Posted by admin On janeiro - 9 - 2014

Anna Clara Antoun e Kaio Barreto

 A partir da leitura de trabalhos como “Enquadramento e metodologia de crítica de mídia”, de Danilo Rothberg, foi proposta uma análise acerca do enquadramento que a Revista Época tem dado para a temática chamada aqui de Drogas e Seus Desdobramentos.

Para tanto, alisamos cinco edições da Revista Época (561, 630, 654, 690 e 698) para traçar uma linha de raciocínio sobre a posição e angulação da revista para as abordagens. Vale ressaltar aspectos como a linha editorial do veículo de comunicação em questão.

Na seção “Nossas Crenças”, localizada na página da internet da revista há uma colocação que diz “Acreditamos que a transparência é a melhor defesa contra a corrupção e a ineficiência”. Nos princípios editoriais das Organizações Globo vemos e excerto abaixo:

 Desde 1925, quando O Globo foi fundado por Irineu Marinho, as empresas jornalísticas das Organizações Glob comandadas por quase oito décadas por Roberto Marinho, agem de acordo com princípios que as conduziram a posições de grande sucesso: o êxito é decorrência direta do bom jornalismo que praticam. Certamente houve erros, mas a posição de sucesso em que se encontram hoje mostra que os acertos foram em maior número. Tais princípios foram praticados por gerações e gerações de maneira intuitiva, sem que estivessem formalizados ordenadamente num código. (Princípios Editoriais das Organizações Globo, 2011).

As Organizações Globo fortaleceram-se durante o Regime Militar no Brasil, tornando este um fato marcante e negativo em sua história. A empresa parece agora querer afastar-se do fantasma de sua postura pró-ditadura e por conta disso ainda padece do medo de explorar de maneira menos neutra o que vemos claramente refletida em algumas das chamadas de capa analisadas. Um exemplo disso é a presença quase que constante de interrogações, ao invés de afirmações nessas chamadas. Tal angulação da temática analisada se deve também ao perfil de leitores – assinantes são 90% – da Época: em sua maioria são mulheres acima dos 45 anos que pertencem às classes A e B. Isso explicaria, talvez, o direcionamento mais pautado no debate do que na defesa de um dos “lados” das reportagens.

 Chegou a hora da legalização?

A capa da Revista Época 561 revela o que parece ser uma tentativa um tanto quanto frustrada no que diz respeito a expor o conteúdo e chamar a atenção por meio de pequenos tópicos sobre a matéria que estampa a edição.A utilização das cores da bandeira do país (verde e amarelo) delimita que o tema da legalização é pauta de cunho importante no país. As poucas palavras na chamada de capa elucidam o que pode ser uma estratégia de não fornecer corda para a própria forca, já que a revista serve aos princípios editoriais das Organizações Globo que, por sua vez, prioriza por manter-se neutra frente aos tabus sociais. Tal estratégia pode explicar uma chamada de capa sem grandes pretensões e debates mais calorosos acerca de seu conteúdo.

Já a matéria na íntegra dá mais liberdade para a exploração de um possível fracasso em relação à política de prevenção, bem como é perceptível uma maior leveza nas críticas em relação à descriminalização do uso da maconha. Por meio de falas de especialistas renomados, como o ex-presidente FHC, a Época se mostra mais interessada em evidenciar o fracasso da atual política de combate aos efeitos sociais do uso da substância. Isso justifica-se também pela matéria ser veiculada na editoria “Sociedade”, trabalhando mais em cima dos problemas sociais causados pela política atual de combate à maconha.

Drogas: mantenha seus filhos longe dela!

Veiculada na editoria “Saúde & Bem Estar”, a edição 630 promete iluminar a cabeça dos leitores – muitos deles pais – sobre a melhor maneira de prevenir ou livrar os filhos das drogas. Se na edição 561 os elementos da capa demonstram certa leveza, na edição analisada agora ela deixa claro o poder devastador do uso de drogas. O fundo preto, a fotografia impactante, o título que coloca a palavra “drogas” em vermelho e o subtítulo dizem claramente que o assunto é sério. Além disso, deixam claro que pode ser encontrada ali a salvação em uma espécie de manual anti-drogas.

