Posted by admin On novembro - 17 - 2010

O que é o jornalismo literário e como esta vertente se aplica na feitura de perfis são as duas questões centrais apresentadas no último dia do Ciclo Bravo! de Jornalismo e Literatura. O Ciclo se encerrou no dia 15 de Novembro, segunda-feira, com a mesa intitulada “A construção de Perfis no Jornalismo”, que teve a participação de João Moreira Salles, editor da revista Piauí e Ubiratan Brasil, editor assistente do caderno 2 e crítico literário do jornal O Estado de São Paulo. A mediação ficou por conta de Marta Maia, professora do curso de Jornalismo da UFOP e doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.

As relações entre jornalismo e literatura começam a ser comentadas por Ubiratan Brasil, que discorre sobre a produção de perfis, prática jornalística que se liga a corrente literária: pode-se fazer um perfil de coisas, pessoas, desastres, mas o mais importante é estar atento aos detalhes, ao que revela um traço de personalidade daquilo que se pretende perfilar. Para isso, a prática da observação se coloca em primeiro plano juntamente ao interesse pelo objeto que vai ser descrito. Não se pode correr o risco de perder as expressões, os detalhes.

“Existe o bom e o mau jornalismo”, inicia João Moreira Salles ao falar da aura que o jornalismo pretende apropriar da literatura para firmar um texto esteticamente superior. Bom ou mau texto jornalístico: independentemente da vertente jornalística que se emprega no texto – literário ou o que segue os modelos da pirâmide invertida – pode-se enquadrar em uma destas duas variáveis. Nega, portanto, a superioridade do jornalismo literário.

Toda prática jornalística está inserida em um modelo de produção em que o tempo é o fator crucial. Esta é a primeira condição para que o jornalismo se realize: João Moreira Salles adverte que o Brasil não possibilita a prática do jornalismo literário nos seus suplementos diários, semanais ou, até mesmo, os mensais. Somente tempo generoso, introspecção, convivência podem gerar um texto de perfil interessante, que revele as experiências, as peculiaridades da pessoa ou objeto. Assim, surge novamente o ponto crucial na construção da narrativa: a observação minuciosa no detalhe, naquilo que de tão aparentemente ínfimo ou banal chama atenção por sua distinção – tal qual o averiguador de esculturas que distingue obras aparentemente idênticas pela modelagem das mesmas.

Ainda que haja nesta abordagem um implícito e mal delineado campo de experiência a se conquistar para atingir o grau de atenção necessário para mapear o cardápio de detalhes oferecido pelo outro, se a mesa terminasse neste pé não teríamos mais que uma bela receita de bolo do caminho a ser traçado para a elaboração de um bom texto jornalístico. Mas João Moreira Salles alerta em tom irônico (antes que a platéia possa tropeçar na armadilha de uma apressada conclusão), que também não basta se debruçar em modismos na crença de que isso garanta uma narrativa soberba. Detalhar demais pode ser tão tolo quanto almejar uma frieza absoluta.

A questão de fundo que se entrelaça com a anterior não é nada menos que o nó górdio do campo jornalístico: a entrevista. Cabe então mergulhar mais profundamente no cerne desta instância primorosa, nas nuances de um possível encontro dialógico entre entrevistador/entrevistado. Ubiratan Brasil alerta que o gravador muitas vezes pode ser um alento para que não se dê atenção ao entrevistado, na segurança de que as falas registradas – e fixadas – no dispositivo poderão ser acessadas quantas vezes forem necessárias. Assim, propõe um teste aplicado a si mesmo: que se abandonem os pilares de sustentação, abraçando todas as incertezas e riscos do choque com o real. João Salles complementa, assinalando a dimensão por vezes erótica depositada em cada interação social. Para o documentarista de trabalhos consagrados por personagens notáveis (como o Presidente Lula a poucos dias da eleição ou mesmo Santiago, o mordomo da família Salles por décadas), o jogo representacional intrínseco a entrevista deve ser experimentado por ambas as partes, seja na busca por relevância, credibilidade ou mesmo conquista afetiva. Entrevistado e entrevistador vivem um embate duro, uma tensão descontrolada, mas que pode mesmo ser fundadora. Para o entrevistador, a dica é que se aprendam as técnicas, mas que elas não sejam maquinalmente expostas durante o embate – fazer isto é correr o risco de ser nocauteado antes do soar do gongo.

A mesa da manhã de segunda-feira se encerra então com uma inquietação digna da conflituosa relação existente entre jornalismo e literatura: construir bons perfis no Jornalismo é cair de cabeça no outro, e, quiçá, também se descobrir nele.

Lorena R. P. Caminhas

Thales Vilela Lelo

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