Ética e moral no Jornalismo

BANNERPor Alessandra Alves, Brunello Amorim, Bruno Arita, Charles Santos

Ética e moral não se dissociam. A moral é baseada no conjunto de valores regentes à época. Já a ética parte do estudo e cumprimento desses valores. Ou seja, a ética nasce da moral. Cada cultura, civilização, etnia, religião, possui suas regras que determinam o que é certo e errado.

Ser ético ou antiético parte da concordância ou discordância das regras pré-estabelecidas ou estabelecidas de acordo com os interesses políticos e sociais em que elas estão inseridas. Essa prática se aplica também as profissões, como a do jornalismo.

Na realidade, existem regras aceitas e que devem ser seguidas para haver o cumprimento correto acerca da maneira mais justa de praticar o jornalismo como o compromisso com a verdade, por exemplo. A verdade de um fato pode ser contada de várias maneiras. Desde a narrativa de um acontecimento de forma respeitosa e ética como também a tentativa de chocar a população em matérias sensacionalistas. A segunda maneira rompe com alguns preceitos éticos que regem o bom jornalismo. O uso exagerado de adjetivos e palavras impactantes (tragédia, massacre), a exploração do sofrimento das pessoas como catalisador da audiência da televisão e venda de jornais são formas que ainda são usadas de maneira desrespeitosa. Essas matérias são limitadas no contexto da sociedade pois não buscam a melhora social, apenas querem chocar e vender.

Existem condutas adotadas nessa profissão para responder as seguintes perguntas: O jornalismo ruim parte de uma premissa consciente ou esta enraizado no cotidiano de quem trabalha com “tragédias”? Como cobrir um evento que envolve muitas vidas humanas sem ser inadequado e desrespeitoso com familiares e amigos das vítimas? Qual papel o jornalista deve assumir frente a situações como essas?

Contra o jornalismo ruim

O professor de Ética da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Frederico Tavares falou sobre o tema da ética e do sensacionalismo no jornalismo. Segundo o professor, o sensacionalismo tem caráter. Não é pelo fato dele explorar a miséria humana, como é conhecido no senso comum, mas é principalmente porque ele traduz uma coisa que aconteceu por uma linguagem que como o próprio nome diz, tende a provocar as sensações dos indivíduos.

Para o professor, o jornalismo ruim tem origem na obviedade de como abordar o tema:

“Perguntar para uma mãe que está chorando na beira do caixão do filho o que ela está sentindo, é igual a, em termos de linguagem, perguntar para um jogador qual  foi a emoção de fazer um gol. São coisas diferentes porém ambas são de um jornalismo ruim porque as respostas são óbvias. A pergunta que não foi além e no caso de uma tragédia tem a ver com formas de você fazer um jornalismo que paute a mobilização da sociedade ou que trate de questões de ordem de mudar a respeito  alguma coisa a partir do que aconteceu.”

O ator André Ramiro, com participação nos filmes Tropa de Elite 1 e 2, em visita a Mariana-MG, concedeu entrevista em áudio a respeito de como a populacao deveria lidar com o jornalismo ruim:

(Foto: Revista O Grito!)

Modelo enraizado ou jogo de cintura?

Existe uma dúvida em relação ao jornalista que escreve tais notícias: será que o profissional segue uma linha editorial e tem noção do que está fazendo ou age por instinto em cima de moldes já estabelecidos na área?

Tavares alega que a maneira como esses jornalistas lidam com tais acontecimentos, muitas vezes tem a ver com a rotina que eles já incorporaram da maneira de como abordar essa questão. Isso leva pra certos modelos e um deles é a forma sensacionalista.

daniela reis

Daniela Reis (Foto: arquivo pessoal)

A jornalista Daniela Reis trabalhou em diversos veículos de imprensa, como jornal diário e televisão, e disse que é importante achar um meio termo entre os interesses da sociedade e os do jornal mas sempre deixando claro que o compromisso com a verdade é fundamental. Por e-mail a comunicadora afirmou:

“Nós trabalhamos com fatos reais e esses devem chegar ao seu receptor de forma clara, verdadeira e imparcial, mas nem sempre é assim. Veículos de comunicação são empresas, têm interesses, fornecedores, patrocinadores e anunciantes. Muitas vezes a sua notícia pode bater de frente com o interesse ou a imagem de um desses, aí cabe ao profissional com sua ética, noticiar o seu espectador sem ferir a empresa onde trabalha mas com dados suficientes para manter as pessoas bem informadas.”