Por falar sobre drogas consideradas mais fortes – cocaína, ácido lisérgico, ecstasy, crack , entre outras – e destruidoras que a maconha da edição analisada anteriormente, a publicação se preocupa em por em xeque o despreparo das famílias em combater o uso de entorpecentes dentro de casa. Acaba, por fim, alertando para a falta de informação e exagero do que pode ser um usuário “consciente”. É como se a revista quisesse fisgar os pais leitores pela imagem impactante da capa, para dizer-lhes o quão errônea pode estar sendo a abordagem por eles mesmos, aos seus filhos.

 Yes, we can!

A edição 654 estampa na sua capa um fundo preto com o logo do BOPE e coloca a seguinte frase em destaque: ‘’Vamos vencer o tráfico’’. Esta edição aborda a ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e explica como esta operação foi realizada pelos policiais.

Apesar de saber que esta é uma luta que precisaria de muita persistência e que a polícia ainda enfrentaria muitos desafios, a revista se coloca bastante otimista em relação a operação.

Numa tentativa de abrandar essa situação vivida no Rio de Janeiro e em todo o país, a revista aponta outros dois países que também sofrem com o tráfico de drogas e de armas: México e Colômbia. Estes, lideram os rankings de violência e já fizeram inúmeras tentativas de combate ao tráfico, sem sucesso.

Porém, a revista critica o falho sistema penitenciário do Brasil, permitindo aos traficantes presos, o comando das favelas de dentro do presídio, como foi o caso de Marcinho VP. Neste momento, a revista aponta o erro e afirma que a garantia de isolamento num sistema penitenciário federal eficiente poderia ter evitado o pânico da população carioca. O que de fato seria uma solução, se a mafia dos presídios não fosse tão forte e influente.

Veja aqui citações que resumem as angulações de cada edição.

Na matéria, há certo destaque para as UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora), colocando nessas, a esperança de uma possível vitória contra o tráfico e até a retomada dos territórios dominados pelos traficantes. A revista inclusive diz ‘’Se tiver sucesso [a operação], o Rio poderá se tornar um exemplo para o Brasil e para todo o mundo.’’ Em contrapartida, sabemos que a ocupação não obteve tantos resultados a longo prazo. Os bandidos se organizaram em novas bases, agora mais modestas e discretas, instalando seus Q.G.s em locais sem UPP. Os soldados do tráfico passaram a circular no Alemão em grupos de cinco ou seis, e não mais às dezenas. Agora, há bocas de fumo nos becos e vielas, e não mais à vista de todos. E para ajudar essa camuflagem, vários policiais das Unidades Pacificadoras participam do esquemas de propina.

Reabilitação à força: o governo está certo?

“Autoridades querem tirar os viciados das ruas para tratá-los na marra. ÉPOCA foi ver de perto se isso resolve – e se pode aliviar a dor das famílias.” É com esse texto que a edição 690 pretende discorrer sobre a forma que as autoridades haviam lançado mão para combater o crack e limpar as zonas dominadas pelo uso e venda da droga. Não diferente das últimas duas edições analisadas, a revista utiliza-se de fundo preto e apela para o vermelho, chamando atenção para o perigo do consumo e eficácia – ou falha – dos governos em internar seus dependentes. A abordagem, por ser mais especificar uma ação do governo, é a que mais usa de recursos para levar ao debate sobre essa questão. São infográficos, falas de especialistas e personagens que vivem – ou viveram – no mundo do consumo de crack. Tanto utiliza desses recursos, que algumas vezes pode deixar o leitor confuso e desinteressado em continuar a leitura. Em resumo, a matéria disserta acerca da eficácia, ou não, da internação compulsória dos viciados no entorpecente. Trata-se de um tema social erroneamente locado na editoria “Saúde & Bem Estar”, por ultrapassar e muito a esfera familiar.

