Fausto Salvadori, o homem que revelou ao mundo o caso Geisy Arruda, fala sobre jornalismo em tempos de internet.

–"O que eu mais sinto falta no jornalismo de blog, é apuração."

Jornalismo Real e Virtual em Tempos Instáveis

Fausto e InriFausto Salvadori, 32 anos, é jornalista freelancer de São Paulo. Começou na atividade jornalística em 1999, ao se formar em jornalismo na UNESP, trabalhando em sites da Internet na primeira grande bolha da Web, e depois passou por diversos jornais, assessoria de imprensa de órgãos institucionais e hoje é freelancer de diversas revistas do grupo Abril e Globo. Também publica o blog Boteco Sujo, se definindo como um blogueiro sujo, aonde publica matérias sobre a indústria de quadrinhos e pornografia. O blog ganhou notoriedade em 2009 ao revelar o caso Geisy da Uniban, sobre uma menina que teve que ser resgatada da faculdade por portar um vestido curto, e também noticiar a demissão da psicanalista Maria Rita Kehl do quadro de colunistas do Estadão motivados por motivos políticos.

Fausto, conte-nos um pouco sobre você e como você começou a trabalhar com Jornalismo?

Meu nome é Fausto Salvadori Filho, tenho 32 anos e sou natural de uma cidade da divisa de São Paulo com Minas Gerais chamada São José do Rio Pardo. Em 1999 me formei em Jornalismo pela UNESP de Araraquara, começando a trabalhar, e em 2000 eu fui para São Paulo trabalhar em uma empresa de jornalismo na web. Era uma época que era muito fácil para os recém formados arrumarem empregos em empresas de Web, a imprensa vivia sua primeira ilusão com a Internet. Em toda a esquina surgia uma empresa, um site que achava que ia conseguir ter lucros só com matérias online. Milhares de site surgiram. Inclusive, jornalistas reconhecidos no mercado profissional largavam empregos estáveis em grandes veículos, como Veja e Estado de São Paulo, para poder ir até 10 vezes mais na Web. Não durou muito esta fase, e hoje grandes grupos têm grandes dívidas, como é o caso do investimento do grupo Folha de São Paulo no portal UOL. Depois disso trabalhei no jornal Agora de São Paulo, como repórter policial no A Madrugada, com a comunicação interna da Câmara Municipal de São Paulo, fiz freelancer para várias revistas, e agora escrevo matérias para diversas revistas dos grupos Abril e Globo, como Trip, Galileu, Vice e outras.

Como é o ambiente de trabalho nos grandes jornais e revistas?

Hoje em dia eu não trabalho mais em redações. No meu trabalho de freelancer, eu recebo as pautas via email, e converso com os meus editores via serviços de mensagens instantâneas.

O ambiente de um jornal diário é um ambiente muito carregado, mas ao mesmo tempo muito estimulante. Você vive lutando contra o tempo, aprende a trabalhar sobre pressão, a fechar textos rápidos, conhece todo o tipo de gente. Eu costumo dizer que é o melhor lugar para se aprender o jornalismo.

Mas também são ambientes muito pouco democráticos. Aonde o repórter não pode discutir seu ponto de vista sobre os assuntos com os chefes e colegas. As ordens são comuns vir de instâncias acima da redação. Dificilmente o repórter conseguirá contrariar as vontades de seus chefes.

O ambiente de redação no Brasil é muito totalitário. Outros países as decisões são repartidas, como no caso El País da Espanha. Os ambientes [daqui] parecem uma Monarquia elitista, aonde é o proprietário decide o que vai ser publicado.

Qual a sua avaliação da cobertura dos grandes veículos da imprensa nas últimas eleições presidenciais?

De maneira geral ficou bastante claro que os principais veículos de comunicação tomaram um lado na eleição. O Estadão apoiou abertamente o candidato Serra em editorial. Outros veladamente como é o caso da Folha de São Paulo

O que mais me incomoda no jornalismo brasileiro atual, é que cada vez mais ele tende ir ao caminho do jornalismo de gueto.  Parece sempre que o que você tem é uma visão ideológica que vai pra um ou outro lado. O jornal sempre esta de um lado do espectro ideológico. Exemplo, se o MST invade uma fazenda, eu nem preciso ler a Veja para saber o que ela escrever. Ela vai escrever que são bandidos, criminosos que atentam contra a propriedade privada, arruaceiros que devem ser presos, sem ouvir as partes envolvidas. Se eu leio a Carta Capital, eles são tratados como heróis, sem muito senso crítico.

