Posted by admin On março - 6 - 2013

Exibição e exploração da vida íntima das vítimas na tragédia de Santa Maria pelo site Estadão

De certo, a exibição da vida privada das pessoas pelos jornalistas consiste em uma estratégia de sedução midiática. São diversos os elementos utilizados para este fim. Podemos citar o perfil, a biografia, paparazzi, descrições etc. E, em certos casos, seus usos são legítimos, pois conseguem aliar eticamente a vida privada com o interesse público.

Contudo, qual é o limite entre a publicização do indivíduo pela mídia e o direito à privacidade e à honra que possui cada cidadão? Até que ponto é legitimo esmiuçar o cotidiano de uma pessoa para informar o público? E quais são as consequências disso?

Na tragédia em Santa Maria no mês passado, a mídia teve um papel essencial para a conscientização da população do que estava acontecendo. Em tempo real, parte dos jornais – televisivos, online e radiofônicos – anunciava constantemente informações que poderiam acrescentar e dar sentido ao ocorrido. Somente no portal de notícias da Globo, G1, foram mais de 50 reportagens em menos de um mês do acidente.  E entre os temas, está em destaque o perfil de cada vítima do acidente contendo dados pessoais e fotografias.

Utilizaram, também, o mesmo enquadramento os sites R7, Estadão e Folha de São Paulo. Ou seja, em todas estas plataformas foram destinados um espaço para curiosidade sobre as vítimas. Entretanto, o portal do Estadão foi o jornal que mais caminhou para esse lado íntimo e delicado do acidente.

O jornal supracitado desenvolveu um infográfico cuja função é mostrar, além dos perfis dos mortos, o grau de conexão entre as vítimas, nas quais foram categorizadas em namorados, casados, estudavam – e com quem, irmãos ou parentes. Com isso, permitiu-se ao leitor conhecer com quem as vítimas se relacionavam.

Esse enquadramento utilizado pelo jornal evidencia códigos de conduta um tanto que questionável. Em primeiro lugar, nota-se que a matéria mistura algumas características da notícia com os aspectos do entretenimento.  Isto é, o dispositivo da infográfia além de expor intimadamente a vida das vítimas da tragédia, possibilitou uma navegação diferenciada como se fosse um newsgame (jogo na internet que mistura notícias com diversão).

Assim, a reportagem demonstra um lado mais exaltado e apelativo em sua apuração. Para Juremir Machado da SILVA (2000: 125), “revelar detalhes da vida privada de políticos e de estrelas do espetáculo tornou-se o derradeiro espaço do jornalismo investigativo”. Assim, “a investigação não investiga, a crítica não critica, a teoria não desvela, a informação não informa. A mitologia serve de embalagem para o triunfo do marketing”.

Posteriormente, há também uma característica na reportagem na qual negligencia os direitos dos familiares das vítimas da tragédia de Santa Maria. Direitos esses que garantem a intimidade dos mortos e de seus parentes. Portanto, mais uma vez, a reportagem se tona alvo de questionamento. Permite ao leitor fazer as seguintes perguntas: realmente era necessário apresentar tantas características sobre esses jovens? Houve respeito com os familiares?

Por fim, conclui-se que a tragédia de Santa Maria mereceu sim um grande acúmulo de informação, reportagens e investigação. Porém, quando essa demanda – muitas vezes pautada pela pressão do imediatismo – ultrapassa a barreira da privacidade, em um momento delicado como o ocorrido, certas abordagens merecem maior precaução, procurando oferecer informação contundente e responsável à sociedade civil.

BIBLIOGRAFIA

SILVA, Juremir Machado da. A miséria do jornalismo brasileiro: as (in)certezas da mídia.

Petrópolis, Vozes, 2000.

Link do infográfico do Estadão: http://www.estadao.com.br/especiais/conexoes-mostram-perfil-das-vitimas-de-santa-maria,193878.htm

Por César Diab, Davi Machado e Pedro Ferreira

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