Posted by admin On dezembro - 31 - 2011

Greiza Tavares, Joenalva Porto, Laio Amaral, Lidiane Andrade, Mateus Meireles, Mayara Coutrim, Ricardo Maia

Introdução

O presente artigo pretende fazer uma avaliação do cenário comunicacional brasileiro, no que diz respeito, ao espaço dedicado pela mídia, à discussão de assuntos relacionados a Políticas Públicas de Comunicação. Em se tratando do jornalismo, especificamente, é importante pensar o seu papel na constituição e manutenção de uma sociedade democrática, uma vez que ele se apresenta como lugar de debate e reflexão acerca de questões de interesse público. Nesse sentido, cabe-se questionar que tipo de jornalismo tem sido feito no Brasil e como ele interfere no processo de formação política dos cidadãos.

É notória a inserção dos meios midiáticos no cotidiano. Absorvemos informação a todo momento, de uma forma que chega a ser, muitas vezes, quase imperceptível. Lemos jornal durante o café da manhã ou no ônibus ao ir trabalhar, ouvimos rádio enquanto caminhamos ou estamos no carro ou ainda reunimos a família para ver o telejornal depois do jantar. Mas qual a interferência desses conteúdos na nossa vivência, enquanto atores sociais?

Muito se discute sobre a objetividade e imparcialidade dos veículos comunicacionais. O posicionamento e seleção de fatos são alvos constantes de críticas. Para Patrick Charaudeau (2005), acreditar na existência de uma única verdade é uma falha, pois a realidade é fragmentada, constituída de diferentes posicionamentos e olhares:
Defender a ideia de que existe uma realidade ontológica oculta e que, para desvelá-la, é necessário fazer explodir falsas aparências, seria reviver um positivismo de má qualidade. (CHARAUDEAU: 2005, p.131)

Os fatos só passam a ser notícias quando selecionados pelos meios midiáticos. Dessa forma, os cidadãos têm acesso a um material que já passou por uma “peneira”. “Ou seja, para que o acontecimento exista, é necessário nomeá-lo. O acontecimento não significa em si. O acontecimento só significa enquanto acontecimento em um discurso”. (CHARAUDEAU, 2005, p.31).

E são esses acontecimentos que interferem na forma como interagimos com o mundo. Partindo da hipótese da agenda setting, lançada por MC Combs, e M. E Shaw num artigo titulado The agenda setting function of mass media, e já revisitada por outros pesquisadores, a mídia tem o poder de pautar as nossas relações sociais. Isso é possível uma vez que a informação é uma engrenagem social. O que sabemos colabora para os nossos posicionamentos políticos, consumo e relações interpessoais.

A estruturação do espaço social depende da instância fornecedora de informação que é obrigada a construir o seu propósito gerenciando a visibilidade pública dos acontecimentos de que trata. Essa instância não pode ignorar que existe ‘uma verdadeira dialética entre a descrição inicial do acontecimento e as reações que tal descrição suscita’, porque a instância de recepção a qual se dirige detém a qualidade de ‘ator participando da vida pública. (CHARADEAU, 2005, p.143).

Rogério Christofoletti distingue três categorias de apreensão da notícia, que demonstram claramente a interferência de seus conteúdos na sociedade. A primeira é a objetivação, a notícia como um canal facilitador para apreensão da realidade objetiva. O que é noticiado, para os cidadãos, é um retrato da realidade. A segunda categoria é a subjetivação, na qual a notícia, para ser absorvida, deve ser enquadrada em uma das fragmentações sociais. Ela é direcionada para algum grupo específico. A terceira categoria é a intersubjetivação, ou seja, a contraposição das realidades fragmentadas, gerando um debate acerca de determinada temática.

Essas formas de assimilação contribuem para a hipótese do agendamento, uma vez que muitos cidadãos se pautam pelo que absorvem da mídia. E é nesse ponto que surge um problema: tendo conhecimento que a realidade é fragmentada e que a midiatização dos fatos é subjetivada, como lidar com a seleção dos fatos?
A internet surgiu como uma alternativa às coberturas homogeneizadas feitas pelos grandes veículos, mas ainda não é totalmente democrática, levando em consideração o acesso à internet. O público ainda reluta a dar credibilidade aos sites independentes.

[…] a capacidade de mudar o fluxo de informação a partir da capacidade autônoma de comunicação, reforçada mediante as tecnologias digitais de comunicação, realça substancialmente a autonomia da sociedade com respeito aos poderes estabelecidos. (CASTELLS, 2005, p.231).

Para ilustrar essa hipótese levantada, foram escolhidos três veículos: as revistas Veja e Istoé e o site independente Carta Maior. Pretende-se, com este estudo, demonstrar a discrepância das abordagens feitas ente as revistas e o site na forma de cobertura. Com foco no tema: Políticas Públicas de Comunicação será analisado a forma de abordagem dos assuntos relacionados a ele, buscando avaliar o espaço dedicado à discussão dessas questões. Nesse contexto, será pensado o que é visto pelo veículo como motes de interesse público e como isso reflete diretamente na qualidade do fazer jornalístico.

Análise de amostras das revistas Veja e Istoé

Amostras:

Istoé – ano 35 – n° 2191 – 9 de novembro de 2011 – Matéria de capa: “A grande batalha de Lula”
Istoé – ano 35 – nº. 2193 – 23 de novembro de 2011 – Matéria de capa: “Guarda compartilhada”

Veja – edição 2242 – ano 44 – n°.45 – 9 de novembro de 2011 – Matéria de capa:  “Os bastidores da luta de Lula conta o câncer”
Veja – edição 2244 – ano 44 – nº.47 – 23 de novembro de 2011 – Matéria de capa: “O que é ser normal?”.

Após análise de conteúdo das edições acima citadas das revistas Veja e Istoé, pode-se constatar que não houve nenhuma editoria, matéria ou nota que tratasse da temática de políticas públicas no âmbito comunicacional.

Nas revistas Veja e Istoé de nove de novembro de 2011, as únicas políticas públicas noticiadas são relativas às ações como: ocupação de favelas pela polícia, medidas adotadas em combate a fraudes em processos públicos e melhorias no sistema educacional de forma geral. Ambas as capas chamam a atenção do leitor estampando a imagem do ex-presidente Lula, evidenciando que o principal assunto das edições será a doença sofrida por ele.

As revistas Veja e Istoé de 23 de novembro de 2011, por sua vez, estampam em suas capas fenômenos de mudanças de comportamento mundiais: a Istoé traz a guarda compartilhada por pais separados como tema principal e a Veja levanta a questão “O que é ser normal?” com a imagem da artista pop Lady Gaga.

Comum a todas as publicações é o excesso de publicidade, pode-se afirmar que praticamente após cada matéria há uma propaganda. A Veja de 23 de novembro traz uma reflexão sobre algumas propagandas publicitárias internacionais. O tema comunicação aparece ainda em algumas matérias na Istoé e Veja de 23 de novembro discutindo ética na internet, e ascensão das redes sociais como blogs e facebook, porém nenhuma delas reflete sobre a comunicação social num sentido mais amplo, ou sobre políticas públicas nessa área.

