Posted by admin On março - 4 - 2013

A cobertura on-line do incêndio em Santa Maria

Ao jornalismo cabe a função de informar e trazer para discussão temas de interesse público. Por vezes recorrente a abordagem sobre a morte, é um assunto amplo e faz parte da vida de todos os seres humanos. O jornalismo consegue ressaltar esse tema de maneira singular ao tratá-lo a partir de informações particulares para explicar causas e orientar como proceder em situações semelhantes.

Tomamos por base o uso da plataforma web, especificamente a página do facebook gerenciada pelo jornal O Estadão, para fazermos essa análise.

As mortes na Boate Kiss em Santa Maria, dia 27 de janeiro, chegam até ao conhecimento do público do Estadão às 8h09min pela rede social Facebook, umas seis horas após os tumultos e pânicos vividos por centenas de jovens. O veículo informa o incidente sem muita convicção da quantidade de vítimas: “Incêndio em boate mata ao menos 90 em Santa Maria. Você estava na boate ou conhece alguém que estava lá? Mande seu relato para nós aqui. Obrigado”. Tal postagem obteve 131 compartilhamentos pelos internautas. Apesar do pequeno número de compartilhamento fica evidente a estratégia organizacional na tentativa de abrir um possível diálogo e obter informações com os que estiveram, direta ou indiretamente, envolvidos no episódio. Há de se considerar que a primeira notícia na versão on-line do jornal foi publicada às 7h 55min, a matéria intitulada: Incêndio em boate no Rio Grande do Sul deixa 233 mortos. E com a linha de apoio “Outras 131 pessoas ficaram feridas após maior tragédia da história do Estado” apresenta uma versão que foi sendo atualizada ao longo do dia e que só ficou realmente pronta às 18 horas do mesmo dia. Dos que leram sobre esse assunto na página on-line no jornal, 125 recomendaram a outros leitores. Número muito pequeno, quando comparado com os 475 mil seguidores da página. Uma possível explicação está no horário em que foi publicada a primeira notícia e no fato de se tratar de um domingo, dia em que as pessoas geralmente dormem até mais tarde.

Entretanto, o jornal foi contrário ao que é sugerido nas Instruções Gerais no Manual do Estadão (http://www.estadao.com.br/manualredacao/gerais.shtm):

25 – Nas matérias informativas, o primeiro parágrafo deve fornecer a maior parte das respostas às seis perguntas básicas: o que, quem, quando, onde, como e por quê. As que não puderem ser esclarecidas nesse parágrafo deverão figurar, no máximo, no segundo, para que, dessa rápida leitura, já se possa ter uma ideia sumária do que aconteceu;

34 – A correção do noticiário responde, ao longo do tempo, pela credibilidade do jornal. Dessa forma, não dê notícias apressadas ou não confirmadas nem inclua nelas informações sobre as quais você tenha dúvidas. Mesmo que o texto já esteja em processo de composição, sempre haverá condições de retificar algum dado impreciso, antes de o jornal chegar ao leitor”.

Os dois itens demonstram os critérios como objetividade, clareza e imparcialidade, característicos de uma notícia que se aproxima da verdade e dá subsídios ao leitor para que ele esteja informado. O Estadão não cumpre essa função na versão online, que é por ele proposta para o impresso.

O incêndio em Santa Maria, cidade central do estado do Rio Grande do Sul, foi o principal assunto dos jornais nacionais durante três dias seguidos desde a madrugada do dia 27 de janeiro último.  Em todas as plataformas jornalísticas, esta foi a pauta que predominou, percebe-se o agendamento da notícia. Os jornais on-line lançaram mão de uma ferramenta poderosa no sentido de aproximação e rompimento com barreiras de tempo e espaço que são as redes sociais. Por meio delas buscaram manter atualizadas as informações sobre o incidente e, ainda, obterem informações exclusivas que prendessem a atenção dos internautas, já que esses eram os contribuintes na construção da notícia. Porém, foi praticado um jornalismo sem apuração, de respostas fáceis e repetitivas, contadas de outras formas e ângulos para ter tempo de retratar a verossimilhança.