O bom jornalismo

Henri Karam

Henri Karam (Foto: arquivo pessoal)

“A linha que separa uma reportagem impactante de uma reportagem sensacionalista é tênue”. Essa frase é do repórter e jornalista da Rede de TV Bandeirantes, Henri Karam, a respeito da cobertura que fez no caso da Boate Kiss. O incêndio na casa noturna foi um evento não intencional que matou 241 pessoas[2] e feriu 123 outras (a maioria deles jovens universitários) em Santa Maria, no estado brasileiro do Rio Grande do Sul. O incêndio ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013 e foi causado pelo acendimento de um sinalizador por um integrante de uma banda que se apresentava na casa. As más condições de segurança do lugar ocasionaram o acidente.

Por ser um assunto delicado, a dificuldade em abordar os familiares e amigos das vítimas foi maior. O rompimento da ética no jornalismo em ocasiões como essa pode gerar revolta e indignação dos parentes e conhecidos dos que faleceram. Por isso, o respeito e o compromisso em apenas relatar o que aconteceu bastam para a situação. O ir além de uma matéria parte dessa premissa. Os relatos das pessoas, os problemas que a boate possuía, podem ser explorados como uma problemática social o que contribui para ajudar a solucionar o caso e atenuar a dor dos familiares.

Com isso, a ética é utilizada de forma correta, a notícia chega com qualidade e com uma visão limpa acerca dos problemas que motivaram o acidente e não apenas a abordagem do sofrimento das pessoas que choca e impede um desenvolvimento do tema de forma zelosa.

Leia partes do relato que recebemos por e-mail do repórter sobre a cobertura que realizou do acidente da Boate Kiss:

“Pedi ao cinegrafista que aguardasse no carro. Me aproximei da família quando já estavam no estacionamento. Conversei com o pai e a mãe. Eles estavam muito abalados e não quiseram gravar. Entendi perfeitamente e não insisti. Depois que eles foram embora, 2 tios se aproximaram e aceitaram falar sobre as meninas. Com este material, consegui contar o que aconteceu com as 2 garotas que morreram.” 

“ No dia seguinte, conversei com telefone com o pai de um rapaz que salvou diversas pessoas e acabou morrendo. Ele estava muito emocionado e nos recebeu na casa onde vive a família. Conversamos por um tempo e durante a entrevista, ele chorou muito. Ouvi respeitosamente o que ele tinha a dizer. Era um pai orgulhoso do filho herói e ao mesmo dilacerado pela dor. Não o interrompi em nenhum momento. Ele falou por cerca de 15 minutos numa das entrevistas mais emocionantes e difíceis que fiz. Apesar do sofrimento, o pai quis mostrar o orgulho do filho. Uma história que mostra o lado humano de uma tragédia. O texto que escrevi para esta reportagem era curto e simples. Bastava contar o que aconteceu, sem floreios ou adjetivos. A história já era forte o suficiente.” 

“Alguns colegas contaram que no enterro de um jovem, a confusão foi tamanha que os familiares ficaram nervosos com a presença dos jornalistas. O bom senso precisa prevalecer em momentos como este. Devemos acompanhar os fatos com uma certa distância e nos aproximarmos no momento oportuno. Nosso trabalho não deve ser mais um problema num momento de dor. Por outro lado, a cobertura jornalística dos fatos é fundamental para explicar o que aconteceu e acompanhar as investigações e evitar que os culpados escapem de punições. Uma tragédia como esta precisa servir de exemplo para que o problema não se repita.”

*Relato completo abaixo do vídeo

 

Vídeo de uma reportagem sobre a Boate Kiss feita por Henri Karam

 

Cobertura Santa Maria

Por Henri Karam

“Já participei de algumas coberturas de tragédias com grande repercussão como o terremoto em Sichuan, na China em 2008 e a queda do avião da AirFrance no vôo Rio – Paris em 2009. Mas, sem dúvida, a tragédia em Santa Maria foi a mais difícil.

