Posted by admin On agosto - 18 - 2016

Pastiche da capa do clássico musical demonstra o humor ácido da publicação

Por Mariana Viana e Júlia Rocha

Antes mesmo de Michel Temer assumir como presidente interino, a lista de seus possíveis ministros já era veiculada nos principais noticiários, mas foi oficialmente divulgada somente em 12 de maio, dia da votação do impeachment no Senado. Neste mesmo mês, Temer aparece coroado e nu na capa da revista de jornalismo literário, piauí. Conhecida pelo humor ácido, de preferência envolvendo temas políticos, a revista se inspira na americana New Yorker para compor os desenhos que tradicionalmente figuram em suas capas.

Para ironizar a escolha de ministros de Temer, devido ao fato de sete serem citados na Operação Lava Jato e a falta de mulheres ocupando os cargos, a revista retoma um clássico musical brasileiro: a capa do disco Tropicália ou Panis et Circenses, de 1968. Se em uma pode-se ver Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso e os Mutantes, no pastiche da capa de junho Temer, José Serra, Romero Jucá e Gilberto Kassab são os personagens. Trazer o conservadorismo do novo governo para o contexto cultural inovador  do movimento tropicalista é um tanto curioso, porém extremamente crítico e mostra o contraste entre os dois mundos.

Em referência clara às atividades ilícitas e questões pessoais dos ministros, a ilustradora russa Nadia Khuzina, reconstrói o cenário da capa. A começar por Temer, que figura o “personagem” de Gilberto Gil na arte original. Ambos seguram um quadro, o de Gil com a imagem de outro tropicalista, José Carlos Capinam, e o de Temer com o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, figura importante no processo de impeachment de Dilma e aliado de Temer.

Já José Serra representa Rogério Duprat na capa de Tropicália segurando um penico. O objeto é mantido em referência ao conservadorismo que a capa original tentava utilizar como contraste, segundo analistas da imagem. Serra, um velho representante da conservadora política brasileira e principalmente paulista, é o ministro das Relações Exteriores de Temer.

A imagem que compõe a capa de Tropicália possui apenas duas mulheres: Rita Lee e Gal Costa. Como Temer não possui mulheres em seu ministério, uma crítica à essa exclusão é feita a partir da substituição de Gal por uma boneca inflável que cobre a genitália. Esta pode representar diversas questões aliadas à cultura machista brasileira e do novo governo: uma mulher que não possui voz, é vista como objeto de desejo, além de ser bela, recata e do lar (porque não fala, não apresenta objeções, é inanimada). Por sua vez, Rita Lee é substituída por Gilberto Kassab, ex-prefeito e São Paulo e agora ministro de Ciência e Tecnologia e Comunicações. Deve-se lembrar que a substituição pode ter sido feita pois Kassab substitui Emília Maria Silva Ribeiro Curi, ex-ministra de Ciência e Tecnologia de Dilma.

Caetano Veloso, que tem em mãos um quadro de Nara Leão, é substituído por Moreira Franco, secretário de governo de Temer (e ex-membro do PDS, partido que sustentava a ditadura militar), segurando a imagem do pato da Funesp em vez da imagem de Nara. O pato é um símbolo das manifestações pró-impeachment realizadas pelos oposicionistas de Dilma durante 2015 e parte de 2016. Ao lado de Caetano, Sérgio Dias, do grupo Os Mutantes, empunha um contrabaixo. Em seu lugar na releitura, o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira, que segura um estandarte ao estilo medieval (que conota retrocesso e conservadorismo) com o dizer “ordem”. Outro membro d’Os Mutantes, Arnaldo Baptista, levanta sua guitarra. Seu representante na capa da piauí é Eliseu Padilha, ministro chefe da Casa Civil, que segura a faixa de “progresso”. Deve-se lembrar que “ordem e progresso” além de figurar a bandeira nacional, foi escolhido por Michelzinho, filho de Temer, como slogan do governo do pai. O discurso nacionalista, positivista e até conservador vem sendo retomado nos últimos meses.

Torquato Neto, poeta e letrista, está ao lado de Nara. Seu homônimo é Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, favorito do mercado financeiro e escolhido também por possuir maior popularidade e confiabilidade com o mercado que o presidente interino, mas propões diminuir verba para ações sociais, reformar a previdência e reduzir, ao máximo, os gastos públicos.

Também é notável a presença de Tom Zé, que agarra uma mala na capa de Tropicália. Romero Jucá, ex-ministro do planejamento, é o representante do músico na piauí de junho e provavelmente foi escolhido devido à presença da mala na imagem original, que remete ao envolvimento em esquemas de corrupção que provocou sua exoneração do cargo.

   

 

 

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