De maneira geral o trabalho do repórter tende a perder sua importância, ficando em segundo plano. O repórter tinha que ser o lado mais importante do meio, a pessoa que estará na rua vendo o que esta acontecendo, e ele que dirá ao leitor o que viu. Em toda redação, se você pensar no editor, no redator, em toda a equipe, quem tem o contato mais direto com a realidade é o repórter. A visão do repórter tende a ser menosprezada, o que repórter viu é menos importante que a ideologia que o veículo quer passar.

Isso se percebe claramente quando se vê quando o repórter é considerado uma profissão menor nas Redações. Repórter é coisa de iniciante, é coisa de moleque que tá começando na profissão. É difícil você ver Repórter com mais de 30 anos ou mais trabalhando em coberturas diárias. Geralmente se a pessoa progride na carreira, ela vai virar redator, editor. Na Inglaterra, por exemplo, é comum ver pessoas de cabelo branco nas redações.

Pra mim isso tudo tá ligado. Os jornais tendem a valorizar menos o repórter, pois o importante não é o que a realidade tem a dizer ao jornal, mas o que o jornal tem a dizer a realidade de dentro de seus ambientes refrigerados. Quando a ideologia se torna mais importante do que a apuração, isto vale tanto para a esquerda quanto a direita, a figura do repórter passa a ser secundária.

Qual é a sua avaliação da blogosfera e do jornalismo web feito atualmente?

Eu sou pouco otimista com a idéia de que os blogs estão mudando a cara do jornalismo, criando um novo jornalismo, pelo menos no Brasil. Quando não se considera os blogs vinculados aos grandes jornais e portais, você tem muito pouco de reportagem nos blogs. E o que eu sinto mais falta no jornalismo brasileiro é a reportagem. Você tem uma crise com a reportagem com o esvaziamento das redações. As redações estão menores, postos de trabalho nas redações foram cortadas. Hoje muito da apuração é feito as pressas, com pouca equipe, muito na base de telefone, internet, email.

Você tem muita pouca gente fazendo reportagem, o que se tem mais é colunismo de blog. O que é isso? A pessoa pega o jornal, lê e escreve sobre as notícias.

Eu não acho que de maneira geral os blogs, as redes sociais não resolveram o principal problema do jornalismo brasileiro que é a falta da apuração. Falta isso nos blogs. Falta gente que tente descobrir o que esta acontecendo lá fora.

Eu vejo os blogueiros como gente no geral que vê TV, lê as revistas, e vai para internet dar a sua opinião sobre o que foi apurado por outro.

Seria muito mais interessante se houvesse reportagem. As pessoas me perguntam o que um bom blog precisa para ter jornalismo de qualidade. Eu falo que é preciso produzir informação original, ela pode ficar simplesmente falar do que ela tá lendo no jornal. Se ela for para a esquina da casa dela entrevistar o padeiro, ela vai fazer algo muito mais original, e isto é muito mais válido. Em outros países é comum blogueiros que fazem reportagem, conseguem informação original

O meu blog, o Boteco Sujo, de uma certa forma pautou a imprensa ao revelar o caso de uma menina, da Universidade UniBan, que foi vestido curto e foi xingada pelos alunos, e a polícia interviu, e teve que resgatar ela de lá. Foi um furo de reportagem do meu blog. Mas a maneira como ela nasceu, foi jornalística, o furo não nasceu da web.

Havia o vídeo na internet, mas ninguém sabia o que era. Só se tornou pauta, quando uma pessoa que estuda na UniBan me contou o que história, eu entrei em contato com outras pessoas, entendi o que aconteceu, e reportei no blog. Isso é uma coisa que eu sinto falta que os blogs façam, que é contar histórias. Falar do que se passa em outros lugares.