Outro fator comum a todas as publicações é a intensa cobertura sobre vida e obra de celebridades brasileiras e internacionais, o que evidencia que os interesses editoriais das revistas não vão muito além dos “supostos” interesses do leitor. Isso, somado ao excesso de publicidade já citado, transforma, cada vez mais, a notícia, em apenas um produto. O valor das publicações passa a ser medido apenas financeiramente e não por sua capacidade de informar.

Essa lógica de mercado refuta as idéias de Rogério Christofoletti, em seu livro Vitrine e Vidraça– Crítica de Mídia e Qualidade no Jornalismo, que coloca:

A notícia não é, porém, um produto inerte e cabível numa forma e numa embalagem. Nem o seu conteúdo destina-se a um usufruto único por parte de qualquer ‘consumidor’ isolado. Aliás, notícia nem seria um produto de consumo e, muito menos de descarte imediato. Por se destinar à consciência e não ao corpo, o valor da notícia terá de ser classificado muito mais como valor de troca do que como valor de uso.
(CHRISTOFOLETTI, 2010, p.12)

Os veículos analisados têm sua parcialidade, no que diz respeito à política, principalmente a revista Veja, bem conhecida nacionalmente. Dessa forma, pauta comum a ambas as revistas é a situação política atual, dando extremo destaque a qualquer “tropeço” do governo, como as denúncias de corrupção. Esse olhar parcial pode ser um fator determinante para o não aparecimento de temas que privilegiem uma ação governamental de situação que vise os interesses da imprensa de uma forma geral, como as políticas públicas em comunicação. Assim, a autocrítica, se existente, e esses interesses da classe comunicadora, que deveriam também ser de conhecimento público, muitas vezes ficam restritos às redações não sendo repassados aos clientes finais: os leitores. Mais uma vez, pode-se citar Christofoletti: “[...] o problema da imprensa não está na imprensa em si, mas nas suas atribuições, a serem resolvidas, senão, confortadas.” (CHRISTOFOLETTI, 2010, p.11).

Em paralelo com o trecho de uma matéria do site Carta Maior, onde o funcionamento do Conselho de Comunicação Social é colocado em cheque, uma vez que “O Congresso Nacional e, sobretudo, o Senado Federal, abriga um grande número de parlamentares com vínculos diretos com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que – insistimos, mesmo sendo apenas auxiliar – discute questões que ameaçam os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados. Essa é a razão – de fato – pela qual o Congresso descumpre a Constituição e a lei.”, conclui-se que as edições das amostras são pautadas pelo mercado de consumo, mercado este que não abre espaço para a discussão do fazer jornalístico e suas condições para melhor acrescentar ao leitor conteúdo informativo. As políticas públicas de comunicação tornam-se questões internas, ou seja, não são discutidas publicamente, antes, ao contrário, são agendadas e decididas por uma minoria que retém o controle do que será publicado: os gatekeepers de portões enferrujados.

Istoé – ano 35 – n° 2192 – 16 de novembro de 2011 – Matéria de capa: “Eternamente jovem”.

Veja – edição 2243 – ano 44 – n°.46 – 16 de novembro de 2011 – Matéria de capa: “Pereirão, esse mulherão”.

Ao se fazer uma análise das revistas Veja e Istoé do dia 11 de novembro, pode-se notar que faltam matérias que abordem as políticas públicas em comunicação em ambas as revistas. Percebemos a incidência de políticas públicas implantadas em outras áreas como saúde, educação, por exemplo. A mídia, tendo o papel não só de informar, mas também um papel social emancipatório, deveria tratar de seu próprio papel e de suas influências, como afirma Luiz Martins A. Silva no primeiro capítulo do livro Vitrine e Vidraça– Crítica de Mídia e Qualidade no Jornalismo que, [...] o jornalismo, independentemente da natureza do dispositivo econômico ou institucional que o abrigue, cumprirá inevitavelmente um papel emancipatório. É preciso ressaltar que tanto o jornalismo de mercado quanto o jornalismo de Estado são objetos de negações quanto à sua autenticidade. O fato é que ambos têm os seus ‘constrangimentos organizacionais’ atávicos. (SILVA, Luiz Martins, 2010, p.7)

O portal Carta Maior segue essa linha de publicação e, de forma metalinguística, faz menção à comunicação de forma crítica e expositiva reforçando o papel da mídia e a colocação dessa diante do governo e das políticas públicas, como é tratado na coluna de Venício Lima, “Debate Aberto”.

Ao contrário de Venício Lima, as amostras, que possuem um mesmo perfil e seguem uma linha editorial próxima, tratam apenas de situações factuais contextualizadas com o cotidiano, que deixam de lado questões da própria comunicação. Nas edições em questão, as únicas matérias que trataram da comunicação, de forma a demonstrar seus papéis, foram as “Zorra no metrô” (Istoé, p.140) e “Steve Jobs era mau exemplo” (Veja, p.100). Essas reportagens trataram de como humor é recebido pelo público e a relação internet-indivíduo, respectivamente. Ainda que, de maneira muito sutil, as matérias demonstram o papel da comunicação e sua recepção, não são citadas as políticas públicas que são aplicadas nessa área. Na matéria da Veja, é feita uma entrevista com Duncan Watts, que dirige um grupo que estuda o comportamento das pessoas na internet, e um dos assuntos tratados foi o que ocorre quando os políticos usam o senso comum para desenvolver políticas públicas. A resposta dada pelo especialista foi:

O senso comum funciona bem no dia a dia dos indivíduos, para definir como eles devem proceder no transporte publico ou no ambiente de trabalho, por exemplo. Aplicado às massas, no entanto, é um desastre. (…) Os políticos vivem inventando teorias a partir do próprio comportamento e assumindo que elas funcionariam bem em larga escala. O que eles deveriam fazer é testar suas ideias cientificamente antes de aplicá-las. (VEJA, 11 de novembro 2011, P. 100)
.
Já na matéria da Istoé, o papel e a influência da comunicação foram tratados de forma leviana. Com foco no humor, trata o gênero como popular e apresenta a grande aceitação na mídia. A relação tratada aí é a público – gênero. O caso colocado em questão é o do programa televisivo da Rede Globo, Zorra Total, que vem ganhando audiência nas noites de sábado.
Com base nessas duas edições analisadas, pode-se perceber que os veículos ainda atingem seu público de maneira superficial, com assuntos de grande repercussão, porém levianos, sem colocar, nem afirmar seu papel diante da sociedade.

Istoé – ano 35 – n° 2190 – 02 de novembro de 2011 – Matéria de capa: “O esquem Agnelo”

Veja – edição 2241 – ano 44 – n°.44 – 02 de novembro de 2011 – Matéria de capa: “Chegou o bebê nº 7 bilhões”

Venício Lima, em sua coluna no site Carta Maior, discute a “ressurreição” dos Conselhos Estaduais de Comunicação Social, os CECS. Ele fala sobre certo repudio dos meios privados de comunicação em relação ao debate e aprovação de políticas públicas que permitem uma maior participação social e democrática. Os CECS dizem respeito a coletivos plurais e fazem parte do Título VIII da Constituição- da ordem social- assim como outras políticas públicas básicas como saúde, educação e assistência social. A notícia em questão é a retomada do tema e a aprovação pela Assembléia Legislativa no ano passado. Apesar de prevista em pelo menos dez constituições estaduais, a proposta dos conselhos de comunicação foi boicotada e deixada de lado por vários anos.