Vários fatores contribuíram pra esta sensação: a forma como as pessoas morreram, além do fato de serem jovens e terem as famílias concentradas na região. Como tenho 33 anos, tive a sensação de que algo parecido poderia ter acontecido comigo em uma das casas noturnas que frequento. Ou seja, era uma tragédia muito próxima da minha realidade.

Cheguei na cidade na madrugada de domingo para segunda. Pela manhã, já estava no ginásio onde foi montado um centro de atendimento para as famílias das vítimas. O Jornal da Band tinha 4 repórteres na cobertura e minha fiquei responsável por buscar histórias de pessoas que morreram na tragédia. Uma tarefa nada fácil já que a linha que separa uma reportagem impactante de uma reportagem sensacionalista é tênue.

Mesmo antes de chegar na cidade, já pensava nas dificuldades para abordar amigos e familiares das vítimas. Segui os mesmos princípios que regem minha atuação cotidiana, mas com um cuidado extra por conta da gravidade da situação. A função dos jornalistas num momento como este é retratar os fatos da forma direta. Os fatos já são fortes o suficiente.

Para não constranger ou invadir a privacidade das pessoas, sempre utilizo o mesmo tipo de abordagem. Nunca começo a gravar antes de pedir autorização. Espero uma oportunidade para conversar com os familiares. Explico o objetivo da reportagem e pergunto se estão dispostos a falar e se autorizam a gravação. Também evito fazer entrevistas longas para não ficar tocando em um assunto tão difícil.

Um bom exemplo foi a primeira reportagem que fiz. Encontrei um jovem que perdeu as 2 irmãs no incêndio. Uma delas chegou a postar no Facebook um pedido de socorro. O rapaz também estava na boate mas conseguiu escapar. Fui até a casa dele e conversamos por alguns minutos. Ele aceitou dar uma entrevista e ainda mostrou fotos das irmãs. Em seguida, fomos ao cemitério onde acontecia o enterro. Chegamos no fim da cerimônia. Pedi ao cinegrafista que aguardasse no carro. Me aproximei da família quando já no estacionamento. Conversei com o pai e a mãe. Eles estavam muito abalados e não quiseram gravar. Entendi perfeitamente e não insisti. Depois que eles foram embora, 2 tios se aproximaram e aceitaram falar sobre as meninas. Com este material, consegui contar o que aconteceu com as 2 garotas que morreram.

No dia seguinte, conversei com telefone com o pai de um rapaz que salvou diversas pessoas e acabou morrendo. Ele estava muito emocionado e nos recebeu na casa onde vive a família. Conversamos por um tempo e durante a entrevista, ele chorou muito. Ouvi respeitosamente o que ele tinha a dizer. Era um pai orgulhoso do filho herói e ao mesmo dilacerado pela dor. Não o interrompi em nenhum momento. Ele falou por cerca de 15 minutos numa das entrevistas mais emocionantes e difíceis que fiz. Apesar do sofrimento, o pai quis mostrar o orgulho do filho. Uma história que mostra o lado humano de uma tragédia. O texto que escrevi para esta reportagem era curto e simples. Bastava contar o que aconteceu, sem floreios ou adjetivos. A história já era forte o suficiente.

Em situações como esta, sempre acontecem alguns desvios. Por falta de experiência ou por pressão, alguns jornalistas ultrapassam o limite e acabam invadindo a privacidade das famílias. Alguns colegas contaram que no enterro de um jovem, a confusão foi tamanha que os familiares ficaram nervosos com a presença dos jornalistas. O bom senso precisa prevalecer em momentos como este. Devemos acompanhar os fatos com uma certa distância e nos aproximarmos no momento oportuno. Nosso trabalho não deve ser mais um problema num momento de dor. Por outro lado, a cobertura jornalística dos fatos é fundamental para explicar o que aconteceu e acompanhar as investigações e evitar que os culpados escapem de punições. Uma tragédia como esta precisa servir de exemplo para que o problema não se repita.”