A engrenagem ditatorial capitalista


Por Yasmini Gomes

Foto: Aline Barreira

Ao começar um novo emprego a primeira coisa que o funcionário recebe, antes das boas vindas, é o conjunto de regras a serem seguidas para se trabalhar naquela empresa. Se é necessário usar o uniforme, a hora de chagada e de saída, se há horário de almoço, se é permitido usar o telefone para assuntos pessoais. Além dessas regras, há aquelas que dividem os trabalhadores em hierarquias, separando os chefes dos empregados, designando ordens e poderes.

Nos dias de hoje o trabalho não é associado a algo que é feito porque se gosta, e sim por necessidade, para poder sobreviver, pagar as contas, comprar objetos de desejo, para poder fazer parte da engrenagem social. Por isso é comum termos pessoas formadas em determinadas áreas, mas que atuam em outras, devido a essa necessidade de manterem um status de vida.

Aos 18 anos, por exemplo, quando um estudante ainda está entre a adolescência e a fase adulta, ele sai do ensino médio e já precisa decidir que profissão quer seguir, em que meio quer dedicar a sua vida profissional, escolhendo uma faculdade que o formará para essa escolha.

De acordo com Viviane de Souza, professora de Serviço Social na Universidade Federal de Ouro Preto, “o trabalho hoje em dia é, simbolicamente falando, o definidor do espaço que ocupamos no meio social, e mais do que isso, ele é algo que acaba, de fato, escravizando”, afirma. E ela ainda complementa falando que “O trabalho é algo tão presente na vida da sociedade que, atualmente, ao se conhecer uma pessoa, antes mesmo de perguntar de onde ela é ou o seu sobrenome, é questionado o que ela faz”.

Os homens estão presos em um sistema de trabalho que, apesar de possibilitar odireito de escolha de uma profissão, existe devido à necessidade capitalista de consumo, de status social a partir do critério financeiro.

Há a ilusão de que o poder trabalhar em casa, levando tarefas que deveriam ser feitas na empresa para dentro da própria moradia, cria uma ideia de liberdade, porém acontece o processo contrário. A partir do momento que as tarefas são levadas para dentro do lar, esse empregado passa a estar disponível 24h por dia, perdendo seus momentos de descanso.

Esse tipo de tarefa realizada em casa é chamado de Trabalho 2.0, que de acordo com matéria publicada na página do Jornal da Globo, cerca de “dez milhões de pessoas trabalhem à distância, pelo menos uma vez por semana, no Brasil. No mundo, já são 173 milhões de trabalhadores”.

Segundo Viviane, “perdemos os momentos de descanso, tornamos nossa zona de conforto e de fuga em um local de trabalho. Trazemos para o nosso pessoal o trabalho e perdemos momentos da vida que poderíamos passar com a família ou cuidando de nós mesmos. E a gente tem que lembrar que a vida não é só trabalho”, aponta.

As obrigações que os funcionários têm com a empresa muitas vezes são contrárias as ideologias defendidas por eles mesmos. No campo jornalístico, por exemplo, inúmeros profissionais têm critérios de apuração, escrita e divulgação do seu trabalho, que defendem seguir em qualquer empresa que trabalhem, chegando a afirmar que nãotrabalhariam em locais contrários a essas crenças.

Porém, a realidade do mercado é outra, e conseguir o emprego dos sonhos, em que se é possível criar com liberdade se tornou algo praticamente impossível. Dessa forma, o que vemos são funcionários que deixam suas crenças de lado para se submeterem as regras impostas pelo sistema de trabalho em que estão inseridos.

A escritora alemã Judith Mair escreveu o livro “Chega de Oba Oba”, traduzido recentemente para o português, que aborda a relação empregado – patrão, sobre a pressão dos resultados nas empresas, que acabam criando regras e censuras para alcançar metas, tratando os funcionários como objetos de produção.

Em entrevista àrevista Época, ela conta que as empresas se baseiam na lógica de que “a vida pessoal do empregado é sagrada. Mas no trabalho a dedicação deve ser total e absoluta”.

Funcionários não reclamam ou questionam as condições de trabalho pelo simples fato de estarem satisfeitos por já terem um emprego que pague suas contas e permitam sua sobrevivência. “É um ciclo sem fim. Quanto mais a tecnologia e a indústria avançam, mais queremos comprar, mais precisamos trabalhar. Estamos nos tornando pessoas que reclamam da ditadura imposta pelas empresas, mas o desejo de consumo nos leva a concordar com essa ditadura e a segui-la sem questionamentos”, conclui Viviane.