Sobre a questão que Venício levanta, pode-se entender a falta de pautas e discussões a respeito das políticas públicas de comunicação em seus próprios e maiores meios.
Se as pessoas não forem levadas a perceber as opções implícitas na adoção de políticas e não receberem dados abrangentes e articulados sobre os efeitos das escolhas pertinentes, não terão incentivo para desempenhar o elevado papel que as democracias contemporâneas delas esperam. (CHRISTOFOLETTI,2010, p.27)

Se tão importante é a comunicação, a veiculação de notícias, o agendamento dos meios, logo se torna indispensável o debate sobre as maneiras e os regimentos de como se fazer. A censura muito é confundida com a regulamentação proposta, então jornais impressos, telejornais e as revistas “passam longe”, e como afirma o colunista: “repudiam” qualquer proposta. Este tema não se torna notícia. Não está em pauta para as empresas de jornalismo, logo não está em pauta para nós leitores.

Prova disso é o resultado da análise das edições de dois de novembro das revistas Veja e Istoé. O período é o mesmo da publicação “Conselhos Estaduais de comunicação: onde estamos e para onde vamos”, de Venício Lima.  A proposta de se discutir o assunto, considerando a sua relevância, não foi identificada nas edições analisadas. Além desse debate em questão sobre a “ressurreição” dos Conselhos, também não foram encontradas notícias, notas ou artigos referentes, ou indiretamente ligados a esse tema em geral.
Os assuntos abordados nessas edições são semelhantes, como: o habitante de número 7 bilhões no mundo; os escândalos da política; o vazamento do ENEM e outros. Mas dentro de suas mais de 150 páginas, palavras como comunicação, políticas públicas, e mídia não foram identificadas.

Podemos definir como uma metalinguagem, a comunicação falando sobre comunicação. E voltando ao que é discutido na coluna do Carta Maior, a ausência de notícias sobre o assunto pode ser explicado pelo próprio assunto: a distância dos meios e as dificuldades em se aprovar Conselhos, órgãos, leis, qualquer coisa que venha a “regular” ou direcionar o fazer jornalístico no Brasil.

Conclusão:

No cenário da comunicação, em todo contexto brasileiro, com sua história, suas lutas e conquistas é indiscutível o papel da Comunicação Social e do jornalismo em especial, como um espaço para o debate, para a discussão de idéias e a preocupação com o cenário sócio-cultural como um meio que galgue a democracia.

Nos longos anos de estudos comunicacionais, com teorias e hipóteses tão complexas do campo, é dispensável o questionamento do poder da mídia em relação à sua capacidade de pautar temas, agendar assuntos, sobretudo os de interesse público. Mas como é executado esse poder, de fato?

De acordo com a ANDI, ainda que exista, sim, a capacidade de pautar assuntos,

[...] a influência da mídia no agendamento dos temas públicos não ocorre, entretanto, de maneira homogênea. Os diferentes processos de construção das informações, bem como os diversos tipos de enquadramentos que podem ser dados a um determinado assunto, também interferem diretamente na forma como ele será compreendido pelo publico – e, consequentemente, na forca que ele terá (ou não) nos espaços de debate. Dessa forma, o tipo de abordagem midiática conferido a um tema pode influenciar distintas etapas na construção de significados por parte dos possíveis atores envolvidos na formulação de uma certa política publica. (ANDI, 2007, p.7)

O presente trabalho, que constou de uma análise comparativa entre três veículos distintos de comunicação, observa certa ausência temática, no que tange o amplo campo da comunicação, especificamente no que diz respeito às políticas públicas que envolvem a Comunicação Social como num todo.

As amostras, quais sejam, Veja e Istoé, comparadas ao site Carta Maior, que é uma publicação eletrônica multimídia de esquerda, criada em 2001, no primeiro Fórum Social Mundial, apresentam um silenciamento claro quando o assunto são as políticas sociais de comunicação. O site publicou, no mês de novembro, cinco matérias abordando assuntos relacionados ao tema, a despeito das revistas com nenhuma matéria que abordasse alguma notícia sobre as mesmas políticas. A disparidade entre os veículos é clara e corrobora para a pesquisa da ANDI, cuja constatação é a de que menos de 25% das matérias publicadas em revistas referem-se às políticas públicas. No caso da Veja, 4,4% das matérias, e na Istoé, apenas 2,6% de suas publicações são pautas políticas do campo comunicacional. (ANDI, 2007).

Ampliando a reflexão e pensando o Jornalismo, especificamente,

…] isso fica evidente quando analisamos o maior destaque atribuído a certas temáticas, muitas vezes em detrimento de outras mais relevantes para o conjunto da sociedade. No contexto da imprensa brasileira, o foco da cobertura e centralmente dispensado as questões relacionadas a política partidária, legislativa e presidencial – assuntos que, em geral, ocupam espaços exclusivos e permanentes dos jornais. (ANDI, 2007, p. 8)

Essa insuficiência do jornalismo em pautar temas de interesse público é o empecilho evidente para que haja apropriação coletiva de temas públicos e que interfiram diretamente na vida da sociedade. Partindo desse ponto, faz-se urgente a reflexão sobre o papel do jornalismo no aprofundamento da democracia, a partir do repertório temático que envolve estas questões. Qualitativamente, como são as informações oferecidas ao público e quais os interesses que as cercam?

Em relação às amostras, de acordo com Rothberg (2010), um ambiente que não incentiva qualidade na informação, simplesmente falha até em apresentar o cenário da definição das políticas públicas em uma democracia. Sendo assim, essas revistas e muitos outros veículos de comunicação, dada a omissão temática das políticas públicas, não cumprem com o papel emancipador do jornalismo, uma vez que não oferecem elementos necessários à auto governança, no processo de cidadania, pois os indivíduos acabam por se relacionar de maneira superficial com a política. É preciso qualificar, cada vez mais, o conteúdo produzido pela mídia em nossos espaços. Qualificar tanto no sentido da produção do conteúdo em si mesmo, quanto no da importância política, social e cultural das nossas pautas.

Referências Bibliográficas

ANDI (Agência Nacional Dos Direitos Da Infância): Mídia e políticas públicas de comunicação. Brasília, 2007
CHRISTOFOLETTI, Rogério de. (Org). Vitrine e Vidraça – Crítica de Mídia e Qualidade no Jornalismo. LabCom Book 2010
MORAES, Dênis de. (Org). Sociedade Midiatizada. Mauad X 2006
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. Editora Contexto 2005

Anexo

Matérias Analisadas do site Carta Maior

Conselhos Estaduais de Comunicação: Onde estamos e para onde vamos
A Bahia é o estado que está mais próximo de fazer funcionar um CECS e há a expectativa de que seria em breve seguido pelo Rio Grande do Sul. Aparentemente Minas, São Paulo e Piauí retornaram ao ponto de partida, embora já tenham projetos concretos sobre o tema.
Venício Lima
(*) Artigo publicado originalmente no Obsevatório da Imprensa