Um dos grandes problemas da internet é que ela não dá dinheiro. Até hoje você nem tem nenhum grupo de internet que ganha dinheiro com ela. Por exemplo, o G1, o dinheiro vem do grupo Globo. Na Folha Online, o grosso do dinheiro vem do Jornal Folha de São Paulo. O UOL também é ligado a Folha. As pessoas que fazem site não têm muita esperança de fazer dinheiro com isto. A atividade de internet ela acaba sendo uma coisa feita de maneira diletante. A pessoa faz quando dá, quando pode, nas horas vagas do trabalho dela.

Como surgiu o blog Boteco Sujo e que experiência você obteu com ele?

No começo era apenas um blog despretensioso que eu tinha que usava para escrever bobagens, desabafos pessoais, comentários. Nada muito diferente do que as pessoas usam no dia-a-dia para escrever em blogs.

Acontece que uma época eu trabalhei num jornal chamado Metro, que é distribuído gratuitamente no trânsito de São Paulo. E divertido de se trabalhar lá, mas tinha um problema, as matérias são muito curtas para serem lidas rapidamente no trânsito. Eu me sentia frustrado quando fazíamos a apuração da matéria, e escrevíamos um texto de apenas 3, 4 parágrafos. E aí eu comecei a publicar versões extendidas das matérias apuradas no jornal no blog.  Com isso o blog começou a ter repercussão, e as pessoas passaram a ler as matérias no blog mais do que no jornal, e a repercussão passou a ser maior no blog do que no jornal. Eu nunca ganhei dinheiro com blog, mas sempre tive mais repercussão nele.

Com o tempo, além de colocar as versões ampliadas de matérias produzidas para jornais e revistas, eu comecei a produzir material original. Eu comecei a publicar coberturas sobre a indústria pornográfica, que na época era um tema que chamava a atenção, mas era muito mal coberto pelos jornais e revistas de maneira geral. Era um assunto que me interessava, e paralelamente eu desenvolvo um projeto sobre um livro que aborda o assunto.  E com o tempo fui escrevendo sobre assuntos diferentes, que nenhum veículo se interessaria, e eu publicava no blog. A matéria que obteve a maior repercussão até hoje foi o caso da Geisy da Uniban.

No blog eu comecei a abordar temas e assuntos com os quais eu não conseguia trabalhar no meu dia-a-dia de redação. Eu sempre quis fazer matérias ligadas à sexualidade, por exemplo, matérias sobre assuntos considerados tabu ou pouco cobertos pela mídia em geral.  E eu não tinha muito espaço para este assunto nos veículos em que eu trabalhava. Ao postar este conteúdo no blog, isto chamou a atenção e me trouxe convites para outros campos profissionais. A revista Trip me convidou pelo trabalho do blog, e outras revistas também fizeram por meio do conhecimento do trabalho no blog. Eu nunca ganhei dinheiro com o blog, mas acabei ganho dinheiro por causa dele.

Eu recomendo aos estudantes que me perguntam sobre estágio, que se for para fazer um estágio mal-remunerado, é melhor usar este tempo construindo um blog sobre um assunto que lhes interesse. Fazendo apuração, entrevista, indo para a rua conversar com as pessoas, contando histórias. E assim construam uma boa vitrine sobre o seu trabalho.

No blog também posso comentar assuntos ligados a grande mídia, que eu não falaria em outros lugares. A saída da Maria Rita Kehl do Estadão (Jornal Estado de São Paulo) eu fui um dos primeiros a contar sobre. Através de amigos que trabalhavam lá, me contaram os bastidores.

Outro problema da imprensa brasileira é que a imprensa não fala da imprensa. Isto é outra coisa que eu sinto muita falta por aqui. Se você acompanha a mídia americana, é muito comum que o New York Times comente uma matéria do Washigton Post. Uma sucessão da família Sulzeberg no NYT é assunto em todos os jornais estadunidenses. De uma maneira geral, isto não acontece aqui. A Imprensa não cobre a Imprensa. Quando você vê um meio falando de outro por aqui, nunca é uma cobertura jornalística.

por Gracy Kelly e Lázaro Borges

Comments are disabled for this post