Questão de sintonia – entrevista com Bnegão

Por Sandro Aurélio

Quando eu tive a ideia de entrevistar o Bnegão (nome artístico de Bernardo Santos, ex-vocalista do Planet Hemp e um dos principais nomes da cena underground brasileira atual), liguei para o empresário dele que me autorizou. Parecia que seria fácil conseguir essa entrevista. Não foi. Bnegão e os Seletores de Frequência fariam um show na Lagoa, zona sul carioca, um dos bairros mais caros do Rio de Janeiro, em um restaurante chamado Miranda, feito pra classe alta. Cheguei no local às 19h e esperei até às 21:45h, quando o Bnegão chegou. O empresário nos apresentou e a primeira coisa que Bernardo me disse foi: “Não pode ser outro dia?”, eu disse que voltaria para Minas alguns dias depois e então ele concordou em falar comigo. Deu pra perceber que ele não estava se sentindo a vontade ali. Mas topou fazer a entrevista se fosse naquela hora. O empresário ainda complementou: “Você tem 5 minutos”. Valeu a pena, minha primeira entrevista como estudante de jornalismo foi com um ídolo pessoal.

Bnegão na entrada do local do show

Bnegão na entrada do local do show

Sandro Aurélio: O Rio de Janeiro está presente na sua obra desde sempre. Por que você acha que o Rio é tão musicalmente inspirador?

Bnegão: Cara, é uma boa pergunta, eu não sei mesmo… Não faço ideia… Não sei (gargalha). Não sei mesmo, sacou… Pode ser a paisagem, pode ser a presença de gente como esse cara aqui (nesse momento chega Arnaldo Brandão, música conceituado que já tocou com nomes importantes da MPB, como Raul Seixas). Na verdade o Rio de Janeiro é um lugar bonito por natureza literalmente falando e ao mesmo tempo tem muita confusão, o que dá pra desenvolver uma relação de amor e ódio com o Rio, então é isso, a cidade inspira de qualquer jeito: com a parte boa e com a parte ruim.

SA: Você é um dos moradores ilustres de Santa Teresa, um bairro boêmio da região central do Rio de Janeiro. Além dele, quais são seus lugares favoritos na cidade?

Bnegão: Cara, eu gosto muito do centro da cidade. Da Lapa, principalmente antes da Lapa ser reformulada, enfim, sempre gostei dali. Largo do Machado. Mas principalmente do centro da cidade.

SA: Você não explora muito seu lado romântico, quando é que veremos o Bernardo cantando canções de amor (risos)?

Bnegão: Nunca! (risos, muitos risos) Não tô afim de enganar ninguém.

SA: Na canção “O Processo” você diz que “um novo pensamento vem dando sinais sutis de sua existência”, isso demonstra que ao mesmo tempo que você carrega uma crítica à sociedade você também carrega esperança de um futuro mais ameno?

Bnegão: Eu acredito na nova era, numa nova humanidade, mas eu não tenho dúvida nenhuma que vai ter que acabar tudo pra começar de novo. Então ao mesmo tempo em que é algo esperançoso também é apocalíptico.

SA: Caótico?

Bnegão: Sim e não, o mundo tá caótico hoje em dia, e eu acredito no pós-caos, mas a gente vai ter que passar pelo caos de uma forma muito extrema.

SA: E a gente tá chegando perto desse caos?

Bnegão: Cara, a gente já tá no caos. Mas pra quem acha que já chegou no máximo ainda tem bastante coisa pela frente.

SA: O refrão da sua primeira música de trabalho, há 18 anos, ainda com o Planet Hemp dizia: “Legalize já, legalize já; uma erva natural não pode te prejudicar”. De lá pra cá, a forma como o Estado trata a questão das drogas não mudou praticamente nada e a guerra às drogas é um verdadeiro fracasso. Isso faz com que você pense que a legalização da maconha, pelo menos, pode ser uma ótima alternativa ainda hoje?

Bnegão: Sim. Eu sempre pensei isso, na verdade. A dúvida é como aconteceria na prática. A legalização (da maconha) acabou de ser aprovada no Uruguai e isso é excelente. Então eles estão dando exemplo pro mundo.

SA: Em várias canções você afirma que obter informação é algo muito importante. E você também canta que o ‘RG real da alma é a energia’. Ou seja, você acredita muito em positividade. Queria que você explicasse a sua relação com esses pensamentos.

Bnegão: isso é uma questão metafísica, enfim, o ser humano é feito de matéria e energia. Ponto. Quando a energia vai embora o corpo já era. Não existe vida sem energia, é uma coisa natural. Agora a galera com a física quântica tá chegando perto de entender essa história de existência. Nem tudo é na matemática. Como a minha missão é falar sobre várias coisas, botar o dedo na ferida em questões sociais e em questões existenciais também. Falar sobre dogmas e botar a cara a tapa.

Tive que acabar a entrevista aí. Bnegão já estava muito atrasado para o show. Mesmo assim foi solícito, educado e gentil comigo. Ele, junto com sua banda, os Seletores de Frequência, já lançou dois (ótimos) álbuns: Enxugando Gelo (2003) e Sintoniza Lá (2012) que podem ser baixados gratuitamente na página do artista. Não deu para que eu assistisse ao show, pois a Lagoa fica bem longe, bem longe mesmo, de Nova Iguaçu. Porém essa entrevista me deixou tão feliz que a volta pra casa foi muito alegre. Até a Central do Brasil me pareceu bonita e agradável.

Como fã, claro que eu ão perdi minha chance de tirar uma foto com ele. Ele estava rindo porque falei uma bobagem na hora.

Como fã, claro que eu não perdi minha chance de tirar uma foto com ele. Ele estava rindo porque falei uma bobagem na hora. Eu estava rindo porque estava feliz.