Adormecidos por mais de duas décadas, apesar de previstos em pelo menos dez constituições estaduais e na lei orgânica do Distrito Federal, os conselhos estaduais de comunicação social (CECS), espelhados na Constituição Federal de 1988, “ressuscitaram” no último ano.
Como se sabe, apesar de boicotado pela Mesa Diretora do Congresso Nacional desde novembro de 2006 (ver, neste Observatório, “Quatro anos de ilegalidade”), o artigo 224 da Constituição reza:
Para os efeitos do disposto neste capítulo [Da Comunicação Social], o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.
Na verdade, foi o “Projeto de Indicação 72.10” aprovado pela Assembleia Legislativa em 19 de outubro de 2010 recomendando ao governador a criação do Conselho Estadual de Comunicação do Ceará, o detonador principal da retomada do tema em vários estados do país.
Muita confusão, deliberada ou por desconhecimento, foi gerada na grande mídia, nacional e regional, depois da proposta cearense. Houve “gente boa” confundindo os CECS, previstos nas constituições estaduais após as adaptações destas ao texto da Constituição, (a) com o projeto de lei de criação do Conselho Federal de Jornalismo, arquivado na Câmara dos Deputados em dezembro de 2004; ou (b) “literalmente” com a proposta aprovada na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (dezembro de 2009) de criação de conselhos de comunicação “como instâncias de formulação, deliberação e monitoramento de políticas de comunicação”em nível nacional, estadual, distrital e municipal (ver, neste OI, “Sobre inverdades e desinformação ).
Essa confusão, por óbvio, serviu de arma de combate para os grandes grupos privados que repudiam qualquer tentativa de participação social, por mais democrática que seja, na gestão e acompanhamento das políticas públicas do setor de comunicações.

Os CECS, inspirados no artigo 224, apesar de diferenças pontuais de redação nas constituições estaduais ou na proposta específica da 1ª Confecom, dizem respeito a coletivos plurais (governo, empresários, movimentos sociais), auxiliares, consultivos ou de assessoramento do Poder Executivo na formulação e acompanhamento das políticas de comunicação e inclusão social, a exemplo dos muitos já previstos no Título VIII da Constituição – Da Ordem Social – para outras políticas públicas de direitos básicos como, por exemplo, a saúde, a educação e a assistência social.

Embora óbvio, lembre-se que os CECS não terão qualquer poder em relação à alteração de normas de concessão e renovação dos serviços públicos de radiodifusão e telecomunicações, de competência legal exclusiva da esfera federal. E, mais óbvio ainda, os CECS não poderão contrariar qualquer norma constitucional referente à Comunicação Social. Na verdade, os CECS constituem uma tentativa institucional no sentido de universalizar a liberdade de expressão.
O que se pretende aqui é (1) oferecer um levantamento do “estado da arte” da criação desses conselhos; (2) propiciar a troca de informação entre pessoas e movimentos que, muitas vezes, de forma isolada, estão engajados neste processo; e (3) estimular a articulação ou reativação de movimentos para criação dos conselhos estaduais. Espera-se também receber, por meio dos comentários neste site, informações que corrijam e completem o quadro geral do que está ocorrendo hoje em relação a este aspecto fundamental das políticas públicas de comunicações.
(A) Estados onde os Conselhos de Comunicaçãoestão previstos nas respectivas constituições estaduais
1. Alagoas

O Conselho Estadual de Comunicação Social de Alagoas (CECS-AL), previsto no artigo 212 da sua Constituição(1989), foi criado pelo decreto nº 31 de 13 de fevereiro de 2001. Aparentemente o CECS-AL surgiu como resultado de circunstâncias específicas da disputa de poder entre as elites locais, sem que houvesse uma demanda real da sociedade civil organizada. Exatamente por isso, não consegue sequer o quorum mínimo para se reunir e, portanto, não funciona.
Os sindicatos dos jornalistas e dos radialistas de Alagoas encaminharam, em 2010, uma minuta de projeto de lei ao governo do estado propondo a transformação do CECS-AL em colegiado deliberativo vinculado à Secretaria de Comunicação do estado. O governo ainda não se pronunciou sobre o assunto.
2. Bahia

Depois de longo processo e com a participação ativa da sociedade civil baiana, a Assembleia Legislativa aprovou, em abril deste ano, a proposta do governo de regulamentação do artigo 277 da Constituição (1989) e criou o CECS-BA (ver, neste Observatório, “A Bahia sai na frente”). As negociações para eleição dos primeiros membros estão em fase final e a previsão é de que os eleitos tomem posse e o CECS-BA comece a funcionar ainda em 2011.
3. Distrito Federal
Iniciativas de instalação do CECS-DF existem desde 1993, mas não foram bem sucedidas. Criado em fevereiro de 2011 com amplo apoio dos movimentos sociais e de secretários do GDF, o Movimento Pró-Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal (MPC) formalizou, em julho passado, uma proposta de projeto de lei regulamentando o artigo 261 da Lei Orgânica do Distrito Federal (1993) ao governo (GDF) para ser encaminhado à Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) (ver, no OI, “Sopro de ar puro no DF ).
Uma audiência pública sobre o tema, convocada pelo deputado distrital Cláudio Abrantes (PPS), com a presença de três secretários de governo e representantes de movimentos sociais, foi realizada na Câmara Legislativa em setembro. Há a expectativa de que a anunciada criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES-DF), prevista para o início de novembro, abra um novo espaço de debate e negociação em torno do projeto (ver “CDES Estaduais   outro caminho para os conselhos de comunicação”).
4. Minas Gerais
Previsto no artigo 230 da Constituição (1989), a composição do CECS-MG foi definida pelo decreto n. 10.827/1992, alterado pela Lei n. 11.406/1994 e, posteriormente, sua competência foi definida pelo Decreto n. 36.283/1994. No entanto, não se tem notícia de seu funcionamento.
Em 2010, o deputado estadual Carlin de Moura (PCdoB) apresentou o projeto de lei nº 4.968 criando o CECS-MG sem fazer qualquer referencia às leis e decretos anteriores. Na atual legislatura (2011-2014), o projeto recebeu nova numeração e passou a ser o PL 950/2011. Consulta feita ao site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, todavia, revelou que o referido projeto foi retirado de pauta, por solicitação do próprio autor, em 22 de setembro de 2011.
5. Paraíba
A Constituição da Paraíba (1989) prevê a criação do CECS-PB em seu artigo 239. Sabe-se que dois projetos já apresentados por deputados estaduais na Assembleia Legislativa foram considerados inconstitucionais por vício de origem, isto é, a iniciativa de regulamentação do artigo 239 deve partir do Poder Executivo.
Movimentos sociais e setores universitários lideram hoje uma articulação para que se regulamente o artigo 239. Eles contam com amplo apoio social e também com o compromisso da secretária da Mulher e Diversidade Humana, Iraê Lucena, que se propõe a intermediar as negociações com o governador Ricardo Coutinho (PSB). Neste mês de novembro será realizado um seminário para discutir o assunto na Universidade Federal da Paraíba.
6. Rio de Janeiro
O artigo 335 da Constituição do Estado do Rio Janeiro (1989) prevê a criação do CECS-RJ. Em outubro de 2010 o deputado estadual Paulo Ramos (PDT) apresentou o projeto de lei nº 3.323 propondo a regulamentação do referido artigo. Um ano depois, em outubro de 2011, o projeto se encontra na Comissão de Constituição e Justiça aguardando parecer.
7. Rio Grande do Sul
No RS, a instalação do CECS-RS, previsto no artigo 238 da Constituição, é compromisso de campanha do governador Tarso Genro e objeto de longa luta de entidades sindicais e movimentos sociais. Debates sobre o tema estão sendo realizados desde o início do ano em várias regiões do estado (“Comunicação em pauta – o que já mudou e o que ainda precisa mudar”), promovidos pela Secom-RS. Além disso, o CDES-RS criou uma Câmara Temática sobre Cultura e Comunicação onde está em fase final de gestação um projeto de lei a ser sugerido ao governador (ver “CDES Estaduais   outro caminho para os conselhos de comunicação”).
(B) Estados onde os Conselhos de Comunicaçãonão estão previstos nas respectivas constituições estaduais
1. Ceará

