Posted by admin On junho - 8 - 2015

Por Letícia Afonso e Rafael Melo

Uma onda de manifestações em diversas cidades brasileiras vem recebendo enorme destaque no cenário da grande mídia. Após a eleição presidencial de 2014 essas manifestações assumiram um caráter um tanto polarizador e, às vezes, contraditório na perspectiva que desencadeia o processo de redemocratização da história política do Brasil com o fim da ditadura militar em 1988.

No auge dessas manifestações, em junho de 2013, a organização de protestos pacíficos foi alvo de repercussões que, a princípio, mantiveram uma abordagem negativa e tendenciosa em muitas coberturas jornalísticas. A resposta dos cidadãos contra o aumento abusivo na tarifa do transporte público ganhou enquadramentos e veiculações endossados por rumores de uma posição partidária conservadora e, sobretudo, fragilizada.

Protesto contra o aumento nas tarifas do transporte público em São Paulo, janeiro de 2015.

Ainda em 2013, na cidade de Ouro Preto, o movimento reuniu cerca de 4 mil pessoas, a maioria jovens e estudantes, que manifestaram pacificamente com cartazes, gritando palavras de ordem, comparando-se a tentativa de buscar uma ressignificação para o que foram as “caras pintadas”, do movimento estudantil de 1992 no governo Collor de Melo. A mobilização aconteceu no centro da cidade e também abrangia reivindicações apartidárias em sua pauta, mas tinha como base a luta contra o aumento da tarifa de ônibus que alimenta um percentual generoso no lucro descabido das empresas responsáveis pelo transporte público.

Entretanto, para refletir um pouco sobre essa relação de visibilidade das manifestações diante da influência da mídia e do poder exercido pelo Estado, podemos reavaliar o sentido dessas mobilizações junto à internet como ferramenta essencial para organizar e difundir as reivindicações frente aos interesses da imprensa e políticos. A repressão e censura nas manifestações ocorridas atualmente, e em 2013, seguem do lado de um jornalismo que não se mostra a serviço da cidadania, o que pode, até mesmo, intensificar e colaborar com a postura truculenta de policiais que já usaram spray de pimenta, agressões físicas e bombas de efeito moral para conter os movimentos, agredindo até jornalistas em meio a sua atividade profissional durante os protestos.

No entanto, a legitimidade das manifestações organizadas de modo pacífico no ambiente virtual pode ser analisada com mais profundidade dentro dos jogos e disputas nas relações sociais. Surge desse contexto o campo que também reafirma os interesses dos movimentos considerados minorias na luta por direitos civis, como o feminismo, as causas LGBT (Lésbicas, gays, bissexuais e travestis), as lutas raciais dos negros e os movimentos antibelicistas que atuam como uma força de identidade fragmentada, mas ao mesmo tempo conjunta, contra as determinações de uma sociedade heteronormativa e do Estado conservador.

Cerca de 200 pessoas se manifestaram contra a permanência do deputado federal pastor Marco Feliciano (PSC-SP) como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minoria (CDHM) da Câmara no dia 16 de março de 2013.

Para a construção de um desenrolar mais detalhado sobre o assunto é essencial recordar o conceito de “potência” simplificado pelas palavras do filósofo húngaro Peter Pál Pelbart: “cada indivíduo poderia ser definido por um grau de potência singular e, por conseguinte, por um certo poder de afetar e ser afetado”.  Os encontros das relações sociais por meio da internet também ativam essa gama de potência dos indivíduos e, por consequência, dos grupos considerados minorias que prezam pelo engajamento social na redução das desigualdades, por uma reforma política, por mais políticas públicas sem corrupção.

Desse modo, é possível problematizar essa potência dos protestos como um todo que, por ventura, venha significar um tipo de contrapoder, estruturado pelos afetos e ideais de valores humanos e do bem estar comum. Torna-se pertinente a denominação contrapoder devido à necessidade de se contrapor à normatização burocrática e ao exercício de autoridade imposto pelo Estado, com a ajuda da imprensa, em meio à ausência políticas públicas democráticas na área da comunicação que se entrelaçam à prática do jornalismo.

É nessas circunstâncias delicadas do lugar do povo, do anonimato e da autoridade abstrata concedida ao Estado, que os heróis das forças armadas são convocados para defender interesses quase sempre conservadores. Um exemplo eficaz é o registro do documentário “Fragmentos de Uma Revolução” que mostra a opressão dos militares contra as manifestações dos eleitores de Mussavi, no Irã em 2009, reprimindo até mesmo a cobertura da imprensa, convocada pelos integrantes do movimento político de oposição. A liberdade de expressão foi infringida e silenciada pela influência governamental nos moldes econômicos da iniciativa privada, especificamente das empresas de comunicação, rastreando e impedindo a organização dos manifestantes na web com represálias violentas. Por fim, o candidato Mahmoud Ahmadinejad conquistou sua reeleição forjada, mesmo sendo acusado de fraudar a vitória.

A comparação do Brasil com o Irã, um país do Oriente Médio, chega a ser meio desproporcional. Contudo, a análise de fatores que envolvem a representação da imprensa na grande mídia atravessa a fronteira de um declínio potencializado pelo ambiente virtual não somente no que diz respeito as manifestação, mas também sobre a força de atuação do Estado justificada pelos dispositivos de controle da ordem social que, em contrapartida, podem favorecer mecanismos de vigilância e punição contra a liberdade de expressão.

O imediatismo do real-time na cultura pós moderna, a interação contínua em redes sociais, o surgimento de blogs e veículos de comunicação independentes espalhados pela rede promovem um despertar crítico do senso comum e modificam a relação do público com os canais de comunicação tradicional. Com isso, os critérios de credibilidade da notícia enfrentam, atualmente, uma série de questionamentos e adquirem uma certa transparência que deprecia a tendência de manipuladora  dos meios de comunicação de massa junto aos interesses políticos, econômicos e sociais.

Referência:

PELBART, Peter Pál. Da Claustrofobia Contemporânea: sobre o fim da exterioridade no capitalismo tardio. In A vertigem por um fio: políticas da subjetividade contemporânea.

 

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