Quatro dias após a tragédia de Santa Maria, os enfoques escolhidos pelo Facebook do Estadão são distintos do primeiro dia doacidente. Antes era considerado o número de mortos; motivos da ocorrência do incêndio e os depoimentos de parentes. Nesse momento, observa-se como o fato se agendou no cenário e cotidiano da população brasileira.

Nesse post publicado em 31 de janeiro, nota-se que a matéria é a continuação do caso de Santa Maria. Na publicação foram 136 curtidas e 41 compartilhamentos. A foto possui um apelo muito grande e dá um maior embasamento ao enunciado. Quando o leitor migra para o site oficial do Estadão, a notícia é relativa a um grupo de moradores que se mobilizaram para chamar atenção das autoridades. Eles buscam conseguir um total de 30 mil assinaturas em um abaixo assinado para que haja o cumprimento das leis de segurança em locais públicos. No site ainda é possível saber quantas pessoas twittaram sobre a notícia e há possibilidade de recomentar a leitura através do Facebook. Assim, o usuário pode publicizar a notícia. Recorrendo a Bernard Cohen “Na maior parte do tempo, a impressa pode não ter êxito em dizer aos leitores o que pensar, mas é espantosamente exitosa em dizer aos leitores sobre o que pensar” (1963), no caso de Santa Maria, quanto maior a intensidade na divulgação de noticias, mais as pessoas foram levadas a pensar sobre o caso.

Ainda visando à repercussão on-line (compartilhamentos, comentários, opções curtir) o veículo faz perguntas rápidas, buscando fundamentar suas suspeitas: Erro cometido pelos seguranças? Apenas uma fatalidade? Uso de material indevido em lugares fechados? Falta de alvará? Falha na fiscalização? Enfim, inúmeras suposições que não esclarecem, pois não há laudos, tampouco provas, contradizendo novamente a um dos itens do Manual do Estadão:

31 – Proceda como se o seu texto seja o definitivo e vá sair tal qual você o entregar. O processo industrial do jornal nem sempre permite que os copies, subeditores ou mesmo editores possam fazer uma revisão completa do original. Assim, depois de pronto, reveja e confira todo o texto, com cuidado. Afinal, é o seu nome que assina a matéria”.

Fazer jornalismo de verdade não é uma arte de manter a pessoa interessada em ver o próximo capítulo. É, contudo, sair em busca de respostas para perguntas que interessam à sociedade. Não consiste em expor a dor alheia e a privacidade. Em um instante pode prender a atenção e garantir a audiência, mas não vai contribuir na formação do indivíduo. A não ser que este esteja em busca de emoções, configurando em um leitor masoquista que naturalizou a dor. Dessa forma o jornalismo é corrompido, já que sua função é informar.

Um fato, de acordo com as teorias do jornalismo, só se tornará notícia se atender ao menos um requisito dos critérios de noticiabilidade, “conjunto de valores notícias que determina se um acontecimento, ou assunto, é suscetível de se tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser transformado em matéria noticiável” (TRAQUINA, 2005, p.63). A cobertura do incêndio na Boate Kiss baseou-se no critério de impacto (amplitude, frequência, negatividade, caráter inesperado e clareza) e proximidade.

A busca por fontes e informações via twitter e facebook não é problema, pois é uma adequação aos recursos tecnológicos e digitais. Mas requer atenção e cuidado, pois são instantâneos e aproximam o leitor dos fatos noticiados. Talvez a repercussão obtida através das redes sociais nunca seja possível em um jornal impresso, devido à dificuldade de atualizar a matéria ao longo do dia. Porém, citando mais uma vez o Manual “a correção tem uma variante, a precisão (…). Com isso você estará garantindo outra condição essencial do jornal, a confiabilidade” (35). Diante da necessidade de garantir o furo é preciso que o jornalista apure os fatos antes de noticiar.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: porque as notícias são como são. Volume 1. Florianópolis: Insular, 2005.

Por Ana Paula Rodarte, Diana Lourenço Luiz e Flávio Ernani da Costa

Categories: Destaque

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