A deputada estadual Rachel Marques (PT) foi autora do “Projeto de Indicação 72.10”, acima mencionado, fruto de ampla participação de dezenas de entidades da sociedade civil cearense (ver aqui). Ao contrário do que se divulgou, não houve um “veto” formal do governador Cid Gomes (PSB) ao projeto. O longo período de licença médica da autora da proposição, todavia, fez com que o tema perdesse força diante da ferrenha oposição dos grupos de mídia privados locais.
Registre-se o recente retorno da deputada Rachel Marques às atividades parlamentares e a retomada da articulação dos movimentos sociais em torno da idéia.

2. Piauí
Grupo de Trabalho constituído pelo então governador Wellington Dias (PT-PI) para organizar a 1ª. Conferencia de Comunicação do Piauí, em 2009, propôs também a criação do Conselho Estadual de Comunicação. A proposta foi recebida pelo novo governador Wilson Martins (PSB) que ouviu a Procuradoria Geral do Estado e a recusou sob alegação de inconstitucionalidade, em outubro de 2010.

Ao que se sabe o Sindicato dos Jornalistas do Piauí continua buscando alternativas para a criação do CECS-PI.

3. Pernambuco
Entidades da sociedade civil estão em negociações com o secretário de Imprensa Evaldo Costa, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco, que tem sensibilidade em relação à questão. Não há, todavia, sinais positivos vindos do governador Eduardo Campos (PSB) sobre um eventual apoio à criação do CECS-PE.

4. Rio Grande do Norte
Setores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ligados a movimentos sociais e com apoio do Partido dos Trabalhadores estão articulando a realização de uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa para discutir a questão do CECS-RN.

5. São Paulo
Dois projetos surgiram na Assembleia Legislativa para a criação do CECS-SP, em 2010. O deputado estadual Edmir Chedid (DEM) apresentou o projeto de resolução nº 7/2010 e o deputado Antonio Mentor (PT) propôs o projeto de resolução nº 9/2010. No primeiro projeto o CECS-SP seria órgão auxiliar da própria Assembleia Legislativa e no segundo, o que se propunha era a criação do Conselho Estadual Parlamentar de Comunicação do Estado de São Paulo. Ambos os projetos foram arquivados em abril 2011.

Para onde vamos?
Não há informações disponíveis sobre o que está ocorrendo nos estados do Amapá, Amazonas, Goiás e Pará, cujas constituições preveem a criação dos CECS e nem nos estados de Sergipe, Acre, Roraima, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Santa Catarina, Paraná e Tocantins.
A estarem corretas as informações acima, nas doze unidades da Federação mencionadas, a Bahia é o estado que está mais próximo de fazer funcionar um CECS e há a expectativa de que seria em breve seguido pelo Rio Grande do Sul. Aparentemente Minas, São Paulo e Piauí retornaram ao ponto de partida, embora já tenham projetos concretos sobre o tema. Estados como Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte estão na fase inicial de mobilização e de elaboração de propostas a serem apresentadas ao Executivo.
Em Alagoas, apesar ter sido criado um CECS, falta mobilizar a sociedade civil em torno de sua importância e de conquistar as modificações legais que o façam de fato funcionar. No Rio de Janeiro há um projeto tramitando na Assembleia Legislativa e no Distrito Federal espera-se que a criação do CEDS-DF, a exemplo do que ocorre no Rio Grande do Sul, possibilite a construção de um projeto com o consenso de diferentes forças sociais. E, finalmente, no Ceará, acredita-se que o projeto já aprovado na Assembleia Legislativa possa ser, finalmente, encampado pelo governo do estado.

Registre-se que em estados governados pelo PSB – como Pernambuco, Piauí e Ceará – não tem havido boa receptividade às propostas de criação dos CECS por parte de seus governadores. A ver qual será a reação do governador da Paraíba, também filiado ao PSB. É curioso que uma deputada do mesmo partido, Luiza Erundina (SP), seja a coordenadora da “Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular” e manifeste publicamente seu apoio à criação dos CECS.
Por outro lado, considerando que o IV Congresso Extraordinário do Partido dos Trabalhadores, realizado em setembro, aprovou uma moção recomendando a instalação dos CECS, é de se supor que eles sejam criados nos estados governados por alianças partidárias lideradas pelo PT –Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Acre e Sergipe –, a exemplo do que já ocorreu na Bahia.
Como tudo que se refere a ampliar a participação democrática nas comunicações, há uma longa estrada pela frente. A criação dos CECS, no entanto, está na pauta. E nada substituirá o poder de uma sociedade civil organizada em torno da consolidação do direito à comunicação em nosso país.

Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

Conselho de Comunicação Social: Cinco anos de ilegalidade
É constrangedor registrar, pelo quinto ano consecutivo, a ilegalidade do Congresso Nacional em relação ao cumprimento da Constituição Federal e da lei 8.389/1991. No dia 20 de novembro, serão cinco anos que o Conselho de Comunicação Social, criado pela Constituição de 1988 e regulamentado por lei em 1991, se reuniu pela última vez.
Venício Lima
(*) Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

É certamente constrangedor registrar, pelo quinto ano consecutivo, a ilegalidade do Congresso Nacional em relação ao cumprimento da Constituição Federal e da lei 8.389/1991 (ver artigo neste Observatório): no domingo, 20 de novembro, serão cinco anos que o Conselho de Comunicação Social (CCS), criado pela Constituição de 1988 (artigo 224) e regulamentado por lei em 1991, se reuniu pela última vez. De lá para cá a Mesa Diretora se recusa a convocar a sessão conjunta para eleição dos novos membros, como manda o § 2º do artigo 4º da Lei 8.389/91.
O CCS, órgão auxiliar do Congresso, é o único espaço institucionalizado de debate sobre o setor de comunicações no nosso país, com representação da sociedade civil. No entanto, não funciona há cinco anos por deliberada omissão do Congresso.

