Posted by admin On março - 6 - 2013

O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, foi e continua sendo pauta de jornais nacionais e internacionais devido a tamanha proporção da tragédia. O desdobramento do caso repercutiu severas críticas ao formato de cobertura jornalística que vem sendo feito. Nesse contexto, os jornais que abriram capa com a tragédia são foco de análise, já que muitas optam por um enquadramento sensacionalista e invasivo.

No jornalismo impresso, a fotografia é ferramenta de informação essencial, pois é um registro que traz maior credibilidade ao leitor. A imagem não veicula apenas uma mensagem referencial; sua preparação (enquadramento, proporções respectivas dos objetos, luminosidade, cores, etc) e sua montagem carregam-na de conotações múltiplas e complexas. As manchetes, por sua vez, compõem, junto com a fotografia, os elementos visuais responsáveis por captar a atenção do leitor e fazê-lo ou não se interessar por ler o conteúdo completo de uma matéria.

Assim, casos como a tragédia em Santa Maria, que agendam todos os veículos informativos, são trabalhados de forma que o tipo de enquadramento fere direitos como a privacidade das famílias em luto e as normas éticas que deveriam reger o trabalho do jornalista. Isso tudo para vender mais que o concorrente? É a corrida pelo furo.

No dia seguinte ao incêndio na boate Kiss, o jornal popular Correio da Bahia cedeu toda a capa ao caso e usou como título da matéria: “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós”, afim de produzir duas interpretações: a primeira de interlocução entre o nome da cidade e o catolicismo, a segunda entre a mãe da foto que perdeu dois filhos e Maria mãe de Deus,  que também perdeu o menino.

As palavras, de sentido forte, e a foto, apelativa, procuram sensibilizar o leitor. O índice de religiosidade é esboçado em caixa alta na página e logo abaixo da figura, três palavras resumem a tragédia: lágrimas, negligência e desespero. Por meio do elemento do plano de expressão visual, chega-se a um significado abrangente de conteúdo, que é uma mãe abalada e triste, inconformada com o ocorrido. Esta capa faz um uso mais forte do elemento cor, utilizando o preto para demonstrar o luto.

Da mesma forma que o Correio da Bahia, o Diário Gaúcho trabalha enquadramento direcionado ao sentimento e sensacionalismo. O preço do jornal, R$0,75, sugere que o veículo seja popular e atinja um público de menor renda. A manchete traz a palavra “tragédia” em destaque e o restante das chamadas de texto se utilizam de palavras-chave como: investigação, incêndio, detidos, heróis e chamas. O curioso é que os pontos levantados pelo Diário Gaúcho se contrapõem, uma vez que em um tópico refere-se aos supostos culpados e, no outro, aos heróis que acudiram as vítimas no dia do incidente.

Quanto à fotografia, a imagem ocupa a capa inteira e ilustra o momento posterior ao acontecimento, ao contrário do que muitos jornais optaram por fazer, ao trazer imagens do incêndio e resgate de pessoas. Assim, o jornal opta por sensibilizar o leitor com o sentimento dos familiares e amigos das vítimas conforme as expressões e elementos simbólicos presentes, como o caixão, a aglomeração de pessoas e os rostos tristes. É uma forma atrativa e estratégica de vender o jornal pela capa.


Enquanto isso, O Zero Hora optou por colocar o silêncio na capa como forma de respeito às vítimas. Ela contém apenas informações com data e hora da tragédia e uma foto em enquadramento fechado, de uma mulher debruçada sobre um caixão. Da mesma forma que o jornal Correio da Bahia, o veículo Zero Hora se utiliza da cor preta para significar luto. Ao contrário de outras capas, que trabalharam com elementos simbólicos sensacionalistas, este jornal se utilizou de elementos visuais não agressivos à privacidade dos envolvidos. Objetos culturais da região, como o chapéu gaúcho, aparecem para contextualizar a situação. Além disso, é nítido que o fotógrafo manteve distância da cena, o que, de certa forma, lida com respeito com o público e a identidade da pessoa fotografada.Não apenas os jornais populares, mas O Globo, jornal referência, não trabalha com a imparcialidade sugerida pelos moldes que regem o jornalismo. A manchete “Descaso mata 231 jovens no Sul” faz julgamento de opinião. A primeira palavra do título é forte e, aliada ao verbo matar, induz o leitor a entender que o jornal possui um posicionamento diante dos fatos. Dessa forma, o veículo impresso é parcial e não se limita apenas a transmitir a informação mas, também, a induzir o público a seu ponto de vista.

De acordo com a pesquisadora de comunicação Ana Luiza Lugão, sensacionalismo “ é a divulgação e exploração, em tom exagerado, de matéria capaz de emocionar ou escandalizar. É a exploração do que é sensacional na literatura. É tornar sensacional um fato jornalístico que, em outras circunstâncias editoriais, não mereceria esse tratamento, utilizando-se de escândalos, atitudes chocantes, hábitos exóticos etc. O termo sensacionalista é definido como o uso do sensacionalismo, a notícia sensacionalista e o jornal sensacionalista”.

Um exemplo claro de capa sensacionalista é a do impresso Diário do Comércio. Notam-se três cores: preto, vermelho e branco. O vermelho, conforme noções de planejamento visual e design, é utilizado para remeter à tragédia, sangue e para chamar a atenção. A manchete “balada das 233 mortes” tenta fazer um trocadilho, mas não respeita o momento delicado que as famílias das vítimas passaram. Chega a ser invasivo.

Sendo assim, questiona-se até que ponto o jornalismo realmente se utiliza de noções do Código de Ética dos jornalistas e como se pode trabalhar uma notícia delicada como foi a tragédia em Santa Maria. Que tipo de imagem pode ser veiculada e, ao mesmo tempo, respeitar a privacidade de quem foi fotografado? Como atender ao direito de informação do leitor sem apelar para um enquadramento sensacionalista? Até que ponto a corrida pelo furo ou pela agilidade da notícia atrapalha a boa apuração e o jornalismo confiável e de qualidade? Pelo que parece, são questões que a imprensa brasileira ainda não soube responder, já que até jornais como O Globo, referência nacional, publica capas notoriamente tendenciosas.

Por Íris Zanetti, Sarah Gonçalves, Adriel Campos

Categories: Destaque

One Response

  1. Eduardo Braga disse:

    Muito bem construída a crítica feita por Íris Zanetti, Sarah Gonçalves, Adriel Campos. Analisaram os jornais sobre a tragédia de Santa Maria em vários aspectos, como fotojornalismo, ética, parcialidade, demonstrando em vários impressos os enquadramentos utilizados para noticiar o fato. Ótimo terem postado fotos dos jornais analisados, pois facilita aos leitores comparar as críticas ao que se está vendo.

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