Posted by admin On dezembro - 30 - 2011

Marcelo Sena

Introdução:

Por mais de 30 anos de circulação, o jornal O Arquidiocesano foi o órgão oficial da Arquidiocese de Mariana e, através dele, é possível analisar posições da Igreja Católica em diversos contextos históricos nos quais o veículo está inserido. Este trabalho busca identificar alguns discursos políticos da instituição religiosa expressos no jornal O Arquidiocesano ao longo das décadas.

Primeiros anos de fundação:

De 1959 a 1964, as reformas propostas pelos ideais comunistas interferiam diretamente na sociedade, inclusive e neste caso principalmente, em instituições tradicionais e acostumadas a aliar-se às forças preponderantes do momento, como a igreja. À medida que se intensificavam as disputas da Guerra Fria, o mesmo acontecia com a política anticomunista do jornal.

Há, nas páginas d’O Arquidiocesano, clara oposição ao comunismo, além de intensa campanha pela moral, família e pela nação. Os comunistas, de acordo com as publicações, são tidos como “pragas” e divergem totalmente das propostas cristãs e democratas.

Dom Oscar de Oliveira foi o principal fundador do jornal e se responsabilizou pelo texto da primeira página por quase todos os anos de circulação. Em 1962, Dom Oscar assina o texto “Comunismo, pátria e religião”. O primeiro parágrafo deixa clara a posição da igreja em relação ao assunto:

“Jamais poderá a Igreja de Cristo transigir com o comunismo. Comunismo e cristianismo são dois pólos diametralmente opostos como trevas e luz, fogo e água. Daí o ódio comunista no cristianismo, seu firme e eterno adversário”.(Jornal O Arquidiocesano, edição 94 de 02 de julho de 1962)

Para ganhar credibilidade e motivar os leitores/fiéis na luta contra o comunismo, o jornal utiliza, além de padres e membros da arquidiocese de Mariana, comunicados do Vaticano, muitos assinados pelo papa. O discurso demonizava o comunismo, além de colocá-lo em oposição à família e aos homens “de bem”. O trecho abaixo faz parte de um comunicado supostamente escrito pelo Papa Pio XI e exemplifica a questão:

“Comunismo – Papa Pio XI”:

“Para o comunismo particularmente não existe vínculo algum que prenda a mulher à família e ao lar doméstico. Proclamando o princípio da emancipação da mulher afasta-a da vida doméstica e da assistência à prole, para levá-la à vida pública e às atividades coletivas, na mesma medida que o homem transmitindo para a coletividade o desvelo do lar e dos filhos…”  (Jornal O Arquidiocesano, edição 230, 09 de fevereiro de 1962, página 04)

A partir de 1963, o jornal disponibiliza também a série de charges “Atrás da cortina de ferro”. O jornal disponibilizava, sempre na penúltima página, uma charge com críticas e piadas ofensivas ao regime comunista.

O golpe de 1964:

As edições de maio de 1964 exaltam uma vitória na batalha contra o comunismo. O golpe militar é citado, inclusive, como “Revolução branca” e vitória dos “verdadeiros democratas”. Uma das manchetes da edição de 19 de abril de 1964 diz o seguinte: “E era nisso em que Jango não acreditava”. O texto explica que o presidente deposto pelo golpe, João Goulart, conhecido pelas políticas sociais e pela proposta de reforma agrária, não contava com o apoio divino na revolução armada de rosários.

Na mesma edição, outra extensa matéria sobre a revolução: “Brasil, de rosário na mão, derrotou a invasão comunista”. Neste texto, a Incruenta, como era conhecida a revolução militar, salvou o continente americano: “Uma vitória, sem sangue, de alcance continental, foi o que, com a arma pacífica do rosário na mão, alcançou a alma católica do Brasil”. (Jornal O Arquidiocesano, edição 239, 19 de abril de 1964, página 04). Os militares são homenageados como “leais e verdadeiros defensores da nação e da democracia” contra a ameaça vermelha.

A redemocratização:

Ao contrário do constatado na primeira década de existência do jornal O Arquidiocesano, o discurso anticomunista não está mais presente nas páginas do jornal. Aliás, assim como nos primeiros anos de circulação, o discurso presente n’O Arquidiocesano é condizente com o discurso predominante da época.

Ao invés da política anticomunista, é possível encontrar diversos textos, alguns de utilidade pública, sobre a mudança política que vivia o Brasil e sobre as fases desse processo. A revolução branca, sem sangue, agora é tratada como golpe militar ao qual o Brasil foi submetido por 21 anos. Há diversas publicações sobre a proposta de constituinte, em 1986 e 1987.

Enquanto na edição de 21 de abril de 1963, a manchete de capa do jornal criticava a proposta de reforma agrária, dizendo que causaria “a morte do homem do campo pelo terror”; o boletim da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) de 24 de agosto de 1986, presente na página 02 d’O Arquidiocesano, afirmava que a “reforma agrária não pode fracassar no Brasil”.

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