Ilegalidades repetidas
Reza a recente lei 12.485/2011, que regula o chamado Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) e, portanto, estabelece novas regras para o setor de TV paga:
Artigo 42. A Anatel e a Ancine, no âmbito de suas respectivas competências, regulamentarão as disposições desta Lei em até 180 (cento e oitenta) dias da sua publicação, ouvido o parecer do Conselho de Comunicação Social.
Parágrafo único. Caso o Conselho de Comunicação Social não se manifeste no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento das propostas de regulamento, estas serão consideradas referendadas pelo Conselho.
Desta forma, a lei, sancionada em 12 de setembro de 2011, determina que até 12 de março de 2012 o CCS ofereça um parecer sobre as regulamentações a serem produzidas pela Anatel e pela Ancine. A lei, todavia, também prevê que, caso o CCS não se manifeste, tudo fica como está…
De qualquer maneira, a nova lei aprovada pelo Congresso Nacional parece ter movimentado alguns setores no sentido de fazer funcionar o CCS (ver aqui). A movimentação decorrente da aprovação de uma nova lei que atribui tarefas específicas ao CCS, no entanto, não constitui exatamente uma novidade.
Na verdade, a lei 12.485 vem se juntar à lei 11.652, de 7 de abril de 2008 – que criou a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) –, e, em seu artigo 17, determina ao Conselho Curador da empresa de radiodifusão pública encaminhar ao CCS as deliberações tomadas em cada uma de suas reuniões. Em 2008, como agora, houve uma movimentação para eleição dos novos membros do CCS. Nada aconteceu.
Por tudo isso, tomo a liberdade de repetir abaixo alguns trechos atualizados de artigos que venho publicando a cada ano, desde 2007.
Responsabilidade do Congresso Nacional
Os integrantes do CCS são eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional. Acontece que a Mesa Diretora, vencidos os mandatos dos conselheiros ao final de 2006, jamais promoveu a eleição dos novos membros. Trata-se, portanto, de evidente descumprimento de uma lei exatamente por parte do poder que tem o dever constitucional maior de criá-las e, espera-se, deveria cumpri-las.
A situação chegou a tal ponto, que um integrante do próprio Congresso, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), em agosto de 2009 entrou com uma representação na Procuradoria Geral da República para que o Ministério Público investigue os motivos pelos quais não se promove a eleição dos novos membros do CCS. Não se conhece os resultados dessa representação.
Triste história
A inatividade do CCS, paradoxalmente, não merece a atenção da grande mídia, apesar de os empresários do setor constituir, pelo menos, a metade de seus membros.
Como se sabe, o CCS, apesar de regulamentado em 1991, só logrou ser instalado 11 anos depois como parte de um polêmico acordo para aprovação de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, naquele momento, constituía interesse prioritário dos grupos de mídia. A Emenda Constitucional nº 36 (artigo 222), de maio de 2002, permitiu a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão por pessoas jurídicas e a participação de capital estrangeiro em até 30% do seu capital.
O fato é que, mesmo sendo apenas um órgão auxiliar, o CCS instalado demonstrou ser um espaço relativamente plural de debate de questões importantes do setor – concentração da propriedade outorga e renovação de concessões, regionalização da programação, TV digital, radiodifusão comunitária, entre outros.
Vencidos os mandatos de seus primeiros integrantes, houve um atraso na confirmação dos membros para o novo período de dois anos, o que ocorreu apenas em fevereiro de 2005. Ao final de 2006, no entanto, totalmente esvaziado, o CCS fez sua última reunião e a eleição dos novos membros até hoje não foi convocada pelo Congresso.
Atribuições

Nunca será demais relembrar quais são as atribuições que o CCS deveria estar exercendo se o Congresso Nacional cumprisse a Constituição e a lei. O artigo 2º da Lei 8.389/91 reza:
O Conselho de Comunicação Social terá como atribuição a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito do Título VIII, Capítulo V, da Constituição Federal, em especial sobre:
a) liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação;
b) propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias nos meios de comunicação social;
c) diversões e espetáculos públicos;
d) produção e programação das emissoras de rádio e televisão;
e) monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social;
f) finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação das emissoras de rádio e televisão;
g) promoção da cultura nacional e regional, e estímulo à produção independente e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística;
h) complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão;
i) defesa da pessoa e da família de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Federal;
j) propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
l) outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
m) legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à comunicação social.
Por que, afinal, o CCS não funciona?
O Congresso Nacional e, sobretudo, o Senado Federal, abriga um grande número de parlamentares com vínculos diretos com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que – insisto, mesmo sendo apenas auxiliar – discute questões que ameaçam os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados. Essa é a razão – de fato – pela qual o Congresso descumpre a Constituição e a lei.

Indefensável é a cumplicidade silenciosa da grande mídia e daqueles que nos lembram quase diariamente dos supostos riscos e ameaças que a “liberdade da imprensa” enfrenta no Brasil e em países vizinhos da América Latina.
O funcionamento constitucional de um coletivo auxiliar do Congresso, composto por representantes dos empresários, de categorias profissionais de comunicação e da sociedade civil, com a atribuição de debater questões centrais do setor, oferece algum risco à liberdade de expressão, à liberdade da imprensa ou à democracia?
Por que, afinal, o Conselho de Comunicação Social não funciona?

Fiscalização do governo ou poder paralelo?
Será que estamos a assistir no Brasil à comprovação prática da afirmação de Paul Virilio: “A mídia é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra”? A resposta a essa questão deve ser dada pela própria Justiça e pelas instituições políticas.
Venício Lima
(*) Artigo publicado originalmente na revista Teoria e Debate, n° 94

No clássico Four Theories of the Press, de Siebert, Peterson e Schramm – uma das consequências indiretas do longo trabalho da Hutchins Commission, originalmente publicado no auge da Guerra Fria (University of Illinois Press, 1956) –, uma das funções descritas para a imprensa na chamada “teoria libertária” era exercer o papel de “sentinela” da liberdade.
Em outro livro, também clássico, que teve uma pouco conhecida tradução brasileira (Os Meios de Comunicação e a Sociedade Moderna, Edições GRD, 1966), Peterson, Jensen e Rivers assim descrevem a função:
Os libertários geralmente consideravam o governo como o inimigo mais temível e tradicional da liberdade; e, mesmo nas sociedades democráticas, os que exercem funções governamentais poderiam usar caprichosa e perigosamente o poder. Portanto, os libertários atribuíam à imprensa a tarefa de inspecionar constantemente o governo, de fazer o papel da sentinela, chamando a atenção do público sempre que as liberdades pessoais estivessem perigando (p. 151-152).
Nos Estados Unidos, a teoria libertária foi substituída pela teoria da responsabilidade social, mas o papel de fiscalização sobre o governo permaneceu, lá e cá, geralmente aceito como uma das funções fundamentais da imprensa nas democracias liberais representativas.
Jornalismo investigativo
O chamado “jornalismo investigativo”, que surge simultaneamente ao “ethos” profissional que atribui aos jornalistas a “missão” de fiscalizar os governos e denunciar publicamente seus desvios, deriva do papel de “sentinela” e é por ele justificado. A revelação de segredos ocultos do poder público passou a ser vista como uma forma de exercer a missão de guardião do interesse público e a publicação de escândalos tornou-se uma prática que reforça e realimenta a imagem que os jornalistas construíram de si mesmos.

