Posted by admin On novembro - 18 - 2010
Por Ana Beatriz Noronha

Sob o signo da diversidade literária e do diálogo entre autor e público, Ouro Preto mais uma vez sediou o Fórum das Letras promovido pela Universidade Federal de Ouro Preto e idealizado pela professora Guiomar de Grammont, de 11 a 15 de novembro. O Fórum propõe a interação entre os países de língua portuguesa da África com o Brasil e Portugal, em busca de trocas ideológicas, de experiências compartilhadas e vivências diversas. Simbolicamente, a criação do Fórum representa pensamentos e vontades que convergem para amplitude das sensações humanas e dos horizontes de vida de escritores, convidados e  público participante.

Neste meio repleto de ânsias que almejam ser compartilhadas, pelo contato com o outro, pelo conhecimento e suas trocas, pelo mundo em que se vive e se pensa, o olhar do lado de lá dos parâmetros acadêmicos, dos títulos e nomes conhecidos, muito embora não possua certos signos estereotipados de importância no universo literário, traz em si os mesmo anseios e talvez outros e diversos de importância fundamental para acrescentar posicionamentos nos diálogos desenvolvidos.

Só o que separa público dos escritores, mediadores e professores são as fronteiras do poder investido na palavra, muitas vezes captado como de maior e mais força quando disseminado por rostos e nomes já conhecidos; Mas há que se pensar e não esquecer, que o olhar do outro a observar do lado de fora do palco que abriga escritores e convidados não está em distância, mas em diálogo! E, pela sua posição, é muito possível que não apenas olhe, mas veja o que o olhar de lá, muitas vezes viciado e enviesado, apaga em inconsciente cegueira.

A tarde de sábado(13 de novembro) foi palco e cena da mesa intitulada “Literatura, Identidade, Verdade”, mediada pela jornalista Leda Nagle, em conversa com os convidados do dia – Adélia Prado, escritora e Edney Silvestre, jornalista.  Tanto o nome proposto para o debate na mesa, quanto mediadora e convidados, incitavam boas expectativas para o que seria visto e ouvido nas conversas ali desenvolvidas. A mídia ali representada na figura de dois de seus importantes expoentes; a jornalista Leda Nagle que a mais de 10 anos apresenta o programa Sem Censura, da TV Brasil; e o jornalista Ediney Silvestre, conhecido pela atuação como correspondente e repórter na rede Globo, pelo seu histórico cronológico de atuação, poderia inegavelmente ter se envolvido na mesa com um olhar mais aberto e menos, bem menos enviesado.

Com a objetividade, não seca e camuflada, mas no sentido da dinamicidade e criatividade nas perguntas e tentativas de conversas; e mesmo práticas e reflexões que fugissem do óbvio eficiente; ou dos clichês do velho jornalismo questionado e (des)praticado pelas mídias alternativas, pela literatura de resistência e pelos pensadores e teóricos e jornalistas dispostos ao novo. Uma pena para toda a proposta do discurso de “Literatura, Identidade, Verdade”, que ficou aquém a mesmice da lógica de pensamentos e falas dos jornalistas presentes. Tentou-se ali questionar a escritora Adélia Prado, já colocando-a no papel de uma resignada escritora católica, ou como ela mesma disse que preconceituosamente costumavam chamá-la, pacata escritora mineira.

A grande ironia e absoluta infelicidade para tudo que vem se pensando na busca do outro olhar no jornalismo, nas alternativas formas deste fazer jornalístico, é que tão renomados profissionais deixaram um tanto quanto a desejar quando em questionamentos como Mas você é católica, vai na Igreja? Ou …Mas o que é que se faz quando não se acredita nesse Deus? Não percebiam a pobreza no sentido lingüístico e de idéias com que direcionavam a conversa.

Os jornalistas protagonizavam um enunciado simplista, que os jogava irremediavelmente no abismo cego da intolerância que tanto criticavam.  Sem perceber que a figura que tentavam criar não era a mesma que ali na frente era interrogada, pelo mesmo signo do olhar enviesado em que insistiam em enquadrar perderam-se em reproduções fracas que os engolia e direcionavam suas abordagens.

A palavra alteridade despontou como fonte de diálogos e reflexões, suporte e caminho para que a programação se orientasse em algumas de suas mesas. Para além dos discursos acadêmicos, em alguns momentos camuflados em enunciados mais objetivos e descolados na maneira de se expressar em trejeitos e vocábulos; permeando as estruturas de fala dos belos discursos pró-diversidade, é possível se alimentar deste próprio universo do evento para não lançar toda a reflexão apenas e inconseqüentemente para o mundo fora de seus muros, mas entender todas as instituições sociais e seus mecanismos como continuação deste microcosmo do Fórum das Letras.  É tão simples quanto a colocação da escritora Adélia Prado, “não existe transcendência que não passe pela cozinha e pelo banheiro”.

O olhar para dentro de si, nesta simbólica autofagia de pensamentos, pode e, saudavelmente, deve ocorrer para que este encontro se questione constantemente, continuando a se aprimorar e fazendo jus as trocas, contatos e experiências que promove. Assim, evita-se ou ao menos se percebe a possibilidade da existência do tolo risco de perder-se em suas próprias pernas que, naturalmente como em todas as criações e instituições humanas, sustentam-se, sem perceber, em suas falhas.

Leave a Reply