram o presidente João Goulart (Jango). O golpe de Estado encabeçado pelas Forças Armadas iniciou a ditadura militar no Brasil, período marcado pela perseguição política, censura, extinção dos direitos constitucionais e de forte repressão a quem se colocava contra o regime.

No dia posterior ao golpe militar o senador Moura Andrade, presidente do Congresso Nacional e adepto ao regime ditatorial, faz um discurso numa sessão tumultuada, onde declarou vaga a cadeira de presidente da república, mesmo com o presidente João Goulart no país, dando amparo legal e parlamentar ao golpe.

Ainda falamos nisso…

Vinte e oito anos após o fim do regime ditatorial brasileiro ainda não possuímos plena liberdade de expressão. Apesar do governo dito democrático, modos de censura revigoram quando estão em jogo interesses de grandes empresas, políticos ou de pessoas com alto poder aquisitivo e “prestígio” na sociedade.

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Imagem: Pragmatismo Político

Nos últimos anos, a justiça tem sido acionada como forma de censura. Blogs, por exemplo, são obrigados a excluir postagens ou ficar fora do ar, como aconteceu no caso do “Falha de S.Paulo”. “O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que o blog ‘Falha de S. Paulo’, uma sátira na internet ao jornal Folha de S. Paulo, permaneça fora do ar. A Folha processou os criadores do site, os irmãos Mário e Lino Bocchini, para impedir o uso de seu logotipo e de nome de domínio semelhante. O blog, que funcionou durante 21 dias em 2010, trazia críticas e piadas sobre a cobertura jornalística do diário paulista, com manchetes e montagens humorísticas”.

Segundo pesquisa realizada e publicada em infográfico pelo Centro Knight, são muitos os casos de jornalistas obrigados a pagar indenizações por publicarem assuntos “indevidos” e outros são proibidos de citarem nomes de certos políticos. Até um texto ficcional pode ser alvo de restrição no Brasil, como é o caso de uma postagem do blog Portal Infonet que motivou uma denúncia criminal do Ministério Público de Sergipe contra o jornalista José Cristian Góes.

Clique na imagem para abrir a linha do tempo

Clique na imagem para abrir a linha do tempo

Produzida pelo Centro Knight para o blog Jornalismo nas Américas, a linha do tempo “Censura Togada no Brasil” é uma ferramenta interativa para monitorar os processos judiciais contra a imprensa. Ela registra e acompanha os casos em que os tribunais foram utilizados para exercer censura desde janeiro de 2012. São 16 casos registrados só no ano passado: “Os números já registrados evidenciam que estes não são casos isolados e constituem uma verdadeira ameaça à liberdade de expressão e de informação no país”, afirma Natalia Mazotte em post intitulado “Centro Knight lança linha do tempo para acompanhar casos de censura judicial contra jornalistas no Brasil”, publicado no mesmo blog.

Censura

s.f. Exame crítico de obras literárias ou artísticas; exame de livros e peças teatrais, jornais etc., feito antes da publicação, por agentes do poder público. / P. ext. Órgão que realiza esse trabalho. / Condenação eclesiástica de certas obras. / Corporação encarregada do exame de obras submetidas à censura. / Condenação, crítica. / Condenação proferida por uma assembléia contra um dos seus membros. / Repreensão, advertência. / Voto de condenação à política geral de um governo: moção de censura.

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