Com o tempo, a mídia passou a disputar diretamente a legitimidade da representação do interesse público, tanto em relação ao papel da Justiça – investigar, denunciar, julgar e condenar – como em relação à política institucionalizada de expressão da “opinião pública” pelos políticos profissionais eleitos e com cargo nos executivos e nos parlamentos. Tudo isso acompanhado de uma permanente desqualificação da Política (com P maiúsculo) e dos políticos.
Na nossa história política há casos bem documentados nos quais a grande mídia reivindica para si esses papéis. O melhor exemplo talvez seja o da chamada “rede da democracia” que antecedeu ao golpe de 1964 e está descrita detalhadamente no livro de Aloysio Castelo de Carvalho, A Rede da Democracia – O Globo, O Jornal e o Jornal do Brasil na Queda do Governo Goulart (1961-64); NitPress/Editora UFF, 2010.
Mais recentemente, a presidenta da Associação Nacional de Jornais (ANJ) declarou publicamente:

A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo, de fato, a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo” (“Ações contra tentativa de cercear a imprensa”, O Globo, 19/3/2010, pág. 10).
Poder paralelo
Como chamou a atenção o governador Tarso Genro, na abertura de um congresso nacional contra a corrupção, organizado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, em outubro passado:
Criou-se um jornalismo de denúncia, que julga e condena. Usam a corrupção como argumento para dizer que as instituições não funcionam e tentar substituí-las (…) atualmente, os casos mais graves são investigados pela mídia e divulgados dentro das conveniências dos proprietários dos grandes veículos (…) fazem condenações políticas de largas consequências sobre a vida dos atingidos, e tomam para si até o direito de perdão, quando isso se mostra conveniente (http://sul21.com.br/jornal/2011/10/grande-midia-quer-instituir-justica-p…).

Será que estamos a assistir no Brasil à comprovação prática da afirmação de Paul Virilio: “A mídia é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra”? A resposta a essa questão deve ser dada pela própria Justiça e pelas instituições políticas.

A grande mídia e a falsa disputa entre liberdade vs. censura
A grande mídia está vencendo a “batalha das idéias” e tem conseguido construir como significação dominante no espaço público que a sociedade brasileira estaria diante de uma disputa entre liberdade (liberdade de expressão) e censura do estado (regulação, autoritarismo).
Venício Lima
Diante da feroz reação da grande mídia às propostas apresentadas (e àquelas que sequer foram apresentadas) no IV Congresso Extraordinário do Partido dos Trabalhadores, relativas a um Marco Regulatório para as Comunicações, escrevi no Observatório da Imprensa nº 658: A saída parece ser colocar imediatamente para o debate público um projeto de marco regulatório. (…) Diante de uma proposta concreta de regulação democrática – a exemplo do que acontece nos países civilizados – seus eternos opositores terão que mostrar objetivamente onde de fato está a defesa da censura e onde se postula o controle autoritário da mídia. Não há alternativa.
Menos de três meses depois, o fato de o Governo Dilma não haver ainda apresentado um projeto de Marco Regulatório, aliado à incapacidade dos “não-atores” [organizações da sociedade civil; entidades representativas da mídia pública (comunitária) e o próprio Ministério Público] de interferir efetivamente na definição da agenda pública e, mais do que isso, no enquadramento dos temas dessa agenda, vai aos poucos consolidando um falso cenário (“communication environment”) em relação ao que de fato está em jogo.
A grande mídia está vencendo a “batalha das idéias” e tem conseguido construir como significação dominante no espaço público que a sociedade brasileira estaria diante de uma disputa entre liberdade (liberdade de expressão) e censura do estado (regulação, autoritarismo).
Quem é contra a liberdade?
Na verdade esta é uma velha e conhecida tática utilizada por certos setores da sociedade brasileira. Escolhe-se um princípio sobre o qual existe amplo consenso e desloca-se a questão em disputa para seu campo de significação. Como em política, apoiar uma posição significa estar contra outras, é preciso identificar um adversário, no caso, os inimigos da liberdade. A quem se convenceria se ninguém defendesse a posição contrária? É necessário, portanto, que a grande mídia convença a maioria da população de que “alguém” é contra a liberdade – mesmo que nossa história política, em várias ocasiões, revele exatamente o inverso. Como a grande mídia (ainda) tem o poder de construir a agenda pública e enquadrá-la, repete exaustivamente a “inversão” até criar um ambiente falso no qual ela – a grande mídia – se apresenta como a grande defensora da liberdade. Resultado: se interdita a possibilidade de um debate racional do que de fato está em jogo.
Manuel Castells – um dos maiores estudiosos da comunicação nas “sociedades em rede” globalizadas – explica que o poder é exercido através da construção de significados na base dos discursos que orientam a ação dos atores sociais. E, claro, o significado é construído pelo processo de “ação comunicativa” na esfera pública, isto é, na rede (network) de comunicação, informação e pontos de vista [cf. “Communication Power”, Oxford, pbk. 2011].
Liberdade tem sido um dos termos mais problemáticos e difundidos do pensamento moderno, tanto na consciência popular quanto na conceituação de “experts”. Junto com outros termos como desenvolvimento e democracia, é parte da história da modernidade que tem dominado o pensamento ocidental pelos últimos três séculos. Durante a Guerra Fria, liberdade serviu como argumento central na disputa ideológica entre o ocidente e o oriente e, em parte, também contra o “Terceiro Mundo”. Com o fim da União Soviética, o uso ideológico da liberdade ganha novas dimensões e contornos [cf. K. Nordenstreng, “Myths about press freedom”, Brazilian Journalism Research, vol. 3, nº 1, 2007; p. 15 e segs.].
Censura vs. liberdade de expressão
Nesse contexto, não basta comprovar que a mídia é regulada nas democracias mais avançadas do mundo; não basta propor que as normas e princípios já constantes da Constituição de 88 sejam o “terreno comum” para as negociações (como fez o ex-ministro Franklin Martins recentemente em Porto Alegre); não basta mostrar que as mudanças tecnológicas exigem uma atualização da legislação; não basta reiterar compromissos com a Constituição Federal e com a liberdade de expressão. Nada é suficiente.

O vazio provocado pela ausência de propostas concretas do governo e a incapacidade dos “não-atores”, faz com que o campo de significações sobre o que constitui um Marco Regulatório das Comunicações esteja sob o controle daqueles que são contrários a ele.
Essa é a situação em que nos encontramos hoje.
O que fazer?
É possível alterar “o ambiente de comunicação” vigente e recolocar o debate em termos compatíveis com a convivência democrática entre opiniões e idéias divergentes?

Para os “não-atores” e os partidos políticos que agora se comprometem diretamente com essa bandeira, não existe outra forma senão pressionar o Governo para que torne público “um” Projeto de Lei e insistir, através de todos os recursos alternativos existentes – e aqui as novas TICs desempenham um papel fundamental – que um Marco Regulatório para as Comunicações significa, de fato, a garantia de que mais vozes se expressem no debate público, que haja mais participação, mais pluralidade, mais diversidade, isto é, mais – e não menos – liberdade.
É exatamente a possibilidade de ampliação da democracia que contraria os (ainda) poderosos interesses dos poucos grupos que, ao longo de nossa história, tem entendido, praticado e defendido a liberdade de expressão como se ela fosse somente sua e impedido que a voz da imensa maioria da população seja ouvida.

