Dona Mariza e a sua relação com a cultura em Sete Lagoas

por Ana Amélia de Melo Maciel

   Em 9 de julho de 1940 nascia uma menina na cidade de Sete Lagoas cuja chegada foi muito desejada. Seus pais teriam outros filhos, mas já se sabia que a primogênita seria especial e talvez por isso a “paparicação” da família. A menina foi crescendo em meio a brincadeiras na rua, histórias e poemas na “cama grande”, a cama dos pais. Viveu o bairro Boa Vista e a paróquia de Sant’Ana. Por influência do pai,

Foto: Ana Amélia de Melo Maciel

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tomou gosto por literatura e ainda na adolescência participava de Grêmios Literários. Foi bancária, professora, diretora e refundadora do Museu Histórico Municipal, além de ter sido a primeira mulher a participar do Clube de Letras de Sete Lagoas e deste foi presidente por muitos anos. Mariza da Conceição Pereira é poeta e grande sumidade em relação à cultura e história de Sete Lagoas não só pelo seu conhecimento mas também pela sua atuação nestas áreas. Em entrevista descontraída ela fala sobre sua relação com a cidade e as homenagens recebidas.

Ana Amélia: O que significou para você o batismo com seu nome da sala de leitura da Biblioteca Pública Municipal Doutor Avelar?

Foto: Quin Drummond – Flickr Prefeitura de Sete Lagoas

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Mariza: A vaidade me manda dizer que antes disso eu já tenho na cidade dois clubes de letras, clubes de leitura ou grêmios literários escolares com meu nome e isso me faz muito feliz. Um está vivo na biblioteca da escola Ápio Solon Cardoso, a biblioteca e o clube tem meu nome e é muito difícil em vida receber homenagem. Eu fiquei muito contente. A dádiva da comemoração dos 70 anos foi o serão poético que o meu “chefinho”, o Secretário de Cultura e Comunicação Social da época, realizou para mim. Ele não fez na data exata do meu aniversário, fez depois e quando eu recebi o convite todo especial, minha família toda já era portadora do mesmo convite sem que eu soubesse. Foi um presente grande e para completá-lo os bibliotecários, a turma e ele se reuniram e deram o meu nome à sala de leitura da Biblioteca Pública Municipal. Eu não sei explicar o que a gente sente, é uma coisa muito gostosa, muito grande, mas ao mesmo tempo dá um certo arrepio pela responsabilidade diante dos leitores, principalmente por que são crianças, adolescentes e jovens. E para essa faixa etária a gente tem uma obrigação de ser um exemplo, quase que um farol e de repente isso me assusta.

Foto: Quin Drummond – Flickr Prefeitura de Sete Lagoas

Foto: Quin Drummond – Flickr Prefeitura de Sete Lagoas

AA: Justamente por ser muito difícil as pessoas receberem homenagem em vida, como é para você ser reconhecida em vida?

M: Eu me lembro uma frase que meu pai repetia, não sei se era dele, “Brasil é terra de herói morto” quando era pequena não entendia muito isso, hoje vemos na nossa própria cidade que as pessoas só são lembradas pós-morte. São cantadas, decantadas e se tornam conhecidas depois do falecimento. Eu vejo com alegria e como uma distinção muito grande, mas continua sendo também uma responsabilidade, por que aquele que morreu não precisa fazer mais nada, se ele deixou exemplo já está tudo pronto.

AA: Aqui em Sete Lagoas o seu nome é sinônimo de cultura e de atividades culturais.  Para você o que é ser essa divindade cultural da cidade?

M: (Risos)Primeiramente, nosso povo fala tanto para menos quanto para mais, então isso de colocar como ídolo, fazer um ícone, fabricar um ícone, um vai falando, outro vai falando e de repente descobrem que Mariza sonhou estudar línguas e não estudou, sabe mais ou menos o francês e o português, eu tentei fazer o espanhol, uma das coisas que sempre me tolheram foi o tal do dinheiro, uma barreira mas eu ainda tenho vontade, aos 72 anos, de estudar pelo menos o espanhol. E eu não sou símbolo de cultura, não sou sinônimo de cultura, eu gosto de cultura. E principalmente me procuram muito para saber sobre a história da cidade, que eu encontro hoje muito mais nos livros que nas entrevistas. Os meus velhos entrevistados quase todos já se foram, aqueles que eram mentores, que me fizeram gostar como meu pai por exemplo, ele conhecia a história, mamãe também. Quem me contou a história do primeiro avião que desceu em Sete Lagoas nos mínimos detalhes, com tudo que foi preparado, tudo que aconteceu no dia, foi minha mãe; desceu no dia em que ela estava completando 8 anos de idade, ela nunca esqueceu. São pingos de história que juntos formam uma coisa muito linda, um conjunto muito lindo. Eu gosto, mas para ser símbolo de cultura eu poderia dizer mais de meia dúzia de nomes que estariam em primeiro lugar, sem falar nos professores que já faleceram e que o eram de verdade.

Foto: Quin Drummond – Flickr Prefeitura de Sete Lagoas

Foto: Quin Drummond – Flickr Prefeitura de Sete Lagoas

  A modéstia não a deixa assumir esse posto icônico mas Mariza é tida como referência em tudo que diz respeito às letras, às poesias e à história da cidade. Prova disso é que as crianças e jovens setelagoanos a procuram como fonte de pesquisas escolares e os escritores da cidade e os membros do Clube de Letras a procuram para revisar, corrigir seus textos e sugerir melhorias.

   Juntamente com os colegas do Clubistas conseguiu em janeiro de 1992 a criação da Secretaria Municipal de Cultura pelo prefeito recém empossado Múcio Reis e  em novembro do ano anterior também conquistou a reestruturação do Museu Histórico Municipal. No Museu trabalhou pelo resgate e preservação da história sete lagoana bem como a criação do Memorial Zacarias que segundo ela foi o maior artista cômico setelagoano e que representa a arte cênica local.

AA: Você ficou muitos anos no Museu Histórico Municipal?

M: Fiquei lá [Museu Histórico Municipal] 15 anos, e eu pesquisei tudo quanto pude, e tem uma coisa que eu vejo como, num sei se é negativa, agora com a internet já ameniza um pouco, é que as pessoas, em geral, de todas as idades, tem uma certa preguiça de ir a um livro de história, de ir a uma pessoa mais idosa e perguntar, ouvir com carinho, anotar e de estimular para que ela fale, de rever jornais antigos da terra; isso para mim é tão gostoso que se eu pudesse eu ficaria debruçada sobre os jornais com o cheirinho do tempo ou não, com alergia ou não.

Mariza ou Dona Mariza, como muitos a conhecem pela cidade, conquistou com dedicação e muito esforço todas as glórias que hoje possui e todo o conhecimento que a faz parte de suma importância na cultura setelagoana. Apesar de sua modéstia, seus atos são nobres e seu coração extremamente grande e acolhedor, e por tanta humildade é que ela se torna tão respeitada. Cada conversa com Mariza, revela a grandeza dessa ainda menina senhora, que nos brinda com seu vasto conhecimento e poesia com voz doce e carinhosa.