Em suma, nota-se aqui o quão presente na angulação de uma matéria são fatores de interesse como os da empresa-veículo que a publicam. Além disso, percebemos o quanto os elementos gráficos e texto (sobretudo título)pauta auxiliam não só para chamar a atenção do leitor, mas também para elucidar o enquadramento dado pelo produtor midiático ao determinado assunto apresentado. Uma discussão mais aprofundada nos levaria a refletir sobre outros elementos que influenciam direta e indiretamente no enquadramento que se dá a uma publicação. Basta, aqui, reconhecermos que a análise crítica feita das cinco edições da Revista Época, que começou com um certo “pé-atrás” por ser um veículo ligado aos princípios editoriais da Editora Globo, concluiu ser comum uma busca por um posicionamento mais apartidário em suas publicações. O trecho abaixo, extraído do trabalho-base para essa análise, representa bem este panorama.

Enfim, o enquadramento temático envolve pluralismo e equilíbrio, que podem então ser considerados como elementos capazes de conduzir à superação da fragmentação, superficialidade e tendência ao entretenimento contidos nos enquadramentos de conflito etc. O pluralismo corresponde a um tratamento compreensivo de causas, conseqüências e da diversidade de fatores que concretamente influenciam a definição e a implementação de políticas públicas. Fatos e acontecimentos complexos e relevantes devem ser noticiados de maneira abrangente, verificando-se seus antecedentes e implicações, relações historicamente constituídas etc. Eleições merecem enfoque sobre a política como instrumento de negociação democrática, de arbitragem entre interesses conflitantes. (ROTHBERG, Danilo. Enquadramento e metodologia crítica da mídia. 2007, p. 6)

Em terra de tráfico, o chefe é rei – até de dentro da cadeia.

Na edição 698, a revista ÉPOCA revela os novos chefes do tráfico Brasileiro. A matéria aponta alguns números alarmantes sobre a quantidade de droga que entra no Brasil atualmente e descreve a rota, a quadrilha e o endereço das propriedade do traficante Luís Carlos da Rocha, conhecido como Cabeça Branca.

No decorrer da matéria, a revista vai mapeando os passos de Cabeça Branca desde 2001, revela o nome dos seus aliados e mostra como eles ainda comandavam o tráfico dentro da cadeia. A época aponta os esforços da Polícia Federal, que nunca deixou de monitorar a quadrilha de Cabeça Branca. Mas até hoje, nunca conseguiram colocar a mão no grande chefe.

A deixa o seu posicionamento bem claro no fim da matéria, quando acusa os governos Lula e Dilma de negligência. Segundo a ÉPOCA, o governo Dilma havia reduzido, em 2011, 28% da verba do Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades da Polícia Federal (Funapol), o que prejudica as operações especiais de combate ao tráfico.

 Quando falamos em pluralidade, falamos do que deveria ser uma angulação “livre” desde a sugestão de pauta até o momento de sua publicação. No caso das edições analisadas, a Época se propõe a fornecer dados e histórias de personagens em uma tentativa de mostrar-se alheia a um raciocínio que exponha interesses pessoais ou corporativos – dentre os quais a linha editorial e perfil de leitores exerce enorme influência. Todavia, acreditar que o jornalismo seja imparcial em sua plenitude é, em nossa opinião, um ideal romântico que deve ser abandonado pelos profissionais. Para isso mesmo essa pluralidade ocorre: para que não sejamos pegos em nossa própria perspectiva de mundo e possamos buscar exercer um jornalismo mais inteligente.

Abaixo, confira as palavras mais recorrentes e citadas nas cinco matérias analisadas:

 

Referências:

MEDINA, Cremilda. Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial. 6ª ed, Summus Editorial, 1998.

ROTHBERG, Danilo. Enquadramento e metodologia crítica da mídia. V SBPJor. 2007. Disponível em: <http://goo.gl/lgQgTB>. Acesso em 25 nov 2013.

Princípios Editoriais das Organizações Globo. Rio de Janeiro, 6 de agosto de 2011. Disponível em: <http://goo.gl/BDEIvP>. Acesso em 24 nov 2013.

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