Regulação da mídia: de volta ao passado
Para muitos de nós que participamos dos movimentos civis a favor da democratização das comunicações antes mesmo do processo Constituinte, retornar aos temas anteriores à Constituição de 1988 tem um desconfortável sentimento de déjà vu.
Venício Lima
O ministro Paulo Bernardo, em audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTC&I) da Câmara dos Deputados, realizada no dia 6 de março de 2011, afirmou que o projeto para um marco regulatório das comunicações ”se centrará em modernizar a legislação defasada e regulamentar os artigos da Constituição que tratam da comunicação” [ver aqui matéria da Agência Câmara].
A lembrança da afirmação do ministro das Comunicações, oito meses atrás, vem a propósito de proposta que está sendo feita pelo ex-ministro da SECOM-PR, Franklin Martins. Em seminário promovido pela AJURIS, em Porto Alegre [3 de novembro] e no seminário do Partido dos Trabalhadores em São Paulo [25 de novembro], ele reiterou: “Podemos construir um terreno comum para o debate do marco regulatório das comunicações no Brasil: a Constituição Federal. Podemos assumir o compromisso de não aprovar nenhuma regra que fira a Constituição e de não deixar de cumprir nenhum preceito constitucional. Nada aquém, nem nada além da Constituição”
Celebrando a CF88 como portadora de princípios e normas que, por óbvio, deveriam já estar sendo cumpridos, se pensarmos em perspectiva histórica, não deixa de ser emblemático da situação em que nos encontramos que princípios e normas promulgados há mais de 23 anos e, na sua maioria, não regulados – sejam ainda objeto de proposta para se constituir “no terreno comum” para um marco regulatório das comunicações.
Não deveríamos estar hoje em outro patamar, tratando de regular as transformações tecnológicas e suas imensas implicações para o setor nas últimas décadas?
O tamanho do atraso
Quando do pronunciamento do Ministro Paulo Bernardo na CCTC&I, emartigo publicado no Observatório da Imprensa nº 637, comentei:“regulamentar os artigos da Constituição já seria um avanço importante (…) o atraso do Brasil no que se refere à regulação do setor de comunicações continua extraordinário. Tanto é verdade que apenas a regulação de normas e princípios que estão na Constituição há mais de vinte e dois anos já significaria um avanço importante”.
Não se pode esquecer que as normas e princípios que estão na CF88 foram resultado de um dificílimo embate entre os interesses em avançar na democratização do setor e aqueles que, àquela época e ainda hoje, defendem o status quo legal. Tanto isso é verdade que, na Constituinte, a Comissão onde estava o tema da comunicação foi a única que não chegou a ter um relatório final. Os acertos para a redação do capítulo V (do Título VIII) – Da Comunicação Social – foram feitos já no âmbito da comissão de sistematização.
Além disso, o que finalmente se conseguiu inscrever na CF88 em termos de avanço para a área, resultou de anos de articulação da sociedade civil em torno de bandeiras concretizadas através de Emendas Populares e pressão diuturna durante todo o processo constituinte. Nada veio de graça.
Existe “consenso” em torno da CF88?
A CF88 seria hoje aceita como um “terreno comum” pelos atores que tem sido determinantes na formulação das políticas públicas para o setor de comunicações?
O que tem acontecido em relação aos princípios e normas constitucionais nos últimos 23 anos?
(1) A maioria das normas e princípios referentes às comunicações que estão na CF88 não foram regulamentadas. A situação é tão grave que, desde novembro de 2010, está no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (AD0) pedindo que se declare “a omissão inconstitucional  do Congresso Nacional.
(2) O artigo 222 foi alterado em momento de crise dos grandes grupos de mídia para atender a seus interesses, isto é, permitir a entrada de capital estrangeiro em até 30% na propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão (EC n. 36/2002).
(3) Dispositivos regulamentados não são cumpridos. É o caso do artigo 224 que prevê a criação do Conselho de Comunicação Social como órgão auxiliar do Congresso Nacional, regulamentado por lei em 1991 e que não vem sendo cumprido há mais de cinco anos.
(4) Dispositivos regulamentados são considerados – pasme-se – “inconstitucionais”. O exemplo emblemático é a “classificação indicativa”.
O inciso I, do § 3 ao artigo 220, diz:
Compete à lei federal:
Regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Públicoinformar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendam, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada (grifo meu).
Além da CF88, a classificação indicativa se apóia no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), nas Portarias MJ nº 1.100/2006 [regulamenta a Classificação Indicativa de diversões públicas, especialmente obras audiovisuais destinadas a cinema, vídeo, DVD, jogos eletrônicos e de interpretação (RPG)] e nº 1.220/2007 e no Manual da Nova Classificação Indicativa – Portarias SNJ nº 8/2006 e SNJ nº 14/2009 [regulamentam as obras audiovisuais destinadas à televisão].
Apesar disso, o presidente do conselho editorial e vice-presidente das Organizações Globo afirma: “ao longo dos anos, legislações infraconstitucionais e até mesmo portarias ministeriais, ao vincular as faixas etárias a horários de exibição, tornam impositiva uma classificação que deveria ser indicativa. (…) É verdade que o Ministério da Justiça aceitou um sistema de autoclassificação. (…) os encarregados do Ministério da Justiça de aceitar a classificação de programas ou de reclassificá-los se julgam sabedores do que é ou não tolerado pela sociedade, dentro de um padrão estreito que em tudo faz lembrar a censura” CONAR, “Autorregulamentação e Liberdade de Expressão”; 2011; p. 48).
Já o diretor da Central Globo de Comunicação é mais direto. Afirma ele: “É uma grande ameaça à liberdade de expressão. O que foi feito é que deram um golpe ao se vincular classificação de idade com faixa horária”.
(5) Alguns dispositivos ainda não regulamentados são implacavelmente combatidos pelos grupos de mídia. Um exemplo é o § 5º do artigo 220 que reza “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.
Como se sabe, o caminho mais curto para a concentração da propriedade no setor é a “propriedade cruzada”. Sem a sua regulamentação, portanto, não haverá como impedir a continuidade da oligopolização e/ou da monopolização, características históricas do setor no nosso país. No entanto, a principal associação representativa dos concessionários de radiodifusão, a ABERT, considera que, em relação ao marco regulatório, “discutir (sic, discutir!) temas como propriedade cruzada, significaria um retrocesso” [cf. ABERT, Contribuições para o Seminário do PT; in Seminário “Por um novo Marco regulatório para as Comunicações: o PT convida ao debate”; Partido dos Trabalhadores, 25/11/2011].
Déjà vu
Para muitos de nós que participamos dos movimentos civis a favor da democratização das comunicações antes mesmo do processo Constituinte, retornar aos temas anteriores à Constituição de 1988 tem um desconfortável sentimento de déjà vu. Reaviva-se o clima de intolerância que caracterizou as disputas daquele período e que, infelizmente, tem caracterizado boa parte dos raros debates em torno da formulação de políticas públicas com a participação dos grupos privados de mídia, desde então. Lembre-se, por exemplo, a retirada da maioria dos grupos empresariais da comissão de organização da 1ª. CONFECOM, e o boicote e a satanização dela que se seguiram.
De qualquer maneira, se o “terreno comum” possível para a negociação democrática de um marco regulatório para as comunicações for a CF88, que assim seja.
O fundamental é que, a exemplo do que ocorre nas principais democracias contemporâneas, a sociedade brasileira também encontre seu caminho para a efetivação do direito à comunicação, vale dizer, da presença e da participação de mais vozes no espaço público brasileiro.

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